Novas ferrovias reforçam peso estatal no setor

A decisão do governo de se apoiar no investimento público para ampliar a malha ferroviária do país não é uma unanimidade no setor. Parte das empresas defende a tese de que muitos projetos andariam bem mais rápido e seriam menos onerosos aos cofres públicos se a União decidisse abrir mão dos empreendimentos e os concedesse à iniciativa privada.
 
O histórico da gestão pública nas ferrovias, de fato, não é muito favorável. Por 40 anos, a União foi dona da extinta Rede Ferroviária Federal (RFFSA), estatal que foi privatizada na década de 1990, depois de se transformar em um dos maiores escândalos de descaso com o dinheiro público do país. Até hoje ainda há bilhões de reais em dívidas não quitadas, boa parte delas decorrente de milhares de processos trabalhistas que não foram concluídos.
 
Com a Valec, no entanto, o governo aposta numa situação diferente. O plano é que, assim que esses novos trechos de malha estiverem prontos, a estatal ofereça-os para diferentes empresas de logística. Trata-se de uma mudança em relação ao modelo atual de concessão, que privilegia um único operador em cada ferrovia. É o que acontece, por exemplo, nos 719 quilômetros já construídos e em operação da Ferrovia Norte-Sul, entre as cidades de Palmas (TO) e Açailândia (MA). Desde 2007, a mineradora Vale tem exclusividade para utilizar esse percurso. Para isso, a empresa arrematou, com lance de R$ 1,478 bilhão, a exploração comercial pelo período de 30 anos.
 
O novo modelo de concessão – que é criticado pela Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), que representa as empresas de transporte de cargas do setor – quer acabar com esse monopólio, uma situação que, de acordo com o governo, tem dificultado a operação de outras empresas interessadas no mesmo trecho. As regras, que ainda não entraram em vigor, preveem o direito de passagem e tráfego mútuo, além de metas de produção por trecho e de segurança para as concessionárias.
 
As novas ferrovias terão impacto direto no transporte de cargas que é direcionado, principalmente, a quatro grandes portos da região: Paranaguá (PR), São Francisco do Sul (SC), Itajaí (SC) e Rio Grande (RS). Uma das preocupações do governo é fazer com que as novas linhas não tragam impacto negativo às malhas já construídas na região Sul.
 
No Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, quase todas as ferrovias foram concedidas para a empresa América Latina Logística (ALL). Um bom trecho dessas linhas, segundo José Eduardo Castello, presidente da Valec, está com o tráfego suspenso há anos. Outra parte estaria com capacidade ociosa.
 
De acordo com dados da ANTF, a ALL investe anualmente entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões só no Rio Grande do Sul para ampliar a capacidade da malha local. No ano passado, esse trecho da ferrovia foi responsável por 70% do volume movimentado no porto de Rio Grande.
 
"Estamos analisando diversas formas de interligação com a malha existente e vamos trabalhar de forma articulada, sem olhar as necessidades de um único Estado. A ideia não é prejudicar ninguém, mas melhorar aquilo que já existe", diz Castello. "Os estudos técnicos vão mostrar aquilo que pode ser utilizado como interligação e aquilo que precisa ser feito para apoiar o plano traçado. Não haverá sobreposição de malha, nem desperdício de dinheiro", complementa.
 
Desperdício de recursos é algo que já entrou para o currículo da Valec. Na Ferrovia Norte-Sul, revelou o Valor na semana passada, terá de ser gasto cerca de R$ 400 milhões a mais para consertar estruturas e trilhos que foram mal instalados. Trata-se de injetar dinheiro para arrumar algo que nunca foi utilizado. Além disso, a estatal terá que erguer uma série de pátios logísticos que constavam dos contratos firmados com empreiteiras, mas que não foram entregues.
 
Para evitar que os problemas se repitam nos novos projetos, diz Castello, a Valec vai firmar acordos de cooperação técnica com as universidades federais do Paraná e Santa Catarina. As parcerias têm o propósito de definir, especificamente, qual será o traçado da chamada "Ferrovia do Frango", planejada para ligar as cidades catarinenses de Chapecó e Itajaí. A participação da universidade paranaense deve-se à possibilidade de o traçado da ferrovia se ligar à linha férrea que hoje corta os Estados e que foi concedida a ALL. Com essa interligação, a carga transportada pela nova ferrovia ganharia a opção de chegar até o porto de Paranaguá, além dos terminais de Itajaí. "Não vamos privilegiar nenhum Estado, em específico, mas aquilo que é melhor para a logística nacional", comenta Castello, da Valec. Ontem, foi publicado no Diário Oficial da União o edital para contratação dos estudos técnicos da Ferrovia do Frango.
 
No ano passado, a movimentação de carga transportada pelos 29 mil quilômetros de ferrovias do país atingiu 475,1 milhões de toneladas. Para este ano, a previsão é chegar a 522 milhões, segundo estimativa da ANTF. 
 
