Multas para não pagar

Entre 2008 e 2011, quase 1 milhão de multas no valor de R$ 29 bilhões foram aplicadas às empresas pelo governo federal, mas o valor arrecadado não chegou a R$ 1,7 bilhão (5,7%), segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). A disparidade entre o volume de multas e o seu recolhimento deixa clara ou a ineficiência da cobrança ou a inépcia na aplicação. Mostra, também, que as empresas podem dispor de eficientes mecanismos legais de defesa para protelar o cumprimento da penalidade.
 
 
O levantamento do TCU abarcou 17 entidades públicas, destacando-se entre as que mais multam o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), com 322 mil autuações; a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), com 314 mil; o Banco Central, com 160 mil; e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com quase 90 mil multas. As quatro entidades responderam por quase 90% das punições, cabendo as restantes às agências do petróleo (ANP), das telecomunicações (Anatel), da vigilância sanitária (Anvisa), do transporte aéreo (Anac), da saúde (ANS), o próprio TCU e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Números menos expressivos foram registrados na agência reguladora de energia elétrica (Aneel), seguros privados (Susepe), Ancine (filmes), Antaq (transporte aquaviário), ANA (águas) e Cade (defesa da concorrência).
 
Não é apenas na esfera federal que são efetivamente pagas poucas das multas aplicadas. Vultosas penalidades vêm sendo anunciadas, por exemplo, pela Prefeitura de São Paulo, sobre shopping centers que operam sem alvará de funcionamento, construíram mais área do que o permitido ou descumpriram regras relativas à oferta de vagas de estacionamento.
 
Na esfera federal, o não pagamento das multas sujeita o infrator à inscrição no Cadastro Informativo de Créditos Não Quitados do Setor Público Federal (Cadin), mantido pelo Banco Central. O Cadin permite o monitoramento da dívida em tempo real, o que impediria o contribuinte de participar de licitações federais ou de tomar empréstimos em bancos oficiais, como o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF). Mas o procurador-chefe do Inmetro, Marcelo Martins, enfatiza que as penalidades previstas pelo Cadin "não são tão firmes". Pode-se depreender dessa afirmação que nem todos os órgãos públicos consultam o Cadin antes de contratar fornecedores e prestadores de serviços – o que é grave.
 
O Inmetro é um exemplo de que penalidades adequadas podem funcionar. Implantou um sistema de gestão integrada com os institutos de metrologia e pesos e medidas dos Estados, ao qual também têm acesso os procuradores federais. Atua em conjunto com a Procuradoria-Geral Federal. E aplica multas de pequeno valor, em média, de R$ 500,00. O valor desestimula a contratação de advogado para defender o infrator. Além disso, o órgão procura, antes, cobrar a dívida pela via administrativa.
 
A ANTT, para conseguir um índice de recebimento de multas superior à média, firmou convênio com a Serasa pelo qual os devedores inadimplentes ficam impedidos de obter empréstimos e financiamentos bancários.
 
A Anatel está tomando medidas para aprimorar a eficiência da cobrança, enquanto o próprio TCU recebeu apenas R$ 15,4 milhões dos R$ 157,1 milhões em multas aplicadas. A cobrança é feita pela Advocacia-Geral da União (AGU). Em muitos casos, há perda de prazos nas demandas da União, sem que sejam punidos os responsáveis pela desídia.
 
Os órgãos que punem quem desrespeitou as leis ou prestou maus serviços aos consumidores cumprem, em geral, sua obrigação. Se quase 95% das penalidades não são pagas, isso se deve à profusão de recursos dilatórios, tanto na esfera administrativa como na judicial. Há casos em que se protela por décadas o cumprimento de uma penalidade. O risco é de que o alto grau de incidência dos atrasos transforme as punições em mero jogo de cena