A Lei 14.766/23 e a inexistência de periculosidade em razão da quantidade de inflamáveis existente nos tanques dos veículos para consumo próprio
- INTRODUÇÃO
Visando compensar o empregado por trabalhar em ambiente perigoso à sua saúde, a Consolidação das Leis do Trabalho adotou o critério de pagamento de um adicional correspondente a 30% calculado sobre o salário base.
Trata-se de uma opção do legislador que admite a prestação de serviços em ambientes laborais que oferecem risco à vida do trabalhador, desde que sejam tomadas medidas preventivas de segurança e pago o adicional correspondente a 30% sobre o salário-base. - ENQUADRAMENTO LEGAL
De acordo com o artigo 193 da CLT são consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: I – inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; II – roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. III – colisões, atropelamentos ou outras espécies de acidentes ou violências nas atividades profissionais dos agentes das autoridades de trânsito. §1º – O trabalho em condições de periculosidade assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. §2º – O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. §3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo. §4o São também consideradas perigosas as atividades de trabalhador em motocicleta.
A CLT deixa claro no artigo 193 que as atividades que geram o percebimento de adicional de periculosidade são aquelas especificadas na forma da regulamentação do Ministério do Trabalho.
Neste passo, o art.195 da CLT dispõe que:
“A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.”
Logo, o enquadramento de atividades ou operações como perigosas dependerá da classificação existente em NR editada pelo MTE ou de realização de perícia por médico ou engenheiro do trabalho.
Há jurisprudência pacífica do TST através Súmula 448 estabelecendo que: I – Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho; II – A higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação, e a respectiva coleta de lixo, por não se equiparar à limpeza em residências e escritórios, enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, incidindo o disposto no Anexo 14 da NR-15 da Portaria do MTE nº 3.214/78 quanto à coleta e industrialização de lixo urbano.
O TST possui outras súmulas que tratam de periculosidade: Súmula 39 que trata da periculosidade aos empregados que operam bomba de gasolina; Súmula 132 que trata da integração do adicional de periculosidade no cálculo de indenização e de horas extras; Súmula 191 que determina a incidência do adicional de periculosidade apenas sobre o salário básico e não sobre este acrescido de outros adicionais; Súmula 361 que dispõe ser devido o adicional de forma integral desde que o trabalho seja exercido em condições perigosas, ainda que intermitente; Súmula 364 que trata da exposição eventual, permanente e intermitente; Súmula 447 que trata da periculosidade para os tripulantes e demais empregados de transporte aéreo; e Súmula 453 que trata do pagamento do adicional de periculosidade por mera liberdade da empresa.
A regulamentação da periculosidade se encontra na NR-16 da Portaria 3.214/78 e de acordo com o item 16.1 são consideradas atividades e operações perigosas as constantes dos Anexos da referida Norma Regulamentadora.
No que concerne as operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos em quaisquer vasilhames e a granel, o item 16.6 estabelece que são consideradas em condições de periculosidade, exclusão para o transporte em pequenas quantidades, até o limite de 200 (duzentos) litros para os inflamáveis líquidos e 135 (cento e trinta e cinco) quilos para os inflamáveis gasosos liquefeitos.
Entretanto, a NR-16, no subitem 16.6.1, deixa claro que as quantidades de inflamáveis, contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos, não serão consideradas para efeito desta Norma. Isto independentemente da quantidade, pois o limite de 200 litros é apenas para o transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos.
Através da Portaria SEPRT 1.357, de 09/12/2019, foi incluído na NR-16 o subitem 16.6.1.1 para dispor que não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente.
A despeito da clareza solar da mencionada Norma Regulamentadora o segmento do transporte rodoviário de cargas tem enfrentado problemas com discussão judicial da periculosidade em razão da quantidade de combustível existente nos tanques dos veículos de transporte.
