Lei do Motorista: Decisão do STF deve provocar efeitos em todo o setor produtivo

Por esta razão, ponderam os participantes desta matéria especial, as empresas que atuam no setor precisarão se adaptar e assimilar as novas regras o mais rápido possível, inclusive sob pena de acarretar considerável passivo trabalhista

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual concluída no último dia 30 de junho de 2023, julgou, por maioria de votos, inconstitucionais alguns artigos da Lei dos Caminhoneiros – Lei 13.103/2015 – na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5322. A inconstitucionalidade foi reconhecida na integralidade de alguns dispositivos e em certos trechos de outros.

Na verdade, o STF, em decisão colegiada – 8 anos após a aprovação da Lei 13.103, em 2015 – decidiu acolher parcialmente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5322) protocolada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres – CNTTT, considerando inconstitucionais diversos pontos que dispõem sobre a jornada de trabalho e o tempo de descanso do motorista.

Neme, da Bisson, Bortoloti, Moreno e Occaso: a alteração da legislação tem impacto direto na jornada de trabalho do empregado, e demandará considerável oneração da folha de pagamento dos empregadores

“As alterações estão relacionadas, basicamente, à jornada de trabalho, pausas para descanso, repouso semanal e fracionamento de intervalo, sendo necessária análise mais aprofundada das consequências quando o referido acórdão for publicado. Por envolver a jornada de trabalho do empregado motorista, as mudanças tendem a produzir enormes impactos em todo o setor produtivo, razão pela qual as empresas precisarão se adaptar e assimilar as novas regras o mais rápido possível, inclusive sob pena de acarretar considerável passivo trabalhista. Ainda, será imprescindível uma assessoria jurídica competente, tanto para instrui-las no que tange às alterações promovidas, quanto para, eventualmente, pedir a revisão de contratos empresariais.” A constatação é de Jader Solano Neme, advogado do escritório Bisson, Bortoloti, Moreno e Occaso, empresa com expertise na elaboração de estratégias preventivas e/ou litigiosas nas áreas trabalhista, tributária, civil, empresarial, bancária, comercial, ambiental, penal e do agronegócio.

Leonardo Benitez, sócio-diretor da Connexxion Consulting, consultoria especializada em logística e Supply Chain, também esclarece que, dos 20 temas avaliados na Lei do Motorista, quatro foram considerados inconstitucionais: a) tempo de espera; b) fracionamento ou acúmulo do descanso semanal remunerado; c) fracionamento do intervalo de descanso das 11 horas nas 24 horas; d) tempo de repouso de dupla de motoristas feito com o veículo em movimento.

A) Tempo de espera;

A CLT estabelecia que o tempo de espera do motorista ocorria enquanto aguardava as operações de carga e descarga ou em filas para fiscalização de mercadorias. Esse período não era computado na jornada de trabalho. Embora não fosse considerado como tempo efetivamente trabalhado, o tempo de espera era indenizado em 30% do valor da hora normal. Durante esse tempo, o motorista ficava parado ou descansando, aguardando ser chamado para realizar a carga ou descarga ou ser fiscalizado.

Com a decisão, as empresas perderam dois aspectos na gestão do negócio: o primeiro foi a possibilidade de controlar o tempo efetivo de trabalho e a flexibilidade na execução dos serviços.

“Veja por exemplo um processo de carga ou descarga comum em uma operação de Centro de Distribuição de um varejo alimentar. O processo pode durar de 2 a 4 horas apenas na fila para ser iniciado, sem efetiva produção. Com a revisão, estas quatro horas serão computadas na jornada, e remuneradas em 100% conforme CLT, e não em 30% como verba indenizatória”, alerta Benitez.

Ou seja, além de pagar por horas improdutivas, o valor pago é bem maior do que o atual, fato que deve impactar diretamente no frete. Além disso, vai gerar mais incertezas no planejamento do descanso dos motoristas

B) Fracionamento ou acúmulo do descanso semanal remunerado;

O acúmulo do descanso semanal remunerado permitia aos motoristas de viagens de longa distância usufruir do seu descanso semanal quando retornassem à sua base e residência, aspecto essencial para que pudessem estar junto aos seus familiares. Podiam acumular até três descansos semanais, item amplamente aceito por todos os motoristas. A decisão do STF determina que o descanso semanal seja aplicado da mesma forma que nas outras categorias, ou seja, após seis dias consecutivos de trabalho. Isso significa que, mesmo durante viagens longas, os motoristas terão de ficar parados em algum posto de serviço.

