Emissão de carteiras de motorista cai 20% em um ano em SP, diz Detran

 O estado de São Paulo registrou queda de 20% na emissão da primeira habilitação em um ano, segundo último balanço do Departamento Estadual de Trânsito (Detran). Em 2014, o Detran concedeu permissão para dirigir a 826.267 motoristas. Em 2015, o número caiu para 663.081. Especialistas creditam redução à crise econômica e à tendência mundial de desinteresse pelo automóvel por parte dos jovens e adultos de meia-idade.

Para o presidente do Sindicato das Auto Moto Escolas, Aldari Onofre Leite, a queda na emissão CNHs se deve principalmente à crise, já que a venda de veículos também caiu, segundo a federação dos concessionários, a Fenabrave.
Na comparação do número de emplacamentos de 2015 no país em relação a 2014, a queda foi de 22% nos veículos, incluindo carros, motos, caminhões e ônibus. Considerando apenas o segmento de automóveis, a queda foi de 27% nos emplacamentos segundo a Fenabrave.

“Essa retração no mercado reflete diretamente no segmento da habilitação”, afirma Leite. “Em segundo lugar, eu atribuiria o dado à economia compartilhada, comprovada pelo crescimento do Uber, e em terceiro lugar eu colocaria a mudança cultural”, opina.

Para ele, contudo, a mudança no comportamento estaria começando pelas classes A e B. “São elas que têm condições de chamar táxis e querem se comunicar com o mundo. Nas classes mais baixas, a CNH ainda é aspirada porque representa a possibilidade de ir e vir”, afirma.

Na opinião de Paulo Guimarães, diretor técnico do Observatório Nacional de Segurança Viária (ONSV), descobrir se também houve queda no número de infrações cometidas por motoristas sem carteira ajudaria a entender se as pessoas estão dirigindo menos ou se não têm condições financeiras de manter um veículo.

A quantidade de multas expedidas no mesmo período se manteve estável. Em 2014, segundo o Detran, 147.272 pessoas foram multadas por dirigir sem habilitação e em 2015 foram 147.407. A infração, inclusive, é considerada gravíssima de acordo com o artigo 162 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), passível de multa no valor de R$ 574,62, inserção de sete pontos na carteira de habilitação e retenção do veículo.

“Hoje, o valor para tirar a habilitação é de R$ 1.500. Em tempos de crise, em que as pessoas cortam gastos, elas podem estar deixando a CNH para um segundo plano. Além disso, os jovens não têm olhado a habilitação com tanta fissura como as gerações passadas. Quando fiz 18 anos fui direto para a autoescola”, conta Guimarães.

Prioridades
O técnico do ONSV acredita ainda que outras formas de transporte têm chamado mais a atenção das novas gerações. “O pessoal tem usado muito a bicicleta e priorizado o transporte público. O comentário geral nos centros de formação de condutores é de que a faixa etária que os procura já subiu de 18 para 20 anos”, explica.

O fotógrafo Kléber Galvão se enquadra neste perfil; aos 28 anos, ele acaba de ser aprovado em um Centro de Formação de Condutores (CFC). “Sou baiano e cheguei a São Paulo há seis anos. Fiz um planejamento financeiro para investir primeiro na carreira. Agora que estou em um momento profissional que demanda um veículo por conta do peso dos equipamentos, estou adquirindo um carro. É pela necessidade”, conta.O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e doutor em Economia Industrial pela Universidade Paris XIII, Adriano Pires, enxerga causas semelhantes para a queda de emissão de CNHs.

“O jovem e o adulto de meia-idade estão abandonando o carro. Lá fora, ainda mais forte do que aqui, o carro, que já foi símbolo de status, tem sido atrelado à questão ambiental. Além disso, vivemos a era da economia compartilhada, com o sucesso mundial do Uber, por exemplo, que já superou os táxis amarelos em Nova Iorque”, explica Pires.

De acordo com o especialista, estudos realizados ao longo dos últimos 50 anos indicam que o primeiro bem de consumo desejado pelas pessoas entre 18 e 24 anos passou do automóvel para o smartphone. O escândalo envolvendo o grupo Volkswagen, que assumiu ter violado testes de emissão de poluentes, pode ter contribuído.

“A maior indústria do século XX foi o automóvel, hoje é a Apple. A indústria automobilística sofreu um grande revés com o escândalo da Volkswagen, e depois com a polêmica envolvendo a Nissan e a Mitsubishi. Os números apontam para uma mudança interessante de paradigma e de cultura”, afirma.

O educador Eurico Junqueira abandonou o carro no ano 2000, após perceber o quanto eram estressantes os congestionamentos na capital paulista. Hoje, aos 41, usa a bicicleta para se locomover até o trabalho.

“Uso a carteira de motorista como carteira de identidade. A gente passa nervoso no carro, sente medo de assalto ao volante e tem a qualidade de vida reduzida no trânsito”, acredita. “Adquirir um carro, fazer aulas e ainda pagar pela carteira é muito trabalho para pouca coisa”.

Junqueira explicou que se organizou para não sentir falta do carro na capital. “Basicamente trabalho, moro e passeio no mesmo quadrilátero. Considero o automóvel mais problema do que solução em São Paulo, contudo, obviamente não julgo quem precisa do carro porque mora longe do trabalho e não tem fácil acesso a ele”, pondera.

A estudante de cenografia e figurino Helena Kuasne Anderson, de 20 anos, contou que não tem vontade de tirar habilitação e, assim como Junqueira, também aderiu a bicicleta como meio de transporte.

“Fiz uma viagem de bicicleta entre Santa Catarina e o Uruguai, e foi maravilhoso acompanhar de perto a mudança da paisagem, das pessoas e da cultura. Acho que o carro não estimula um pensamento coletivo. Você acaba não vendo muito o outro de dentro do automóvel”, acredita.

Anderson atribui parte de sua preferência pela bicicleta ao pai, que é cicloativista, e à mãe, que não se importou com o carro quebrado na garagem por meio ano. “Acho que nunca vou comprar carro. O trânsito é estressante, e até para viajar o ônibus é mais saudável”, opina.

O especialista Pires alertou que apesar da tendência ao desinteresse pelo carro, há movimentos na economia que fazem este processo parecer recuar, como a liquidez do preço da gasolina.

“Hoje, por exemplo, a gasolina está muito barata nos Estados Unidos, o que aumentou os engarrafamentos. Não havia um verão tão congestionado desde 2009, quando os preços também estavam baixos. São fenômenos pontuais, mas a tendência é o uso menor do automóvel”, acredita.