Há decisões judiciais trabalhistas, inclusive do TST, que equivocadamente entendem haver periculosidade quando a quantidade de combustível existente no tanque de combustível dos caminhões excede o limite de 200 litros.
Tais decisões equiparam o excesso do limite de 200 litros no tanque ao transporte de combustível, aplicando a NR-16 apenas em relação ao item 16.6, relegando ao oblívio os itens 16.6.1 e 16.6.1.1.
Logo, a NR-16 não classifica como perigosa as quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos, originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente, conforme dispõe o subitem 16.6.1.1.
É certo que o combustível contido nos tanques do caminhão é para consumo próprio e não permanece toda a viagem com mesma quantidade de líquido inflamável, pois o combustível é consumido ao longo do percurso, reduzindo a sua quantidade gradativamente.
Há outros sólidos argumentos jurídicos que afastam a periculosidade em razão da quantidade de combustível existente nos tanques de combustíveis dos caminhões que excedem a 200 litros e que demonstram ser absolutamente equivocadas as decisões judiciais trabalhistas que aplicam apenas o item 16.6 da NR-16.
O item 16.7 da NR-16, alterada pela Portaria SIT 312, de 23/03/2012, dispõe que para efeito da referida Norma Regulamentadora considera-se líquido combustível todo aquele que possua ponto de fulgor maior que 60ºC (sessenta graus Celsius) e inferior ou igual a 93ºC (noventa e três graus Celsius). E, neste ponto, vale frisar, que o óleo diesel S10 possui ponto de fulgor de 38º Celsius, ou seja, não oferece risco para efeitos da NR-16.
De acordo com o artigo 117 do Código de Trânsito Brasileiro os veículos de transporte de carga e os coletivos de passageiros deverão conter, em local facilmente visível, a inscrição indicativa de sua tara, PBT, do PBTC ou capacidade máxima de tração (CMT) e de sua lotação.
A tara do veículo de transporte rodoviário de cargas corresponde ao peso próprio do veículo, mais o peso da carroceria, os equipamentos, o tanque de combustível, as ferramentas, os acessórios, a roda sobressalente, o extintor de incêndio e o fluído de arrefecimento.
A lotação é a carga útil máxima, mais o condutor e os passageiros transportados.
Portanto, o tanque de combustível faz parte da tara do veículo de transporte e não da lotação, ou seja, o tanque não é compartimento de carga.
Além disso, a própria NR-16 estabelece que a quantidade de combustível contida nos tanques dos veículos não é perigosa, não se tratando de transporte efetivo de combustível, mesmo que seja superior a 200 litros.
- RESOLUÇÃO CONTRAN 181/2005
No que tange ao tanque suplementar, ou seja, aquele que não é instalado pela montadora, não se trata de improvisação, como equivocadamente tem sido entendido. Há regulamentação específica para a sua instalação e não há de irregular nisto.
A Resolução CONTRAN 181, de 1º/09/2005, disciplina a instalação de múltiplos tanques, tanque suplementar e a alteração da capacidade do tanque original de combustível líquido em veículos, dedicados à sua propulsão ou operação de seus equipamentos especializados.
A referida norma define tanque suplementar como sendo aquele instalado no veículo após seu registro e licenciamento, para o uso de combustível líquido dedicado à sua propulsão ou operação de seus equipamentos especializados.
A norma também permite a instalação de tanque suplementar de combustível somente em caminhões, caminhões-tratores, reboques e semirreboques e a instalação de mais de 1 (um) tanque suplementar.
Dispõe que a capacidade total dos tanques de combustível dos veículos automotores fica limitada ao máximo de 1.200 (um mil e duzentos) litros.
Atribui aos fabricantes, os importadores, as montadoras e as encarroçadoras de veículos a obrigação de indicar no respectivo manual, para os veículos novos, a posição, fixação e capacidade volumétrica total do tanque suplementar.
A instalação do tanque suplementar ou alteração da capacidade volumétrica, após o registro do veículo, somente poderá ser realizada mediante prévia autorização da autoridade competente.
