Leilão fracassado em SP acende alerta para concessões federais

Ausência de interessados na licitação paulistana prova que o setor privado não está disposto a entrar em projetos com rentabilidade apertada e modelagem duvidosa. 

O fracasso de uma licitação de linha de metrô em São Paulo nesta semana acendeu um novo alerta para o programa federal de concessões de infraestrutura. As licitações envolvem R$ 250 bilhões em investimentos e vêm recebendo críticas de grandes grupos, que estão fazendo novas exigências para disputar os leilões.

Segundo fontes do setor, a ausência de interessados na licitação paulistana prova que o setor privado não está disposto a entrar em projetos com rentabilidade apertada e modelagem duvidosa. "O governo acha que é catimba do setor, que é chororô. Mas a realidade está aí", resume um executivo do setor.

Até mesmo o programa visto pelo mercado como mais seguro e com regras mais estáveis, o das rodovias, vem sendo alvo de contestações. Apesar de ser mencionada, a taxa de retorno – de fato, menor do que nos leilões passados de rodovias – não é a reclamação mais frequente. Na verdade, os grupos dizem que os estudos feitos pelo governo para embasar os projetos não correspondem à realidade em parte dos lotes a serem licitados. "O governo interpreta como se estivesse tudo resolvido. Não está", afirma o executivo de outra empresa.

Uma das constatações diz respeito ao tráfego de veículos. Os grupos interessados fizeram a contagem do fluxo em cada rodovia, para embasar estimativas de receita, e chegaram à conclusão que o governo superestimou em até 28% o movimento de automóveis e veículos pesados. O caso mais grave é o da BR-153, rodovias entre Tocantins e Goiás. Também há problemas no lote 6, que reúne as BRs 163, 262 e 267, no Estado de Mato Grosso do Sul.

Além disso, o ritmo de investimentos é considerado exagerado em parte dos casos. O governo Dilma exigirá a duplicação total das rodovias num prazo máximo de cinco anos. Parte dos grupos diz que pode trabalhar com esse tempo, mas que em alguns casos a exigência é desnecessária por não ter tráfego que justifique a celeridade das obras – o que encarece o projeto. Quanto a esse ponto, a reclamação mais forte é sobre as rodovias do Mato Grosso do Sul.

Apesar disso, o governo pode ficar tranquilo em relação à primeira rodada de licitações de rodovias: é quase consenso que as BRs 262 e 050 são os projetos mais atrativos. Não por acaso, serão os primeiros a irem a leilão. Joga a favor do Planalto o fato de hoje haver vários concorrentes – grandes e pequenos – em licitações de rodovias, o que abranda a pressão dos gigantes do setor. As rodovias também têm uma regulação considerada mais segura. O mesmo não se pode dizer das ferrovias, por exemplo (leia ao lado). Ainda assim, "há um limite" nesse interesse por estradas, defendem fontes.

Grande parte dos grupos interessados em rodovias também analisa a disputa por aeroportos. Há reclamações a respeito da taxa de retorno de projeto, que estaria abaixo do divulgado pelo governo devido a erros nos estudos. Mesmo assim, a reclamação que recai sobre o setor aeroportuário não é tão forte e a visão do mercado é que o interesse das empresas continua. As companhias fazem seus estudos sendo atraídas principalmente pelos ganhos comerciais nos empreendimentos – o que inclui receitas com lojas, por exemplo.

O edital para a concessão dos aeroportos de Galeão (RJ) e Confins (MG) recebeu cerca de 780 contribuições durante a fase de consulta pública, que se encerrou no dia 30 de junho. É um número ainda mais alto que o do leilão anterior (de Guarulhos, Campinas e Brasília), que recebeu 733. Essas contribuições são feitas por empresas interessadas, escritórios de advocacia e representantes de entidades.

Conforme o Valor apurou, já estiveram em conversas sobre o setor com a diretoria da Anac executivos do Banco Safra, do BTG Pactual e GP Investiments. Anteriormente, já participaram dessas reuniões representantes do Grupo Libra, Queiroz Galvão, EcoRodovias, CCR, Changi e Odebrecht. Também participam da corrida Fidens, ADC&HAS, Ferrovial, Atlantia / Gemina, München, Fraport, Carioca, Schiphol, ADP e Advent. A Triunfo Participações e Investimentos, que já está em Viracopos, vai analisar sua participação na nova rodada.A previsão é realizar o leilão até outubro.

Investidores têm mais receios em ferrovia e TAV – As empresas brasileiras se mostram mais distantes de dois tipos de concessão: ferrovias e trem de alta velocidade (TAV). A menos de quinze dias da data prevista para entrega de propostas do "trem-bala", o governo confirmou o cronograma do processo licitatório contando com o interesse de dois grupos estrangeiros – um francês e outro espanhol.

