Novo requer ao STF que juízes trabalhistas se abstenham de julgar casos de franquias

Caso liminar não seja concedida, partido pede que todos os processos trabalhistas envolvendo contratos de franquia sejam suspensos

O Partido Novo ajuizou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) em que requer que a Justiça Comum — salvo cláusula arbitral — seja considerada o fórum competente para processar e julgar demandas em que se alegue fraude, alguma irregularidade trabalhista ou outros vícios em contratos de franquia. Desta forma, apenas se a Justiça Comum considerar inválido o contrato é que seria possível discutir o vínculo empregatício na Justiça do Trabalho. Leia a íntegra da ADPF 1.149.

A maioria dos ministros do STF têm decidido neste sentido em reclamações constitucionais que passaram a chegar em maior volume no STF desde meados do ano passado, mas ainda não houve um julgamento mais amplo da Corte sobre o tema, numa ação de controle concentrado de constitucionalidade, como a ajuizada agora, por exemplo.

Na ação, o partido requer que seja determinado, em caráter liminar, aos órgãos jurisdicionais de todas as instâncias da Justiça do Trabalho a necessidade de se abster de proferir decisões quando se discuta a validade do contrato de franquia. Caso a liminar não seja concedida, os advogados do Novo pedem ao menos que sejam suspensos todos os processos que discutam o reconhecimento de vínculo empregatício, nos casos em que as partes tenham celebrado prévio contrato de franquia.

“Em que pese alguns franqueadores tenham obtido decisões favoráveis em recentes reclamações constitucionais propostas nesse Egrégio STF contra decisões judiciais que reconheceram a competência da Justiça trabalhista e declararam indevidamente o vínculo empregatício com ex-franqueados, como essas decisões não possuem efeito vinculante, o impacto sistêmico acabou sendo prejudicial para o setor de franquias e para a economia como um todo”, argumentam os advogados Eduardo Antônio Lucho Ferrão, Luciano Benetti Timm, Luiz Felipe Bulus e Lucas Rabêlo Campos, que representam o Partido Novo.

Segurança jurídica

Hoje há mais de 3.300 redes de franquias ativas no Brasil, que geram 1,7 milhão de empregos diretos e apresentam um faturamento que ultrapassou os R$ 240 bilhões em 2023. Os advogados apontam que é essencial para a atração de investimentos para o país, a previsibilidade do direito, que permite que as partes de uma relação econômica possam alocar eficientemente seus custos e assegurar, de forma lícita e ética, seus lucros.

“Porta de entrada para o empreendedorismo, o setor de franquias responde por mais de 2% do PIB. No entanto, o sistema de franchising sofre há anos com a interferência e a incompreensão de parte da Justiça do Trabalho, que desconsidera contratos plenamente firmados entre donos de franquias e franqueadoras ao reconhecer, indevidamente, o vínculo de emprego entre empresários, em afronta ao que prevê a própria Lei de Franquias”, afirma o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro.

Ao defender a competência da Justiça Comum para julgar os processos que requerem a configuração de vínculo empregatício quando há contratos de franquia, o partido afirma que os magistrados da Justiça Estadual ou árbitros são “experientes em disputas envolvendo franquias e contratos comerciais diversos” e “certamente teriam maior familiaridade e facilidade para analisar os contratos de franquia, inclusive para decidir sobre sua validade e eficácia, o que diminuiria as chances de sucesso de demandas temerárias.”

Por outro lado, afirmam que a escolha de ex-franqueados pela Justiça do Trabalho “para propor essas demandas se deu com o intuito de aproveitar-se da parcialidade sistêmica da Justiça trabalhista, em nítida afronta ao preceito do juiz natural”.  

Em 60 casos, elencados no processo, em que os magistrados trabalhistas verificaram haver vínculo empregatício apesar da existência do contrato de franquia, o partido sustenta que não houve “análise ao atendimento à lei de franquia pelos contratos e pela relação vivenciada pelos contratantes. A Justiça Trabalhista, amparando-se em interpretação inconstitucional do princípio da primazia da realidade, passa direto à uma análise tendenciosa acerca dos requisitos estabelecidos na CLT como aptos a configurar a relação empregatícia”. O cenário, afirmam, é de “completa insegurança jurídica”.

De acordo com a petição do Partido Novo, a competência da Justiça Trabalhista, especializada, foi estabelecida pelo que preceitua o art. 114 da Constituição Federal e nesse dispositivo não há previsão para a resolução de controvérsias relacionadas ao Direito Empresarial. Desta forma, “ainda que as reclamações trabalhistas incluam pedido de reconhecimento de vínculo empregatício, a pretensão do ex-franqueado continua condicionada à declaração de nulidade da relação empresarial decorrente da Lei de Franquias”.

Não se ignora a possibilidade de o Poder Judiciário considerar que certos contratos foram inexistentes, ou que são inválidos, ou mesmo que não podem produzir efeitos, dizem os advogados. Mas eles defendem que essa avaliação deve ser feita anteriormente na Justiça comum, por juízes especializados em temas cíveis e mercantis, já que essa foi a opção do legislador.

