O crescimento do Brasil em 2024 está “contratado”, aponta Vander Costa
Em entrevista, o presidente do Sistema Transporte celebra os 70 anos da CNT e explica por que está otimista com o país
O presidente do Sistema Transporte, Vander Costa, tem mais de um motivo para celebrar. As três casas que compõem o Sistema — CNT, SEST SENAT e ITL — fecharam 2023 com entregas de peso. Os planos para os próximos meses já estão traçados e as perspectivas são positivas, com oportunidades para o país e para o setor. Além disso, há uma efeméride marcante: os 70 anos da CNT, entidade que remonta ao governo de Getulio Vargas, com representatividade entre os transportadores brasileiros.
Na entrevista a seguir, o presidente repassa as lutas recentes mais aguerridas, sobretudo a travada nos bastidores da reforma tributária, e indica os próximos passos da atuação institucional em prol dos interesses do transporte. Ele está atento ao desenrolar de uma eventual contrarreforma trabalhista e diz que a entidade estará ao lado de sindicatos e federações durante as eleições municipais, em que o tema da mobilidade urbana surgirá como pauta de campanha.
A preocupação com a capacitação da mão de obra e com a qualidade de vida dos trabalhadores continua a guiar os projetos do Sistema. Estudos técnicos e pesquisas de fôlego estão nos planos, com uso de tecnologia de ponta e aderência à realidade das empresas. Vander Costa vê o setor cada vez mais comprometido com a inovação e a reflexão crítica. Os líderes de amanhã estão em gestação — e contam com as diversas faces do Sistema Transporte para avançar no rumo certo.
Este é um ano muito especial, em que se comemora o aniversário de 70 anos da CNT. Como o senhor avalia essa história — tanto como empresário do setor, como, desde 2019, presidente do Sistema Transporte?
A CNT tem uma importância fundamental. São sete décadas de história. No começo, ela era basicamente dirigida e representada por transportadores autônomos. Posteriormente, houve um movimento dos empresários para poder assumir o controle. De lá para cá, a gente vê a história sendo reescrita pelos diferentes presidentes, como Camilo Cola, Thiers Fattori Costa e Clésio Andrade. Portanto, houve dois momentos. Lembro, ainda, que a instituição já se chamou CNTT, ou seja, Confederação Nacional do Transporte Terrestre. No fim de seu mandato, o presidente Clésio Andrade incentivou a criação da confederação dos transportadores autônomos. Ter a representação apenas de empresas nos trouxe mais legitimidade. Na maioria das vezes, é grande a convergência entre autônomos e empresários, mas existem alguns detalhes divergentes. Como a CNT tem um estatuto que preconiza a unanimidade de entendimento, algumas pautas ficavam difíceis de defender. Enfim, nos últimos 30 anos, com a criação do SEST SENAT, a CNT tem um trabalho de protagonismo e de representar, efetivamente, as empresas de transporte perante os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Por vezes, alguns empresários cobram uma atitude mais específica sobre determinado segmento, mas você tem de ter uma visão ampla, de trabalhar pelo transporte. Então, em minha gestão, próxima de completar cinco anos, temos focado em incentivar o transporte como um todo, em incentivar a multimodalidade e em trabalhar para cargas e passageiros sem distinção, criando um ambiente melhor para as empresas de transporte de todo o país.
O Sistema Transporte acompanhou de perto a tramitação da reforma tributária. Do ponto de vista do setor, a reforma ficou a contento?
