E a Inteligência Artificial foi assunto da semana dentro do governo
Neste artigo, a especialista comenta sobre a série de acontecimentos que agitaram o mercado de proteção de dados e privacidade nesta semana
Uma série de acontecimentos envolvendo a Inteligência Artificial (IA), agitou o mercado de proteção de dados e privacidade nos últimos dias.
ANPD determina suspensão de tratamento de dados pessoais para treinamento de IA da Meta
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) emitiu no último dia 2 de julho uma medida preventiva determinando “a suspensão imediata do tratamento de dados pessoais para fins de treinamento de sistemas de IA generativa em todos os Produtos da Meta”, inclusive de pessoas que não são usuárias de suas plataformas.
Segundo o despacho publicado pela Autoridade Nacional, a decisão foi tomada “em virtude do risco iminente de dano grave e irreparável ou de difícil reparação aos direitos fundamentais dos titulares afetados.”
A nova política de privacidade do Grupo Meta, que entrou em vigor em 26 de junho, autorizava o uso de dados pessoais publicados nas plataformas da Meta para fins de treinamento de sistemas de inteligência artificial – IA generativa.
Motivações da ANPD
No último dia 26 de junho, a Meta publicou uma alteração em sua política de privacidade.
Esta nova política informava que dados pessoais compartilhados nos produtos e serviços da Meta, incluindo publicações, fotos e legendas, seriam utilizados para fins de treinamento de seu modelo de inteligência artificial – IA generativa.
No entanto, a nova política demonstrou indícios de violações à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Segundo a ANPD, que instaurou processo de fiscalização, após uma análise inicial, decidiu pela suspensão cautelar, no Brasil, da nova política de privacidade, no que se refere ao uso de dados pessoais para fins de treinamento de sistemas de IA generativa e do tratamento de dados pessoais dos titulares para essa finalidade.
Segundo a diretora da ANPD, Miriam Wimmer, autora do voto que pautou a decisão do conselho diretor, a medida cautelar tem o objetivo de “evitar dano grave e irreparável ou de difícil reparação”. Nos termos do voto aprovado pelo Conselho Diretor, foram constatados elementos suficientes para a expedição da medida preventiva, tais como:
Possível irregularidade na utilização do legítimo interessa como hipótese de tratamento: ANPD levantou dúvidas significativas sobre o uso do legítimo interesse como hipótese de tratamento dos dados pessoais legal para essa finalidade, especialmente devido ao possível tratamento de dados pessoais sensíveis que, segundo a LGPD, não podem ser processados com base nessa hipótese legal;
Falta de transparência: ANPD entendeu que o Grupo Meta não forneceu informações suficientes para os usuários compreenderem as possíveis implicações do tratamento de seus dados pessoais para o desenvolvimento de modelos de IA generativa;
Impacto em larga escala: as atividades de tratamento em questão abrangem um número significativo de titulares, uma vez que, no Brasil, o Facebook possui cerca de 102 milhões de usuários ativos. Além disso, essas mesmas atividades de tratamento também envolvem dados pessoais de não usuários, aumentando ainda mais o número de titulares impactados;
Complexidade na oposição ao tratamento: ANPD constatou que a alternativa oferecida aos usuários para se oporem ao tratamento de seus dados pessoais não é exposta de forma clara, exigindo múltiplas etapas para que informem à empresa sua objeção, o que pode induzir os usuários a tomar decisões que não refletem suas verdadeiras intenções. De acordo com a LGPD o exercício do direito do titular deve ser gratuito e facilitado, o que não está sendo cumprido do Grupo Meta;
Tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes: dados pessoais de crianças e adolescentes podem ser usados para treinar os modelos de IA da Meta, por exemplo, através de fotos postadas nas plataformas da empresa. A política de privacidade do Grupo Meta não menciona o tratamento desses dados nem as medidas para garantir o melhor interesse dessas crianças e adolescentes, conforme exigido pela LGPD. A LGPD exige, no caso de tratamento de dados pessoais de crianças, pessoas menores de 12 anos, o consentimento específico de um dos pais ou o responsável legal e isso também não foi cumprido pelo Grupo Meta.
Consequências para o Grupo Meta
A decisão da ANPD traz algumas implicações para o Grupo Meta.
Primeiramente, a suspensão da nova política de privacidade, significa que a empresa deve interromper imediatamente o tratamento de dados pessoais para treinamento de IA no Brasil.
