Artigo: O aviso prévio proporcional
Por Narciso Figueirôa Junior –
O artigo 442 da CLT define o contrato de trabalho como sendo o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. Trata-se de um negócio jurídico bilateral pelo qual uma pessoa física se obriga, mediante certa remuneração, a prestar serviços não eventuais e subordinados a outra pessoa ou ente público ou privado.
Como regra geral os contratos de trabalho são celebrados por prazo indeterminado e considerando que possuem execução continuada, sua extinção, normalmente, somente ocorrerá quando for celebrado por prazo determinado.
Enquanto nos contratos de trabalho por prazo certo as partes previamente estabelecem o início e o término de sua vigência, nos contratos por prazo indeterminado a extinção por vontade de uma das partes obriga a concessão à outra de um aviso prévio, de sorte a evitar a surpresa da ruptura inesperada.
A finalidade do aviso prévio para o empregado é possibilitar que haja tempo suficiente para que o mesmo possa encontrar nova colocação no mercado de trabalho, enquanto que para o empregador o aviso prévio se presta a permitir que se possa contratar outra pessoa para aquela vaga que será aberta com o desligamento espontâneo do empregado. Disso resulta a reciprocidade ou bilateralidade de que se reveste o referido instituto.
O artigo 487 da CLT estabelece que não havendo prazo estipulado, a parte que, sem justo motivo, quiser rescindir o contrato deverá avisar a outra da sua resolução com antecedência mínima de 30 (trinta) dias aos que perceberem por quinzena ou mês, ou que tenham mais de doze meses de serviço na empresa.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 que, em seu artigo 7º, inciso XXI, assegurou aos trabalhadores o aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de 30 dias, nos termos da lei, grande parte da doutrina entende que houve revogação do inciso I, do artigo 487 da CLT que dispunha sobre o aviso prévio de 8 (oito) dias, para os empregados que recebiam por semana ou tempo inferior.
Entretanto, a Constituição Federal de 1988 não alterou o caráter bilateral do aviso prévio, haja vista que permanecem incólumes os parágrafos 1º e 2º do artigo 487, dispondo que a falta do aviso prévio por parte do empregador dá ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, assim como a falta do aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo.
O aviso prévio proporcional de que trata o artigo 7º, inciso XXI da Carta Magna, somente foi regulamentado com o advento da Lei 12.506, de 11/10/2011, que entrou em vigor na data de sua publicação, ocorrida em 13/10/2011, dispondo que o aviso prévio de que trata o Capítulo VI, do Título IV da CLT, será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de serviço na mesma empresa.
Também prevê a nova lei que ao aviso prévio serão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias.
Portanto, embora o aviso prévio proporcional tenha sido criado com o artigo 7º, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, tratava-se de norma de eficácia limitada, assim considerada pela doutrina como aquela, cuja aplicabilidade é indireta, mediata e reduzida, pois apenas terá o efetivo exercício dos direitos nela previstos depois de norma posterior que regulamente.
Nesse passo, a norma regulamentadora a que faz menção o inciso XXI, do artigo 7º, somente veio à baila em 13/10/2011, com a publicação da Lei 12.506/2011. Em se tratando de alteração recente na legislação trabalhista, têm surgido algumas hesitações sobre o alcance e aplicação do aviso prévio proporcional. A primeira dúvida que está sendo levantada é se a Lei 12.506/2011 teria efeito retroativo de maneira a atingir os contratos de trabalho já rescindidos e os avisos prévios já concedidos e ainda em curso.
Respeitadas as opiniões em contrário, entendemos que a Lei 12.506/2011 vigora apenas a contar de sua publicação, ocorrida em 13/10/2011, não possuindo efeitos retroativos ou interferência nos avisos prévios já concedidos quando da sua publicação, tendo em vista a regra contida nos artigos 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal e 6º, do Decreto-Lei 4.657, de 04/09/1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), que estabelecem que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
Outra questão que se coloca é se na hipótese de já ter sido extinto o contrato de trabalho o empregado poderia pleitear a complementação do aviso prévio em função da nova lei.
Entendemos que não, pois a concessão do aviso prévio antes da nova lei foi um ato jurídico perfeito e a lei não pode retroagir neste caso, tendo em vista o disposto nos artigos 5º, XXXVI, da CF/88 e 6º, da LICC, anteriormente mencionados. Há também o questionamento sobre a eficácia da nova lei sobre o aviso prévio que já foi concedido e ainda não foi cumprido integralmente. Nesse caso, também entendemos que a nova lei não surte efeitos sobre o aviso prévio já outorgado, pois quando da sua dação, a empresa cumpriu a lei vigente ao tempo em que se efetuou o ato, valendo como ato jurídico perfeito, nos termos do artigo 6º, parágrafo 1º, da LICC.
Entretanto a questão que poderá gerar mais discussões judiciais é se o empregador também pode exigir do empregado o cumprimento do aviso prévio proporcional ou se a nova lei, assim como o artigo 7º, inciso XXI, da CF/88, teria revogado tacitamente o parágrafo 2º, do artigo 487 da CLT.
A nosso ver o artigo 7º, inciso XXI da Constituição Federal de 1988, ao assegurar o aviso prévio proporcional como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, não derrogou ou revogou o par.2º, do artigo 487 da CLT, seja porque a Constituição Federal de 1988 não trata de direitos do empregador, seja porque não houve intenção expressa do legislador constituinte em afastar o caráter bilateral e recíproco do aviso prévio.
Quer nos parecer que a Lei 12.506/2011 também não afasta do empregador o direito de exigir do empregado o cumprimento do aviso prévio quando o desligamento ocorre por vontade exclusiva desse último, sob pena de desconto dos salários correspondentes ao prazo estabelecido, pois se reporta expressamente ao próprio Capítulo VI do Título IV da CLT para trazer o critério de aplicação do aviso prévio proporcional. Quisesse o legislador ter restringido o aviso prévio proporcional apenas aos empregados teria expressamente revogado o parágrafo 2º, do artigo 487 da CLT.
Não o tendo feito, interpretação que afaste a sua aplicação viola o caráter isonômico e bilateral de que se reveste o aviso prévio. Vale destacar, assim como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (RSTJ 19/461), que “a interpretação das leis é obra de raciocínio, mas também de sabedoria e bom senso, não podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocábulos mas, sim, aplicar os princípios que informam as normas positivas."
Em se tratando de uma lei nova é normal a existência de dúvidas sobre a sua aplicação e não temos a pretensão de saná-las nesses breves comentários. A jurisprudência se incumbirá de dar solução definitiva às discussões judiciais que eventualmente surgirem.
Narciso Figueirôa Junior é advogado e assessor jurídico da FETCESP