Acho que sim. A grande mudança da reforma é a concentração de tributos, colocando o IVA no lugar de ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins. O IVA será dual, ou seja, com a parte do estado e a parte federal. Há um ganho grande, que é a uniformização da legislação no país, superando, por exemplo, as 26 versões do ICMS, fora a do Distrito Federal. Para o transporte urbano de passageiros, o projeto é razoável, porque você vai ter direito ao crédito por todos os insumos do transporte e uma alíquota reduzida em 60%. Assim, o que se gasta com combustível vai, praticamente, compensar o valor da tarifa, lembrando que, quando o Estado é o pagador, a imunidade tributária está mantida. Quanto ao transporte intermunicipal e ao interestadual, o legislador remeteu a definição da alíquota à lei complementar. O transporte de carga, por sua vez, terá um pequeno aumento da carga tributária, da ordem de 4 pontos percentuais. Porém, em nosso modo de ver, o ganho de ter uma legislação consolidada compensa essa situação. Agora, para a sociedade brasileira, o principal ganho é a consolidação das informações e um único banco de dados nacional. Hoje, o Estado tem informações sobre os tributos federais, mas ele não alcança a nota fiscal de um autônomo, emitida em nível municipal. No momento em que o Estado tiver a base de dados completa, vai usar Inteligência Artificial para cruzar informações e combater a sonegação. Com isso, a arrecadação aumentará e, no futuro, será possível, inclusive, reduzir a carga. Resta a crítica ao longo período de transição que vamos passar, quando teremos de conviver com dois sistemas. A CNT defendeu a redução do prazo de transição, mas não foi atendida. Como resultado, quem não tem benefício tributário vai ficar pagando para dar tempo daqueles que são beneficiados se acomodarem. Apesar disso, é a melhor reforma possível neste momento.
Há, no horizonte, outra pauta de interesse do setor de transporte que exija acompanhamento institucional por parte da CNT?
No Congresso, precisamos estar sempre atentos. Constantemente, devemos estar atentos à defesa do Sistema S. Na reforma tributária, há o risco de que algum congressista não compreenda o valor da formação de mão de obra qualificada e tente, de alguma forma, atentar contra. Outra atenção permanente é com relação à legislação trabalhista. Exige-se atenção para não deixar essa vontade ideológica atrapalhar o crescimento econômico do Brasil. A reforma trabalhista está gerando emprego — gerou mais de 2 milhões de empregos no governo Bolsonaro e, no primeiro ano do governo Lula, temos o menor índice de desemprego já visto. Apesar dos números, ainda assim, não se enxerga o bom resultado como um fruto da reforma trabalhista. Penso que o povo brasileiro foi sábio, nas últimas eleições, ao escolher um presidente com viés de esquerda, mas um Congresso com viés conservador. A CNT está unida às outras confederações de empregadores para barrar essas tentativas (de contrarreforma), mas é um ponto, sim, de atenção, principalmente, com relação às normas infralegais, que podem ser alteradas por decreto. Se isso acontecer, é o caso de recorrer ao Congresso e buscar proposta de decreto legislativo para derrubar aquilo que não tenha, como objetivo, o benefício da sociedade brasileira.
Recentemente, o Sistema Transporte participou da COP28, em Dubai, e lançou publicações sobre hidrogênio renovável e outras fontes alternativas de energia. O que a instituição pode agregar para a temática ambiental?
Podemos agregar conhecimento, experiência, estatística. Fala-se que o transporte é responsável por mais de 40% da emissão de gases. Porém pouco se fala que mais da metade das emissões vem de motocicletas e automóveis. Ônibus e caminhões já se aperfeiçoaram muito, desde que o Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores) saiu do zero e foi para a fase P8. Por exemplo, a emissão de particulados foi reduzida em mais de 90%. Hoje, a emissão de um ônibus é menor do que uma moto, sendo que o ônibus transporta 60 pessoas. Sem querer diminuir nossa responsabilidade, precisamos mostrar que estamos fazendo a nossa parte. O Brasil tem uma solução excelente, que é fazer o carro elétrico com etanol. Vamos chegar ao carbono zero e continuar tendo mobilidade. Precisamos pensar grande e colocar como meta não a emissão zero, mas o carbono neutro, retirando o gás carbônico da natureza. Em outra frente, no fim do ano passado, trouxemos um estudo da UnB (Universidade de Brasília) que mostra que a majoração do biodiesel na mistura do diesel aumenta o consumo dos veículos em até 15%, elevando, também, a emissão de CO2. Portanto, trata-se de desmistificar que o biodiesel reduz a emissão de poluentes.
Outra pauta relevante para o Sistema é a segurança pública. Inclusive, no ano passado, ela foi tema do Fórum CNT de Debates. Por que esse assunto continua sendo tão importante para o setor?