Para a regularização do veículo com tanque suplementar, deverá ser apresentado junto ao órgão competente o Certificado de Segurança Veicular – CSV, nos moldes da legislação em vigor, para fins de emissão de novo Certificado de Registro de Veículo – CRV e do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV.
Por fim, a Resolução 181/2005 prevê que a quantidade de tanques instalados, a respectiva capacidade volumétrica e o número do CSV deverão constar do campo de “Observações” do Certificado de Registro de Veículo – CRV e do Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV.
- DA JURISPRUDÊNCIA
Como afirmado alhures, apesar da clareza dos dispositivos legais e infralegais anteriormente mencionados, as empresas de transporte rodoviário de cargas estão sendo condenadas a pagar o adicional de periculosidade aos seus motoristas somente pelo fato do veículo possuir tanque de combustível de fábrica ou suplementares com capacidade superior a 200 litros.
Neste sentido, vale destacar as seguintes decisões do TST:
“II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA. RECLAMANTE. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTORISTA DE CAMINHÃO. CONDUÇÃO DE VEÍCULO COM TANQUE SUPLEMENTAR PARA CONSUMO. EQUIPARAÇÃO A TRANSPORTE DE INFLAMÁVEL
1 – Conforme decisões emanadas da SBDI-I, esta Corte Superior tem adotado o entendimento de que o transporte de tanque suplementar de combustível, em quantidade superior a 200 litros, ainda que utilizado para abastecimento do próprio veículo, gera direito ao recebimento do adicional de periculosidade, por equiparar-se ao transporte de inflamável, nos termos da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do MTE, item 16.6. Há julgados. 2 – Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.” (TST-RRAg-106-36.2019.5.08.0005, 6ª Turma, publ.12/03/21, Rel.Min.Katia Magalhães Arruda)
“RECURSO DE REVISTA – ADICIONAL DE PERICULOSIDADE – MOTORISTA DE CAMINHÃO – CONDUÇÃO DE VEÍCULO COM TANQUE EXTRA – CAPACIDADE SUPERIOR A 200 (DUZENTOS) LITROS – EQUIPARAÇÃO A TRANSPORTE DE INFLAMÁVEL – TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA O adicional de periculosidade é devido na hipótese de o veículo possuir um segundo tanque, original de fábrica ou suplementar, com capacidade superior a 200 (duzentos) litros, mesmo para consumo próprio. Não se aplica a exceção descrita no subitem 16.6.1 da NR 16, na medida em que o motorista que conduz veículo com capacidade volumétrica dos tanques superior a 200 (duzentos) litros está submetido a situação de risco, equiparando-se a atividade ao transporte de inflamáveis. Recurso de Revista conhecido e provido.” (TST-RR-21354-65.2016.5.04.0202, 4ª Turma, publ.06/05/22, Rel.Min. MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI)
Estas decisões, com o devido respeito, são completamente equivocadas, pois entendem que a existência de tanque suplementar ou original de fábrica com capacidade superior a 200 litros se equipara ao transporte de produto inflamável, sendo que tal volume se revela significativo, caracterizando risco acentuado.
Para estas decisões é indiferente se o combustível é armazenado em tanques originais de fábrica, suplementares ou alterados para ampliar a capacidade do tanque original, pois o que submete o motorista à situação de risco é a capacidade volumétrica total dos tanques, nos termos do artigo 193, inciso I, da CLT e do item 16.6 da NR-16.
Este entendimento, a nosso ver, não se sustenta à luz da legislação existente e das regras contidas na NR-16.
O artigo 193 da CLT condiciona o direito ao adicional de periculosidade, a classificação da atividade em relação contida na NR 16 da Portaria n. 3.214/1978 do MTE, cujo item “j” do Quadro nº 03 do Anexo nº 02 qualifica como atividade periculosa o transporte de vasilhames, em caminhões de carga, contendo inflamáveis líquidos, categoria a que se insere o óleo diesel, em proporção equivalente ou excedente a 200 litros.
