Artigo: O Teletrabalho e a Lei 12.551, de 15/12/2011

A tecnologia tem evoluído rapidamente, trazendo a todos nós a facilitação de várias tarefas seja no trabalho, no lazer, no lar ou nos estudos.
 
No campo do trabalho o uso da informática é uma questão tão rotineira que seria difícil imaginar o desenvolvimento sem a utilização de seus eficientes recursos.
 
Esta verdadeira revolução tecnológica tem afetado sensivelmente o campo das relações laborais, surgindo uma nova espécie de prestação de serviços, ainda carente de legislação específica: o teletrabalho.
 
Trata-se de um serviço de natureza subordinada ou não, dependendo da área em que é aplicado, sendo também encontrado no Direito Civil e na sociologia. São sinônimos do teletrabalho as seguintes expressões: trabalho à distância, trabalho periférico e trabalho remoto.
 
Podemos encontrar o teletrabalho como gênero e como espécie. No Direito do Trabalho ele é considerado como uma espécie do gênero “trabalho”.
 
Para realização do trabalho, no sistema clássico, há um local apropriado para o empregado prestar os seus serviços, controle de horário, hierarquia entre empregado e empregador e controle na utilização do trabalho humano nas linhas de produção.
 
Por exigência da sociedade, surge um novo sistema de prestação de serviços onde o local de trabalho, via de regra, passa a ficar cada vez mais distante da residência do empregado.
 
Paralelamente a isso, nota-se o surgimento de novos instrumentos tecnológicos e informatizados que permitem a realização de alguns serviços, sem que o empregado seja obrigado a comparecer à empresa.
 
Não raro, as pessoas confundem o teletrabalho com outras figuras.
 
O teletrabalho não é trabalho a domicílio, pois ele pode ser desenvolvido em outro centro, distante daquele onde o empregado está ligado, sem necessariamente ocorrer na sua residência, por exemplo, o trabalho realizado em filiais.
 
Mesmo quando executado no domicílio, o teletrabalho é desenvolvido apenas em parte do tempo, sendo comum que o empregado compareça à empresa em alguns dias da semana.
 
O teletrabalho não exige que o empregado seja um especialista em informática, na medida em que pode desenvolver suas tarefas por outros meios de mídia tais como, “tablet”, celular e “notebook”.
 
Não é característica desta modalidade de contratação o poder diretivo do empregador, pois o empregado estará também subordinado ao patrão, porém, com maior liberdade do que o empregado comum.
 
Entretanto, o empregador estará controlando mais o resultado do trabalho do que as regras no procedimento; não se trata de trabalho à título precário ou informal, mas uma nova modalidade de trabalho subordinado.
 
Podemos destacar três características fundamentais para esta modalidade de contratação:
1ª) a execução do teletrabalho está profundamente ligada às novas tecnologias, sendo o celular, “tablet” ou “notebook”, os instrumentos necessários e imprescindíveis para o desenvolvimento desta espécie de labor (tendo em vista que o uso destas tecnologias, como regra, proporciona o barateamento destes instrumentos, podemos antever a sua franca expansão);
2ª) alteração na relação do empregado com o empregador, pois quase tudo que ocorre na prestação de serviços é realizado através da mídia eletrônica, podendo ocorrer em tempo real ou não (internet, transmissão via satélite, etc);
3ª) o trabalho se desenvolve, preferencialmente, fora da unidade fabril que é o ambiente clássico da prestação de serviços.
 
Entretanto, o empregado pode desenvolver o teletrabalho em filiais do empregador, parte em sua casa e parte no domicílio do patrão.
 
Do ponto de vista do empregado, podemos apontar como principais vantagens do teletrabalho, as seguintes:
a) desenvolvimento do labor de acordo com o seu bioritmo;
b) menor autonomia e maior alienação do trabalho;
c) diminuição do tempo dispendido entre o deslocamento de casa para o trabalho;
d) diminuição do “stress”, pois o empregado não ficará mais se submetendo ao trânsito caótico das grandes cidades;
e) vida familiar e social mais intensa;
f) redução da despesa com deslocamento.
 
Para o empregador, podemos destacar as seguintes vantagens: a) redução do espaço físico e conseqüentemente a diminuição de custos mobiliários e imobiliários; b) circulação mais rápida das informações; c) redução das horas extras; d) eliminação de faltas; e) aumento de produtividade e; f) elevação da satisfação do empregado.
 