Isso pode obrigar a Meta a adiar o lançamento de seu modelo de IA generativa no país, inicialmente previsto para o mês de julho.
Uma situação semelhante ocorreu na Europa, em que a empresa teve que postergar o lançamento devido a preocupações dos reguladores sobre o uso de postagens públicas dos usuários para treinar a IA.
Operacionalmente, a empresa terá que ajustar suas práticas de tratamento de dados para garantir a conformidade com a legislação brasileira. Isso pode envolver a revisão de algoritmos de IA para excluir ou evitar o processamento de dados pessoais para essa finalidade, a implementação de novos mecanismos que garantam maior transparência sobre o uso dos dados, além da revisão de processos e políticas internas para assegurar o cumprimento das exigências regulatórias.
Em caso de descumprimento da suspensão cautelar, o Grupo Meta estará sujeito a uma multa diária de R$ 50.000,00. Esta penalidade destaca a necessidade urgente do Grupo Meta de adaptar suas práticas de tratamento de dados para garantir a conformidade com a legislação brasileira. Além do impacto financeiro direto, a acumulação potencial de multas pode representar um risco significativo para a reputação e as operações da Meta no Brasil.
Próximos passos
Continuidade da fiscalização: ANPD continuará a monitorar as práticas de tratamento de dados do Grupo Meta para assegurar que todas as irregularidades sejam corrigidas e que a empresa esteja em plena conformidade com a LGPD;
Monitoramento do cumprimento da suspensão cautelar: Meta deve demonstrar o cumprimento da medida preventiva imposta à Coordenação-Geral de Fiscalização no prazo de cinco dias úteis, contados a partir da intimação da decisão. Para isso, a empresa deve apresentar:
Documentos que comprovem a modificação da política de privacidade, removendo a seção referente ao uso de dados pessoais para fins de treinamento de IA generativa;
Uma declaração assinada pelo encarregado, por um membro da diretoria ou por um representante legalmente autorizado, confirmando a suspensão do tratamento de dados pessoais para fins de treinamento de IA gerativa no Brasil.
A pergunta é: meros documentos são eficazes para garantir aos titulares que seus dados não serão secretamente tratados pelo Grupo Meta para fins de treinamento de sua IA generativa?
Posicionamento do Grupo Meta
O Grupo Meta expressou desapontamento com a decisão da ANPD. A empresa declarou: “Estamos desapontados com a decisão da ANPD. Treinamento de IA não é algo único dos nossos serviços, e somos mais transparentes do que muitos participantes nessa indústria que têm usado conteúdos públicos para treinar seus modelos e produtos.”
O grupo Meta enfatizou que sua abordagem cumpre com as leis de privacidade e regulações no Brasil.
A empresa também destacou o impacto negativo da decisão na inovação e competitividade, afirmando que “Isso é um retrocesso para a inovação e a competitividade no desenvolvimento de IA, e atrasa a chegada de benefícios da IA para as pessoas no Brasil.”
O Grupo Meta reafirmou seu compromisso em colaborar com a ANPD. “Continuaremos a trabalhar com a ANPD para endereçar suas dúvidas”, informou a empresa em nota oficial.
Exercendo o devido processo legal, o Grupo Meta recorreu da decisão da ANPD, que analisando o recurso, manteve a decisão inicial de aplicação de multa de 50 mil reais por dia.
O Senado Federal suspendeu a votação do PL da Inteligência Artificial
Outro acontecimento que reverberou a decisão da Autoridade Nacional em multar o Grupo Meta, foi a decisão do Senado Federal em adiar a votação do PL da Inteligência Artificial no Brasil.
Os congressistas, após referida decisão, entenderam que a Inteligência Artificial é muito mais complexa do que o texto prevê e que esse assunto não pode ser tratado com desdém, pois pode afetar o futuro de todos nós.
Conclusão
A decisão da ANPD também serve como um alerta para outras empresas. A necessidade de conformidade com a LGPD e outras regulamentações de proteção de dados é crucial para evitar situações semelhantes.
Assim como o Projeto de Lei 2338, que visa regulamentar a IA no Brasil, reflete uma tendência regulatória mais rigorosa em relação ao desenvolvimento, aplicação e uso dessa tecnologia, este caso sublinha a importância de práticas robustas de proteção de dados, ressaltando que a inovação tecnológica deve sempre respeitar os direitos fundamentais dos titulares de dados.
Fonte: Contábeis / Foto: Tara Winstead/Pexels