Como afirmamos alhures, o item 16.6.1 da NR-16, por seu turno, dispõe que as quantidades de inflamáveis, contidas nos tanques de consumo próprio dos veículos, não serão consideradas para efeito da referida Norma.
É indene de dúvidas que a regra prevista no item 16.6.1, de que a quantidade de combustível em proporção superior a 200 litros, desde que vinculada ao consumo próprio, não caracteriza atividade perigosa.
O item 16.6.1.1, inserido na NR-16 através da Portaria SEPT 1.357 de 03/12/2019, deixou ainda mais evidente, para espancar qualquer dúvida que: “Não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente.”
Embora as decisões que reconhecem o direito ao adicional de periculosidade neste caso tratem apenas do transporte rodoviário de cargas é certo que o transporte rodoviário de passageiros e o transporte aéreo estão na mesma situação, pois os ônibus rodoviários também possuem tanque de combustível com capacidade superior a 200 litros.
A respeito do adicional de periculosidade à luz dos itens 16.6 e 16.6.1 da NR-16, vale destacar a Nota Informativa SEI 7410/2020/ME, da SEPT da Secretaria do Trabalho e da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, Coordenação-Geral de Segurança e Saúde no Trabalho e Coordenação de Normatização, expedida em 27/03/2020, em razão de ofício encaminhado pelo SITRAN – Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas e Logística de Chapecó/SC que, avaliando a alteração do item 16.6.1 da NR-16 e de sua fundamentação, bem como a alteração trazida pela Portaria 1.357/19 que inseriu o subitem 16.6.1.1, assim se posicionou:
“Avaliadas pela CTPP as distorções ou efeitos não previstos ou não pretendidos da regulamentação, e promovidas as discussões pertinentes, foram realizados alguns ajustes no texto proposto.
Já na análise do caso material, acerca da aplicabilidade da exceção imposta pelo item 16.6.1, vislumbrou-se a intentio legis, ou seja, o fundamento teleológico do agente normatizados, que, no caso, seria aplicar o caput do item 16.6 exclusivamente aos tanques utilizados nas operações de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, com a evidente exceção a sistema de tanques de combustível utilizados para o consumo próprio do veículo de transporte.
Nesse sentido, avaliou-se que a intentio legis tem como objetivo primordial a proteção a trabalhadores que operam no sistema de transporte de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos, uma vez que os mesmos se encontram expostos a uma amálgama de riscos conjugados pelo transporte de combustíveis e pelas múltiplas atividades de carga e descarga dos mesmos.
Destarte, foi considerada razoável a demanda da CNT quanto ao pleito por redação mais objetiva acerca da aplicabilidade da exceção positivada pelo item 16.6.1 a todos os demais sistemas de tanques que tenham como destinação exclusiva o consumo próprio dos veículos de transporte.
Desta forma, a proposta de alteração foi pautada para deliberação na 2ª Reunião Ordinária da CTPP, realizada em 25 e 26 de setembro de 2019. Após análise e discussão da demanda pelos integrantes da CTPP, foi aprovada por consenso a inclusão do subitem 16.6.1.1 na NR-16, abaixo transcrito, Portaria SEPRT n.1.357, de 09 de dezembro de 2019: “16.6.1.1 Não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente (NR).”
CONCLUSÃO
Deste modo, restou claro que, quando se trata de tanques de combustível para consumo próprio que sejam originais de fábrica ou suplementares, certificados pelo órgão competente, independentemente do volume dos tanques, não há que se arguir condição de periculosidade.”