Segurança é sempre importante para o transporte. Em sua participação no Fórum CNT, o então ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, diagnosticou perfeitamente o problema: não adianta apenas procurar o bandido que rouba a carga do caminhão — tenho que mirar em quem ganha com esse crime. Da mesma maneira, preciso saber quem ganha com o vandalismo de ônibus. Do contrário, estaremos enxugando gelo. Eu tenho que quebrar a corrente financeira. Hoje, com os meios de pagamento e a inteligência que se tem na Receita Federal e na Polícia Federal, é possível rastrear o dinheiro. Então, acho que o governo está no caminho certo no enfrentamento ao crime. O Sistema Transporte não tem poder de polícia, mas vai trabalhar incentivando as forças policiais e o cruzamento de informações. Perceba que a carga, depois de roubada, é vendida com nota fiscal. Ora, o cruzamento vai identificar o que não teve entrada. Nós defendemos endurecer a punição para os receptadores da carga roubada. São eles que fomentam o crime e, portanto, precisam perder o estoque inteiro, ter o estabelecimento lacrado e o produto destinado a leilão da Receita Federal.
O Sistema continua produzindo materiais de referência, como a Pesquisa CNT de Rodovias, a Pesquisa CNT Perfil Empresarial e a Pesquisa CNT de Opinião. Como esses estudos técnicos subsidiam os transportadores na tomada de decisão?
A Pesquisa CNT de Rodovias é referência no país e, na edição passada, a 26ª, contou com a presença do ministro dos Transportes, Renan Filho, em seu lançamento. Ela emprega muita inteligência artificial em sua produção e continua evoluindo. Talvez não cresça muito em extensão avaliada, pois já cobre toda a malha pavimentada federal e as principais rodovias estaduais do Brasil, mas a qualidade sempre será apurada. Quando o ministro nos perguntou o que deveria ser feito para melhorar a infraestrutura no ano que vem, apontamos para a publicação, que traz uma relação das intervenções prioritárias, destacando os pontos críticos. Estão lá os pontos que resultam em mais acidentes e mortes. Sobre a Pesquisa CNT Perfil Empresarial e a Pesquisa CNT de Opinião, precisamos conhecer quem estamos representando. Como promover ações aqui, em Brasília, sem conhecer a vontade da base? Portanto, essas pesquisas servem para isso: mostrar como os nossos representados pensam.
Em 2023, o ITL (Instituto de Transporte e Logística) completou 10 anos de atuação como braço acadêmico do Sistema Transporte. Por que é importante investir na alta gestão e na formação de lideranças?
As decisões são emanadas da gestão. É ela que dá o direcionamento na empresa. Se eu estou preocupado com ESG (boas práticas ambientais, sociais e em governança), não adianta eu convencer apenas o funcionário e o gerente da filial — tem que ter o envolvimento da alta gestão. Portanto, esse tipo de conhecimento precisa estar na cabeça da alta gestão, porque é ela que vai direcionar o processo, ainda que não o execute. O ITL está com essa missão e tem feito um bom papel. O feedback dos participantes tem sido muito positivo e o futuro vai dizer se o transporte será mais racional. Eu tenho certeza de que sim, e já temos indícios disso. Por exemplo, hoje você vê mais empresários preocupados com equidade de gênero.
As Missões Internacionais do Transporte, o SEST SENAT Summit e o Executive Program são exemplos de produtos do Sistema com foco em inovação. Qual é a importância desse tipo de olhar para o setor?
Esses três estão me trazendo uma dor de cabeça grande, porque todo mundo quer participar (risos). Quanto mais missão propomos, mais gente quer ir. E era esse mesmo o objetivo, e o fato de ter uma grande aceitação demonstra o sucesso. A Missão Internacional é um programa intensivo, com viagens, que mescla o conhecimento da realidade do transporte em diversos países com conhecimento acadêmico. É um momento para estudar, para ouvir teóricos, e uma oportunidade para pensar como será o transporte daqui a 10, 20 ou 30 anos. Nas imersões, ficamos juntos por vários dias, com o objetivo de fazer o empresário pensar no futuro, no meio ambiente, na sustentabilidade do negócio. Esse é o sentido desses programas.
Também parte do Sistema Transporte, o SEST SENAT continua sua trajetória, desta vez, com um ciclo de planejamento estratégico visando garantir a empregabilidade e a longevidade das pessoas e das empresas. Como o senhor vê o futuro da instituição?