Demanda e custo dos investimentos afastaram as brasileiras que haviam sinalizado interesse. Agora, o mercado comenta que o grupo francês – composto pela fabricante Alstom e pela operadora de ferrovias SNCF – demonstra o maior apetite.

Já o grupo espanhol, composto pela operadora Renfe e pela fabricante Talgo, chegou a apresentar defesa de sua participação por meio do governo do país ibérico. A Renfe opera a linha onde houve um acidente com 80 mortos na última semana – e o edital brasileiro proíbe a participação de quem tenha registrado mortes de passageiros nos últimos cinco anos. A justificativa do governo espanhol é que o acidente não ocorreu em linha de TAV, e por isso a Renfe não estaria impedida. "Isso ainda precisa ser verificado", disse ontem Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL).

"Não será nenhum espanto que restem só esses dois grupos concorrentes", diz um executivo do setor. Em uma recente disputa pelo trem-bala na Arábia Saudita, franceses e espanhóis também ficaram na disputa final.

Além do TAV, o governo inicia neste ano os leilões do novo modelo de concessão de ferrovias. Esse é o segmento visto com mais receios por parte da iniciativa privada. Até agora, só dois grupos brasileiros demonstraram efetivo interesse nos projetos. A maior dúvida diz respeito às garantias que o governo irá oferecer para o pagamento que a Valec fará os concessionários. Isso porque a estatal é que será a fonte de receitas dos vencedores ao longo do contrato de concessão. Segundo as empresas, há o risco de um governo futuro, por exemplo, decidir interromper ou mudar o cálculo para o pagamento.

O primeiro empreendimento da série de leilões de ferrovias é o que liga Açailândia (MA) a Barcarena (PA), que terá demanda de movimentação de commodities. O edital definitivo ainda não foi publicado – a previsão mais recente do governo é que isso aconteça até 19 de agosto (dois meses antes do leilão, em 18 de outubro). O investimento estimado para a construção do trecho ferroviário é de R$ 3,2 bilhões, segundo o governo.

Apesar dos receios, a Triunfo Participações e Investimentos (TPI), que já venceu no aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), vai disputar o leilão para buscar conhecimento sobre o mecanismo proposto pelo governo. No entanto, tem pouca intenção de ganhar esse primeiro projeto.

Após aval do TCU, governo lança editais de rodovias – O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou ontem, sem restrições importantes, os estudos de viabilidade das duas rodovias que vão inaugurar o megaprograma de concessões anunciado pela presidente Dilma Rousseff no ano passado: a BR-050 (em Goiás e Minas Gerais) e a BR-262 (Minas Gerais e Espírito Santo).

A decisão abriu caminho para a publicação dos editais. O governo, que passou a tratar o pacote de concessões como tábua de salvação da economia, não perdeu tempo. Algumas horas depois, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) lançou os editais e divulgou a data do leilão desses dois lotes: o dia 18 de setembro, em sessão pública na BM&F Bovespa. Se tudo correr como o previsto, os contratos serão assinados no dia 9 de dezembro.

Com elogios à qualidade dos estudos, os ministros do tribunal não fizeram nenhuma mudança nas tarifas-teto de pedágio dos dois primeiros lotes. Na BR-050, a tarifa máxima é de R$ 7,87 por cada 100 quilômetros. Na BR-262, alcança R$ 11,48 por 100 quilômetros. Vence a disputa quem oferecer o maior deságio. As futuras concessionárias só poderão iniciar a cobrança de pedágio quando tiverem feito pelo menos 10% das obras de duplicação.

Um dos poucos pontos de preocupação do TCU é com a qualidade do pavimento usado nos trechos a serem duplicados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). Há trechos nas rodovias que já estão com obras a cargo da autarquia federal, mas o padrão de qualidade é diferente do exigido das futuras concessionárias.

Para o tribunal, isso gera dois riscos. De um lado, pode fazer os usuários conviverem com padrões distintos de pavimento na mesma rodovia. De outro, embute a possibilidade de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, diante da eventual necessidade de reparos no pavimento e aumento dos custos futuros de manutenção.

Enquanto isso, às vésperas do primeiro leilão de rodovias do novo programa, o governo se vê diante do reajuste das tarifas de pedágio das estradas que já estão sob administração privada. Os reajustes da Nova Dutra e da Ponte Rio-Niterói, ambas da CCR, devem entrar em vigência hoje.

O ministro dos Transportes, César Borges, disse ontem à noite que as tarifas não vão sofrer variação. Segundo ele, foi encontrada uma fórmula que permitiu a estabilidade das tarifas, sem estender os contratos atuais nem exigir suspensão de obras.

Para isso, haverá mudanças na cobrança da taxa de fiscalização que vai para a ANTT e serão antecipados os efeitos de uma revisão tarifária que ocorre a cada cinco anos – ela seria negativa e equilibra o reajuste de agora. Nas próximas semanas, também seria corrigido o pedágio da BR-040 (Rio-Juiz de Fora), da Concer.