C) Fracionamento do intervalo de descanso das 11 horas nas 24 horas;

O STF declarou inconstitucional dividir o período de descanso dos motoristas, e a coincidência do descanso com a parada obrigatória na condução do veículo. A partir de agora, os motoristas devem ficar parados por 11 horas consecutivas dentro das 24 horas no ponto de parada, geralmente um posto de serviço, mesmo se estiverem próximos a sua residência e família.

“Estes últimos dois pontos impactam diretamente no interesse de se trabalhar como motorista. O fato de estar longe da família e com a segurança e qualidade de vida potencialmente comprometidas, pode impactar na oferta de mão de-obra.”

D) Repouso com veículo em movimento

Nas viagens de longas distâncias em que o empregador contratar dois motoristas, o STF declarou inconstitucional contabilizar o tempo de descanso de um dos motoristas com o caminhão em movimento, com repouso mínimo de seis horas em alojamento ou na cabine leito com o veículo estacionado, a cada 72 horas.

Agora, o tempo em que um motorista está dirigindo e o está outro dormindo na cama da cabine ou descansando é considerado como jornada de trabalho. Isto significa que, se o caminhão trafegar por 12 horas, mesmo que cada motorista dirija por apenas 6 horas, serão computadas 12 horas de trabalho para cada profissional.

Nesse modelo, a utilização de 2 motoristas na viagem deixa de ser interessante para as empresas transportadoras, pois pagariam por tempo improdutivo do motorista em descanso, bem como para os motoristas que teriam que parar para descanso em momentos que poderiam estar em trânsito para encontrar com a família.

“A imposição de condições de trabalho mais restritivas torna a função menos atrativa para novos candidatos. O setor já tem dificuldade de encontrar motoristas”, alerta Benitez, da Connexxion

“A imposição de condições de trabalho mais restritivas torna a função menos atrativa para novos candidatos. O setor já tem dificuldade de encontrar motoristas, tanto que o SEST/SENAT custeia a carteira de motorista D e E para profissionais de outras áreas do transporte que querem migrar de atividade. Os custos do transporte devem sofrer alto impacto, e necessariamente deverão ser compensados através de renegociação dos contratos em toda a cadeia de suprimentos. O equilíbrio obtido com a Lei dos Motoristas no passado pode sofrer grande revés. A falta de segurança jurídica no setor, o aumento dos custos, o aumento da violência nas estradas e a falta de investimento adequado nas rodovias geram um clima de insegurança e desestimulam o setor”, alerta o sócio-diretor da Connexxion sobre as consequências destas alterações feitas pelo STF.

Mirella Pedrol Franco, coordenadora da área trabalhista consultiva e contenciosa na Granito, Boneli e Andery – GBA Advogados Associados, escritório com foco em Direito Empresarial, lembra que o Art. 235-C, §8º, da CLT, criado pela Lei 13.103, previa que o tempo de espera, assim considerado aquele em que o motorista aguarda as operações de carga ou descarga e o período gasto com a fila para fiscalização de mercadoria, em barreiras fiscais ou aduaneiras, não deveria ser computado na jornada de trabalho, de maneira a permitir que o tempo de jornada/direção fosse preservado. Isto permitia que, após carregar, descarregar ou atravessar uma barreira, o motorista pudesse seguir viagem, sem incluir na jornada as horas de fila (espera). “Com as alterações da Lei, todas essas fases passam a ser computadas como jornada de trabalho. Isso certamente traz impactos financeiros para as empresas, pois com a decisão que declara a inconstitucionalidade do dispositivo, elas perderam dois benefícios: i) o de poder trafegar mais tempo, já que o tempo de espera não se computava na jornada de trabalho; ii) pagar pelo tempo de espera um valor menor que o da hora comum e como verba indenizatória, sem encargos.”

“Dependendo das operações de transporte e logística, essa mudança tratará forte impacto no custo do frete, pressionando a inflação em toda a cadeia produtiva”, diz Mirella, da GBA Advogados Associados

Ainda segundo Mirella, dependendo das operações de transporte e logística, essa mudança tratará forte impacto no custo do frete, encarecendo a operação e, consequentemente, pressionando a inflação em toda a cadeia produtiva. Além do custo direto com o pagamento do tempo em fila igual ao efetivamente trabalhado, as viagens de ponto a ponto serão mais lentas, pois o tempo de efetivo tráfego, em cada jornada do motorista, será menor, já que o tempo em fila passa a ser considerado na jornada diária e nos seus limites legais.