Portanto, a alteração trazida pela Portaria SEPRT 1.357/19 para inserir o item 16.6.1.1 e deixar mais claro que não há periculosidade em relação às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente, foi aprovada pela Comissão Tripartite Permanente Paritária do Ministério do Trabalho e Previdência, órgão coordenado pelo MTP, instituído pelo Decreto 9.444, de 30/07/2019 e competente para a regulamentação da matéria, sendo certo que a referida Nota Informativa reconhece a validade da aprovação e da exceção contida no subitem 16.6.1 e no 16.6.1.1.
- DA INCONSTITUCIONALIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS
Os artigos 21, inciso XXIV, e 22, inciso I, da Constituição Federal, dispõem que compete à União organizar, manter e executar a inspeção da atividade laboral, bem assim legislar sobre direito do trabalho.
Cabe a União, através do Ministério do Trabalho e Previdência Social a regulamentação de normas de segurança e saúde no trabalho (CLT, arts.185 e 200 e Decreto 7.602/21), inclusive das operações tidas como perigosas, pelo que as Normas Regulamentadoras da Portaria 3.214/78 é que regulamentam a existência ou não de periculosidade, sendo certo que o direito ao pagamento do adicional de periculosidade não é absoluto, ou seja, comporta exceções contidas na NR-16 que devem ser respeitadas, inclusive pelo Poder Judiciário.
Assim, decisões judiciais que reconhecem a periculosidade quando a quantidade de combustível existente no veículo for superior a 200 litros, violam o princípio fundamental da legalidade (art.5º, II e 37 “caput” da CF), pois cria hipótese de incidência do adicional de periculosidade expressamente afastada pela legislação regulamentadora sobre a matéria.
Além disso, arrostam os princípios da separação dos poderes (art.2º, CF), o da reserva legal (art.21, XXIV e 22, I da CF), segurança jurídica e a cláusula de reserva de plenário (art. 97, CF).
Sobreleva ressaltar a Súmula Vinculante 10 do Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:
“Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
Assim, as referidas decisões que reconhecem a existência de periculosidade ao arrepio do previsto nos subitens 16.6.1 e 16.6.1.1, criam, sem qualquer respaldo legal, uma nova hipótese de atividade e operação perigosa, qual seja: conduzir veículo automotor que possua tanque de combustível para consumo próprio em quantidade superior a 200 litros, equiparando a situação a transporte de combustível.
Ao aplicar interpretação parcial da NR-16, as decisões do TST invadem o poder regulamentar pertencente ao Executivo, autorizado nos termos dos art.7º, inciso XXIII e artigos 193 e 195 da CLT.
A matéria merece ser revista pela jurisprudência do TST, pois a alteração na NR-16 com a publicação da Portaria SEPRT 1.357/19, afastou qualquer dúvida sobre a inexistência de periculosidade em razão da quantidade de combustível existente nos tanques dos veículos, independentemente da quantidade e volume.
Neste sentido, vale destacar a seguinte decisão da 5ª Turma do TST, nos autos do PJE 373-83.2020.5.09.0671, publicado em 22/09/2023, relator Min.Breno Medeiros, cuja ementa é a seguinte:
“Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. INFLAMÁVEIS. MOTORISTA DE CAMINHÃO. TANQUE SUPLEMENTAR DE COMBUSTÍVEL SUPERIOR A 200 LITROS. NOVO ENFOQUE DA MATÉRIA EM DECORRÊNCIA DA PORTARIA SEPRT Nº 1.357/2019. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Dispõe o art. 193, caput e inciso I, da CLT que “são consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a inflamáveis, explosivos ou energia elétrica”. Extrai-se do dispositivo legal que são consideradas atividades perigosas aquelas, que por sua natureza, exponham o empregado a situações de risco à saúde, sendo o enquadramento das operações perigosas realizadas pelo Poder Executivo mediante portarias do Ministério do Trabalho e Previdência. Conforme a Norma Regulamentadora nº 16, como regra geral, as operações de transporte de inflamáveis, em quaisquer vasilhames e a granel, são consideradas atividades perigosas, excluindo-se o transporte até o limite de 200 (duzentos) litros para os inflamáveis líquidos.