O futuro do SEST SENAT é a mudança constante, para continuar criando um ambiente social para o trabalhador e para a família dele e formando mão de obra de qualidade para as empresas de transporte. Antigamente, ficávamos muito fechados nas unidades operacionais. Hoje, a gente está provocando as empresas, os grandes contribuintes, a utilizar a rede. Ter uma maior interação ajuda a mostrar que a contribuição compulsória das empresas não é mera despesa, mas investimento. O SEST SENAT pode retribuir, treinando e qualificando a mão de obra com qualidade. Além disso, é importante cativar a família do trabalhador do transporte. Os atendimentos em psicologia, nutrição, fisioterapia e odontologia fazem a diferença para filhos e cônjuges. Muitas vezes, a esposa ou o filho do empregado pede para que ele permaneça em determinada empresa porque gosta de frequentar a unidade mais próxima. O ambiente agradável proporcionado pelo SEST SENAT também tem essa finalidade: precisamos fazer com que o trabalhador queira trabalhar no setor.
Estamos em um ano de eleições municipais. Por que o pleito é tão importante para o transporte e, em especial, para a mobilidade urbana?
Por uma questão de capilaridade, as eleições municipais são um assunto, sobretudo, das federações e dos sindicatos. A CNT não consegue acompanhar a eleição nos quase 5 mil municípios do país, de modo que nossa atenção será macro. Vamos acompanhar de perto as principais capitais e incentivar a ação da base, por meio dos sindicatos e das federações. É o momento de colocar em discussão, sim, a mobilidade urbana. Já houve um avanço muito grande ao quebrar a concepção de que dinheiro público no transporte coletivo de passageiros é subsídio ao empresário. Hoje, está claro que é subsídio ao passageiro. Em se tratando de política pública, cabe ao prefeito definir se quer passagem cara para o eleitor ou se vai, com dinheiro público, reduzir o custo da passagem. Em muitas cidades, já se fala em tarifa zero. Algumas querem fazer de modo experimental, zerando a tarifa em alguns dias da semana. Outras querem de modo universal. Vemos com satisfação essa discussão. O transporte deve ser regulado pelo município, mas isso não significa que não deva existir verba federal. A CNT defende que o assunto seja tratado como direito constitucional, como é o SUS (Sistema Único de Saúde) e a educação básica. Ora, cabe ao município cuidar de educação e saúde, mas cabe ao governo federal mandar os recursos, tendo em vista a concentração de arrecadação de verbas em nível federal. Hoje, existe, ainda, uma alternativa muito flexível, que são as emendas parlamentares. Deputados e senadores podem destinar recursos ao município, determinando que sejam aplicados em mobilidade urbana.
Que mensagem o senhor gostaria de deixar para o transportador em 2024?
Uma mensagem de otimismo. Os economistas insistem em dizer que o Brasil vai crescer pouco, mas, para mim, um crescimento na ordem de 3% já está contratado. O que movimenta a economia é a massa salarial e o Brasil nunca teve uma taxa de desemprego tão pequena. Fala-se que a média salarial vem decrescendo. Porém é emprego de qualidade: nós estamos gerando 2 milhões de empregos com carteira assinada. Ora, é muito melhor ter um emprego com carteira assinada do que estar na informalidade. Estamos colocando os informais para dentro do sistema, por isso, a base é um pouco mais baixa. Os salários dos executivos não foram reduzidos. Quando falo que o crescimento está contratado, lembro, por exemplo, que redes de transmissões para energia elétrica estão previstas. O Brasil só não produz mais energia solar e eólica por falta de rede de transmissão. Com isso resolvido, vamos gerar emprego na transmissão, vamos gerar emprego, também, nas usinas renováveis. Vamos gerar emprego com infraestrutura de transporte e algumas rodovias já foram contratadas. Na parte de infraestrutura de comunicação, o 5G está prestes a ser implantado. Tudo isso é emprego e vem do capital privado. Se tudo isso acontecer — e está nos contratos —, não tem como o Brasil crescer menos de 3%. Se o governo fizer alguma coisa para ajudar, vai acelerar mais ainda. Portanto, é preciso que o governo tenha responsabilidade com o arcabouço fiscal que foi aprovado. Tem razoabilidade o discurso do presidente Lula, de que é preciso investir para gerar emprego. Porém é investir — e não gastar. Gastança gera inflação e desemprego. Investimento é colocar dinheiro em rodovia, hidrovia, ferrovia. Isso, sim, dá retorno. O Sistema Transporte continua defendendo que o investimento em infraestrutura seja feito, porque ele vai se pagar e dar retorno.
Fonte: CNT / Foto: Divulgação CNT