Dúvidas ameaçam as concessões dos portos em SP e PA

O programa do governo de arrendamentos portuários é uma grande oportunidade de o país expandir a infraestrutura e realizar o mote da reforma: reduzir custo e tornar o comércio exterior mais competitivo. Porém, as mais de 3 mil sugestões de alteração nos editais encaminhadas pelos interessados nas 31 licitações em Santos e no Pará mostram um desencontro entre o que o governo está oferecendo e o que o mercado espera comprar. Somente o cotejo entre ambas as visões apontará o melhor desenho dos editais, evitando, assim, reproduzir nos portos o fracasso da recente concessão de um trecho da BR-262.

A maioria das licitações desse primeiro pacote refere-se a áreas onde a operação em breve será – ou já foi – descontinuada porque os contratos são anteriores ao ano de 1993. Em que pese um processo de judicialização que os atuais operadores pretendem bancar para manter sua atividade, o governo quer realizar os primeiros leilões neste ano. Para tanto, autorizou a Estruturadora Brasileira de Projetos (EBP) a fazer os estudos que balizarão os editais. Um processo, entre a autorização dada à EBP e a divulgação dos documentos, considerado de rapidez surpreendente dado o número de áreas a serem leiloadas.

Talvez por isso, a procuradoria jurídica da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a superintendência de portos da agência apontaram alguns problemas nos estudos. Entre os problemas alencados estão a ausência de especificação dos preços unitários dos serviços a serem utilizados e a falta de descrição dos limites físicos de cada área. Ambos questionamentos também enviados por empresários à Antaq no período de audiência pública.

A falta de exatidão no tamanho das áreas impressionou nas minutas de Santos. A Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) contou 31 vezes as palavras "presume-se" e "estima-se" nos documentos. A imprecisão não compensa. Nota histórica: a Libra Terminais, uma das maiores operadoras de contêineres do país, questiona na Justiça o fato de ter recebido uma área na década de 1990 menor do que estava no edital. Essa é uma das razões pela qual deixou de pagar as tarifas integrais e atualmente tem um débito multimilionário com a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Há anos o governo estuda um acordo, ainda sem solução para a questão.

Há ainda situações bizarras nas minutas, como o berço de atracação do terminal do Saboó, em Santos, que é menor e menos profundo do que o navio previsto para atracar nele. E inconsistências no dimensionamento das cargas – ora superestimado, ora subestimado, reclamam os empresários. Os estudos de demandas que justificam os lances mínimos de movimentação não foram disponibilizados ao mercado. Ainda, alguns editais estabelecem o lance mínimo de movimentação física como critério para vencer a concorrência para terminais que operarão apenas prestando serviço, sem garantia da carga fixa.

É louvável o empenho do governo em dar celeridade ao processo licitatório, ao encampar a condução das licitações antes a cargo das companhias docas. É preciso, contudo, parcimônia. Se as premissas são imprecisas, há dúvidas sobre a viabilidade das propostas e, no limite, sobre o sucesso dos leilões. O setor convive nesses últimos meses com uma grande insatisfação diante da possibilidade de, para cumprir o cronograma, o governo permitir que as empresas façam estudos de viabilidade econômica e planos de implantação baseados em dados incorretos.