Como exceção à regra, o item 16.6.1 dispõe que as quantidades de inflamáveis constantes nos tanques de consumo próprio dos veículos não serão computadas para o efeito da norma. Diante de tal cenário, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, em sessão de 18/10/2018, concluiu que “o adicional de periculosidade é devido, em razão do simples fato de o veículo possuir um segundo tanque, extra ou reserva, com capacidade superior a 200 litros, mesmo para consumo próprio, conforme o item 16.6 da NR 16, de forma que não se aplica a exceção descrita no subitem 16.6.1.”. Ocorre que, posteriormente ao julgamento ocorrido no âmbito da SBDI-1 desta Corte Superior, a então Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia editou a Portaria nº 1.357, publicada no Diário Oficial da União em 10/12/2019, incluindo o item 16.6.1.1 na NR 16 com o seguinte teor: “Não se aplica o item 16.6 às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustível originais de fábrica e suplementares, certificados pelo órgão competente”. Depreende-se da referida alteração da NR-16 que o Poder Executivo, responsável pela classificação de atividade perigosa, passou a excluir, de forma expressa, o transporte de inflamáveis em qualquer quantidade contida nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, desde que certificados pelo órgão competente. Significa dizer que as quantidades de combustíveis constantes nos tanques suplementares originais de fábrica dos caminhões não traduzem periculosidade ao trabalho do motorista empregado, sendo indevido o respectivo adicional. A operação só será considerada perigosa se os tanques originais de fábrica e suplementares não possuírem o certificado do órgão competente, expondo o trabalhador ao risco de explosão. Diante de tal previsão, não há como presumir que a utilização de tanque de consumo próprio suplementar, por si só, caracterize a operação perigosa com inflamáveis. Na hipótese dos autos, não se extrai do julgado qualquer informação de que os tanques de consumo, originais de fábrica, do caminhão utilizado pelo reclamante não possuíssem o certificado do órgão competente, de modo que, a decisão regional que reconhece devido o adicional de periculosidade apenas pela existência de tanques de combustíveis superiores ao limite de 200 litros merece reforma. Recurso de revista conhecido e provido.”
- LEI 14.766 de 22/12/2023
A Lei 14.766, de 22/12/2023, acresce o par.5º ao artigo 193 da CLT, para estabelecer a não caracterização como perigosas das atividades ou operações que envolvam exposição às quantidades de inflamáveis contidas em tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, na forma que especifica.
A referida Lei teve origem no Projeto de Lei 1949/2021 de autoria do Deputado Celso Maldaner que foi apresentado na Câmara dos Deputados, em 25/05/2021. Na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP), o Dep. Paulo Vicente Caleffi foi designado relator e apresentou parecer pela aprovação, com substitutivo.
Após ser aprovado na CTASP o PL 1949/21 seguiu em tramitação ordinária e também foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e encaminhado ao Senado Federal.
Em seu voto, o relator, deputado Paulo Vicente Caleffi, esclarece que:
“O Projeto de Lei nº 1.949, de 2021, tem como objetivo alterar o art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para incluir ressalva na norma que deixe claro que as quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, bem como nos equipamentos de refrigeração de carga, para consumo próprio dos veículos, não sejam consideradas como atividades ou operações perigosas que impliquem riscos ao trabalhador a ponto de constituir direito ao adicional de periculosidade”
Destaca ainda que “a proposta do ilustre Deputado Celso Maldaner não é suprimir direito algum dos motoristas, nem tampouco favorecer as empresas, o propósito é clarear na norma trabalhista o que é o bem transportado e o que é o bem de consumo, ou seja, o combustível usado no tanque próprio do veículo é um bem de consumo, não podendo caracterizar transporte de combustível, nem tampouco dar direito ao motorista algum direito a adicional de periculosidade por circular com seu tanque contendo inflamável.