Profissionais hipersuficientes

O Partido Novo afirma que ao analisar 2.565 Reclamações Trabalhistas identificou uma contingência na ordem de R$1.22 bilhão de reais, algo como R$510 mil por ação judicial. Para fins de comparação, de acordo dados do IPEA, as causas trabalhistas têm valor médio em torno de R$42 mil, ou seja, aproximadamente 8% do valor em litígio envolvendo franquias. De forma que, “sob o ponto de vista macro, resta óbvio não se tratar de uma demanda judicial envolvendo profissionais hipossuficientes”.

“Não estamos falando de trabalhadores vulneráveis. São empresários, esclarecidos e com ampla capacidade de decidir. A proteção estatal, nestes casos, representa intervenção indevida na esfera privada e um desperdício de recursos públicos, com incentivo à litigiosidade e ineficiência do sistema de justiça”, afirma Ribeiro, presidente do Novo.

Os advogados do partido avaliam que “parece claro que todo esse imbróglio e incentivo à litigância decorrentes dos persistentes precedentes da Justiça Trabalhista acabam gerando ineficiência. Recursos consideráveis do orçamento público são direcionados para subsidiar os custos dos processos, assoberbando a justiça trabalhista. Pior ainda, essa sobrecarga resulta na alocação de fundos para o julgamento de demandas entre partes hipersuficientes, prejudicando as ações trabalhistas de partes hipossuficientes, que efetivamente necessitam da Justiça especializada. Isso sem mencionar o aumento das despesas associadas à abertura e manutenção de um negócio”.

Uniformização de jurisprudência e economia processual

“A medida é importante para dar racionalidade ao sistema de justiça; é uma medida de economia processual. Não faz sentido o contribuinte arcar com o custo de litigar criado por parte da Justiça do Trabalho, quando já existem precedentes consolidados no STF sobre terceirização e sobretudo sobre a natureza comercial do contrato de franquia, que deve ser julgado no foro eleito ou arbitral”, afirma Luciano Benetti Timm, do CMT Adv, um dos advogados que assina a peça.

Precedentes

Na ação é mencionado que o caso é análogo à ADC 48, na qual o STF firmou tese no sentido de que “uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei 11.442/2007 [que regula o transporte rodoviário de cargas por terceiros e mediante remuneração], estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista”.

Os advogados também consideram que o pedido se relaciona com a razão de decidir do RE 606.003 (Tema 550 da repercussão geral), sobre contratos de representação comercial, no qual foi fixado a tese de que “preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes”.

O STF e a Justiça do Trabalho

Os ministros do STF têm se manifestado sobre o volume de reclamações constitucionais envolvendo decisões trabalhistas e a divergência de entendimentos da Suprema Corte e dos juízes do Trabalho.

Em março, a ministra Cármen Lúcia, ao falar sobre o papel constitucional do STF nos conflitos decorrentes das novas relações trabalhistas, lembrou que a Corte é a guardiã da Constituição e, como tal, tem prerrogativa para julgar questões sobre trabalho. “Quem diz do Direito Constitucional do Trabalho, em última instância, é o Supremo”, afirmou.

Para Cármen Lúcia, a desobediência de juízes diante de decisões vinculantes do STF gera uma instabilidade individual, empresarial e trabalhista. Ao citar Pontes de Miranda, a ministra lembrou que os operadores do Direito podem questionar para que se mude uma lei, mas enquanto ela estiver vigente, é preciso aplicá-la.

Em fevereiro, o ministro Luís Roberto Barroso disse que iria criar um grupo de trabalho no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a litigiosidade trabalhista no Brasil.

“Eu acho que [essa litigiosidade] prejudica o país, a segurança jurídica e a atratividade do país para fins de investimentos. Você só sabe o custo de uma relação do trabalho no Brasil depois que ela termina, isso é muito problemático, inclusive, do ponto de vista da empregabilidade”, afirmou o presidente do STF.

Em outubro do ano passado, o ministro Gilmar Mendes, em sessão da 2ª Turma da Corte, apresentou pesquisa feita no acervo processual do Supremo que mostra que das 4.781 reclamações protocoladas na Corte naquele ano, 2.566 são classificadas como “Direito do Trabalho” e “Processo do Trabalho”.

Em relação à categoria “ramo do Direito”, elas são maioria, representam 54%. Ainda segundo ele, quando alterado o fator de busca e inserida a expressão “Direito do Trabalho” no campo assunto, a quantidade de reclamações sobre o tema localizadas aumenta para 3.055.

Para o ministro, esse dado “não causa espanto” por causa da “visão distorcida” da Justiça do Trabalho, o que pode fazer com que o Supremo tenha que aferir “dezenas, quem sabe centenas de decisões”, que talvez façam com que o Supremo se torne uma “Corte Superior ou Suprema Justiça do Trabalho.”

Já o ministro Edson Fachin tem divergido da posição majoritária da Corte nas reclamações envolvendo Direito do Trabalho. Em um caso específico, envolvendo uma advogada associada e um escritório de advocacia, ele foi seguido por Nunes Marques e Dias Toffoli para negar uma reclamação na 1ª Turma do STF.  O ministro Flávio Dino também tem divergido da maioria dos colegas.

A ministra Cármen Lúcia foi sorteada como relatora da ADPF 1.149.

Fonte: Jota / Foto: Divulgação/Canva