 
 Crédito da União deve ir para três rodovias 
Pacote de auxílio aos estados prevê o repasse de R$ 20 bilhões, via financiamento do Bndes
Jornal do Comércio/RS – 19/6/2012 
Um pacote de auxílio aos estados, anunciado na sexta-feira, em Brasília, após reunião entre os governadores e a presidente Dilma Rousseff, prevê o repasse de R$ 20 bilhões, via financiamento do Bndes, para ações de infraestrutura de acordo com as necessidades específicas de cada unidade da federação. A parcela do Rio Grande do Sul, avaliada em R$ 475 milhões, depende da apresentação de projetos prioritários aprovados até janeiro de 2013. O planejamento, segundo o Palácio Piratini, será definido ainda em 2012, por meio de encontros e reuniões com representantes de diversos setores. Foi solicitado às secretarias que apresentem seus principais projetos até o final desta semana, prioritariamente que já estejam em andamento. Entidades avaliam como positivo o aporte, mas chamam a atenção para a urgência de recuperação da capacidade de investimentos públicos.
 
Conforme o presidente do Sindicato da Indústria da Construção de estradas e Obras de Pavimentação e Terraplanagem, Nelson Sperb Neto, uma reunião marcada para amanhã pode finalizar a apresentação de três projetos que demandariam boa parte dos recursos. Segundo ele, as duplicações da RS-324, entre Passo Fundo e Marau (orçada em cerca de R$ 150 milhões), da RS-509, no acesso à Camobi, em Santa Maria (R$ 150 milhões), e a RS 470, entre Farroupilha e Garibaldi (R$ 50 milhões), já possuem estudos encaminhados e devem encabeçar a listas das obras contempladas. Além disso, o dirigente afirma que falta uma definição para a possibilidade de utilização do restante do dinheiro, cerca de R$ 75 milhões, na manutenção de estradas e consultorias viárias para o Interior do Estado.
 
Enquanto aguardam a fixação da destinação dos aportes, os membros da Câmara Temática de Infraestrutura e Logística do Conselhão começam a se debruçar sobre o assunto a partir do dia 28 de junho, quando uma nova rodada de diálogos ocorre em Farroupilha. Na opinião do conselheiro e presidente do Sindicato dos Empregados em Transportes Rodoviário de Cargas (Sinecarga), Paulo Roberto Barck, os pontos de maior relevância se referem às soluções para a construção da RS-010 (entre a BR-290 e a RS-118) e para a mobilidade na Região Metropolitana de Porto Alegre.
 
Para o presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), Heitor José Müller, o Rio Grande do Sul não consegue superar a marca de 3,5% do orçamento em infraestrutura e outros estados chegam a destinar até 30% para a área. Por isso, ele identifica um atraso histórico e aponta gargalos como somente 12 mil quilômetros de vias pavimentadas, apenas 400 quilômetros de rodovias duplicadas e o abandono de mil quilômetros de malha ferroviária. “É incompreensível que não tenhamos uma estrada duplicada, por exemplo, entre Porto Alegre e Caxias do Sul, que é o maior polo industrial do Interior. Por outro lado, este recurso pode ser insuficiente para uma duplicação até Caxias, pois envolve um trecho bastante complicado, entre São Vendelino e Farroupilha, na subida da Serra. Além disso, a ausência de transporte lacustre, a inexistência de transporte ferroviário e a necessidade de abertura de novas rodovias são alguns aspectos que comprovam a deficiência”, avalia.
 
Na opinião do industrial, o sucateamento estrutural é um dos fatores que contribui para que a indústria gaúcha “sofra” com os custos logísticos e seja “penalizada” com a falta de competitividade de seus produtos. De modo geral, Müller diz que o recurso é bem-vindo, justamente, para recuperar o tempo perdido e a escassez de investimentos públicos na área.
 
Principais propostas
 
•Investimentos em modais alternativos, como hidrovias e ferrovias
 
•Ampliação da extensão de apenas 12 mil km de rodovias pavimentadas
 
•Aumento dos 400 km de estradas estaduais duplicadas •Duplicação da ligação entre Porto Alegre e Caxias do Sul, o principal polo industrial do Interior
 
•Duplicação da RS-324 (entre Passo Fundo e Marau), RS-509 (Acesso a Camobi) e RS-470 (entre Farroupilha e Garibaldi)
 
•Elevação do número de pistas da BR-116 entre Porto Alegre e Novo Hamburgo
 
•Conclusão da RS-010, entre a BR-290 e a RS-118
 
Conjunto de 39 melhorias amenizaria gargalos
 
Um levantamento apresentado pelo movimento Agenda 2020, com a participação de diversas entidades, incluindo a Comissão de Infraestrutura e Logística da Federasul, destaca 39 melhorias responsáveis pela solução de alguns gargalos estruturais do Rio Grande do Sul. Na opinião do vice-presidente da entidade, Paulo Renato Menzel, o acesso asfáltico dos municípios e a ampliação da malha rodoviária merecem atenção.
 
Outro ponto destacado se refere à BR-116, no sentido Norte. Por ali circulam 130 mil veículos por dia entre Porto Alegre e Novo Hamburgo e cerca de 70% do PIB gaúcho passa pelo trecho. Apesar da construção da BR-448, a chamada Rodovia do Parque, que servirá com alternativa ao trajeto, o documento prevê a necessidade de ampliação do número de pistas para comportar o fluxo que atinge a 4,9 milhões de habitantes.
 
Para Menzel, ampliação de modais alternativos também é fundamental. “É claro que os R$ 470 milhões anunciados não são suficientes para solucionar todos os problemas”, afirma.