Essa lógica deve ser aplicada aos grandes meios de locomoção, como caminhão, ônibus, trem, navio, avião e assim todos os modais, uma vez que o transporte de produtos perigosos tem caráter diferente do combustível de consumo dos referidos veículos”.
Em 19/09/2023 foi realizada audiência pública na Comissão de Infraestrutura do Senado, onde tivemos a oportunidade de participar, representando a NTC & Logística, pois o PL 1949/21 propõe maior segurança jurídica na legislação trabalhista sobre e inexistência de periculosidade em razão da quantidade de combustível existente nos tanques para consumo próprio dos veículos, suplementares ou de fábrica.
A Comissão de Infraestrutura do Senado, em votação ocorrida em 26/09/2023, aprovou o Projeto de Lei 1949/21, que acresce o par.5º, ao artigo 193 da CLT e seguiu para sanção presidencial onde houve veto integral com o número 34/2023 que, após ouvir o Ministério do trabalho e Emprego, adotou o seguinte argumento jurídico:
“A proposição legislativa contraria o interesse público, pois estabeleceria, em lei, hipóteses de descaracterização de periculosidade das atividades e operações sem indicar, de maneira objetiva, critérios e parâmetros para as quantidades de inflamáveis líquidos ou gasosos liquefeitos que possam ser transportadas de forma a garantir a proteção e a segurança dos trabalhadores do setor de transporte de cargas e de passageiros, em desacordo ao disposto na legislação trabalhista.”
O veto 34/2023 foi derrubado em sessão do Congresso Nacional realizada em 14/12/2023 e a Lei 14.766, de 22/12/2023, foi publicada com a seguinte redação:
“Art. 193. (…)
§ 5º O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica às quantidades de inflamáveis contidas nos tanques de combustíveis originais de fábrica e suplementares, para consumo próprio dos veículos de carga, de transporte coletivo de passageiros, de máquinas e de equipamentos, certificados pelo órgão competente, e nos equipamentos de refrigeração de carga.” (NR)
A derrubada do veto presidencial ao PL 1949/21, pelo Congresso Nacional e a sanção da Lei 14.766/23 é de extrema importância para que a CLT passe a dispor aquilo que já consta no item 16.6.1.1 da NR-16, pois não há periculosidade quando a quantidade de combustível existente nos tanques de fábrica e suplementares são utilizados para consumo próprio do veículo.
- CONCLUSÃO
O adicional de periculosidade não é um direito absoluto do trabalhador. Embora esteja regulamentado na CLT e na NR-16 não é devido em qualquer circunstância.
Não é razoável que a atividade produtiva seja onerada com decisões judiciais equivocadas e que relegam ao oblívio as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho.
O legislador criou exceções que devem ser respeitadas, inclusive pelo Poder Judiciário e não se pode interpretar a NR-16 apenas parcialmente, pois se trata de uma norma regulamentadora estrutural, que deve ser interpretada e aplicada em seu conjunto.
Não se pode equiparar a quantidade de combustível existente no tanque dos veículos para consumo próprio com o transporte de inflamáveis, sendo que a NR-16 nos itens 16.6.1 e 16.6.1.1 afasta a periculosidade sejam os tanques originais de fábricas ou suplementares, independentemente da quantidade ou volume.
A publicação da Lei 14.766/23 é de extrema importância para que a CLT passe a dispor aquilo que já consta no item 16.6.1.1 da NR-16, pois não há periculosidade quando a quantidade de combustível existente nos tanques de fábrica e suplementares são utilizados para consumo próprio do veículo.
Esperamos que a partir dessa nova perspectiva, pelo menos neste tema, o segmento empresarial do transporte rodoviário de cargas possa ter mais segurança jurídica, valendo lembrar a reflexão de Bertold Brecht: “Que tempos são estes, em que é necessário defender o óbvio?”.
Narciso Figueirôa Junior
Assessor Jurídico da FETCESP