A análise das consequências destas alterações feita por Fernando Akira, Gerente Operacional no Grupo IBL – com forte atuação no segmento logístico – também é feita de acordo com os tópicos.

– Tempo de espera é considerado hora trabalhada. “O tempo de espera era remunerado em 30% do valor da hora trabalhada e com a mudança estima-se um aumento do custo do transporte”;

– Restrição referente ao fracionamento do intervalo entre jornada. “Era permitido fracionar das 11:00 da jornada 3 horas e com a mudança há previsão de aumento considerável no tempo de entrega da mercadoria e, consequentemente, aumento de custo no transporte.” Neste tópico, Narciso Figueirôa Junior, assessor jurídico da NTC & Logística, também se manifesta. Segundo ele, as consequências são nefastas para as operações de transporte e no que tange à impossibilidade de fracionamento do intervalo interjornada de 11 horas e de cumulatividade dos descansos semanais remunerados em até 3, também prejudicial aos motoristas, pois terão que gozar os intervalos de forma ininterrupta onde estiverem, ficando mais tempo longe da família e as viagens terão mais tempo de duração.”

Figueirôa Junior, da NTC & Logística: haverá aumento do custo do transporte, já que as viagens demorarão mais para serem concluídas, e queda na produtividade, e o TRC não pode arcar sozinho com este aumento de custo

– Descanso semanal deve ser realizado a cada 6 dias trabalhados. “Era permitido o acúmulo dos descansos para serem usufruídos posteriormente. Com isso, para viagens longas o prazo de entrega aumenta e para os motoristas que moram longe, isso dificulta muito a possibilidade de descanso em sua residência”, diz Akira;

– Restrição referente ao descanso em trânsito em caso de jornada dupla. “Era permitido que, enquanto um motorista dirigia o outro descansava em trânsito. Com a mudança, só será considerado o descanso com o veículo parado. Mediante a mudança estima-se o aumento no custo do transporte, a cadeia de suprimentos será afetada, assim como a segurança de cargas de valor agregado alto”, completa o gerente operacional do Grupo IBL.

Meyer, do Instituto Cordial: Para o sistema logístico como um todo, se fará necessário um planejamento mais eficiente das operações para evitar o aumento excessivo de gastos com a empresa transportadora

Já para Luis Fernando Villaça Meyer, diretor de operações do Instituto Cordial – think and do tank independente que trabalha com ciência de dados, inteligência territorial e articulação intersetorial para fortalecer redes e basear tomadas de decisão públicas e privadas em dados e evidências – e responsável pelo Painel Brasileiro da Mobilidade – iniciativa do Instituto Cordial em escala nacional que busca contribuir para o desenvolvimento de uma mobilidade mais acessível, segura e sustentável no Brasil –, estas mudanças vão implicar em alterações nos custos e na operação de empresas do setor, que terão de gerenciar de forma mais eficiente as jornadas de trabalho e o tempo de carga e descarga.

“Por outro lado, devem ter impacto positivo para os motoristas e para redução de acidentes nas rodovias brasileiras. A saúde dos motoristas profissionais, a remuneração e o consumo de substâncias estimulantes, lícitas e ilícitas, para cumprir longos percursos aparecem como grandes fatores de risco para a segurança rodoviária. Depois da queda significativa de acidentes e mortes em rodovias federais brasileiras de 2013 a 2018, temos visto desde aquele ano até 2022 uma estagnação na queda, com mais de 5 mil pessoas morrendo anualmente nas rodovias do país, de acordo com dados da Polícia Rodoviária Federal. As alterações podem contribuir para que esse número seja reduzido ao melhorar a qualidade do descanso e a remuneração do motorista”, pontua Meyer.

“Vai ter que haver um ajuste entre pedidos e estoque. Talvez não seja necessário aumentar o estoque, mas vai ser preciso fazer pedidos com mais frequência”, aponta Depentor, do SETCESP. Santos, do Grupo TGA: o Brasil não possui infraestrutura adequada para cumprir com as exigências de descanso estabelecidas, o que pode gerar sérios problemas a curto prazo para toda a cadeia logística

Também para Adriano Depentor, presidente do conselho superior e de administração do SETCESP – Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região, as consequências são o aumento de custo, diminuição da produtividade e aumento de ativos.

Fonte: Logweb / Foto: Divulgação