A sociedade também é beneficiada, na medida em que há economia de energia elétrica, combustíveis, melhoria do meio ambiente e do trânsito; racionalização na utilização dos imóveis urbanos; melhoria do relacionamento familiar; aumento do mercado de trabalho para pessoas que não podem se locomover ou possuem dificuldade na locomoção (pessoas portadoras de deficiências, mães, etc).
 
Entretanto, há algumas desvantagens a serem apontadas. No âmbito geral, há um isolamento do indivíduo; possibilidade de problemas com a saúde do empregado, decorrente da ergonomia, ante a má utilização de móveis; enfraquecimento da atuação e representação sindical; favorecimento da quebra da privacidade; maior facilidade para violação de segredos industriais ou comerciais e redução da subordinação; possibilidade de mau uso dos recursos eletrônicos (internet, e-mail).
 
Muito já se discutiu sobre a dificuldade de se configurar a subordinação no teletrabalho, na medida em que, normalmente não há cumprimento rígido de horário, tampouco a necessidade de comparecimento diário à empresa.
 
A prova do vínculo empregatício, nesses casos, tem trazido grande dificuldade, pois deve ser considerado com maior ênfase aquilo que restou pactuado por ocasião da contratação.
 
Entretanto há julgados reconhecendo que o fato de os serviços serem prestados fora do estabelecimento do empregador não constitui óbice para a existência da subordinação jurídica, ínsita à relação de emprego.
 
Neste sentido, vale destacar os seguintes julgados:
“Comprovando-se que a empresa, além de fornecer o material necessário à confecção das peças, direcionava e remunerava o trabalho que a reclamante executava em sua própria residência, tem-se por caracterizado o contrato de trabalho a domicílio, a teor do disposto no art. 6° da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso ordinário acolhido.” (TRT 6ª Região – 18/03/1997 – RO   2397/1996 – DOE-PE:17-04-97 – Relator Juiz Nelson Soares Júnior).
 
“TRABALHO A DOMICÍLIO – CARACTERIZAÇÃO. Sem se demonstrar a dependência econômica do prestador dos serviços e a continuidade e exclusividade da sua execução ao responsável pelo empreendimento, jamais se poderá caracterizar a relação de emprego no trabalho a domicílio.” (TRT 15ª Região – Ac: 019934/1995 – RO 017225/1993 – 4ª Turma – Relator Juiz Luiz Carlos Diehl Paolieri).

“RELAÇÃO DE EMPREGO. A prestação de serviços na residência do empregado não constitui empecilho ao reconhecimento da relação de emprego, quando presentes os pressupostos exigidos pelo artigo 3º da CLT, visto que a hipótese apenas evidencia trabalho em domicílio. Aliás, considerando que a empresa forneceu equipamentos para o desenvolvimento da atividade, como linha telefônica, computador, impressora e móveis, considero caracterizada hipótese de teletrabalho, visto que o ajuste envolvia execução de atividade especializada com o auxílio da informática e da telecomunicação.” (TRT 3ª Região, 7ª Turma, RO – 00977-2009-129-03-00-7, DEJT: 26-11-2009, pg.97 – Relator Juiz Convocado Jessé Cláudio Franco de Alencar).

Todavia, com a publicação da Lei n.12.551, de 15/12/2011, o artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho foi alterado para dispor que:
 
“Art.6º Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
 
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”
 
A alteração no “caput” do artigo 6º foi sutil, mas de grande eficácia, ficando reiterado que não há distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e aquele executado no domicílio do empregado e o “realizado a distância”, desde que estejam caracterizados “os pressupostos da relação de emprego.”
 
Da análise dos artigos 2º e 3º, da CLT, são extraídos os pressupostos para caracterização do vínculo de emprego: pessoalidade, onerosidade, trabalho não eventual e subordinação jurídica.
 
A nova redação do “caput” do artigo 6º da CLT vem ao encontro do que já estava sendo admitido pela jurisprudência, conforme podemos inferir dos julgados anteriormente transcritos.
 
Entretanto, o novo parágrafo único do artigo 6º da CLT, trazido com a Lei 12.551/2011, criou uma nova situação que poderá causar muita celeuma nas relações trabalhistas.
 
Em que pese seja louvável que o legislador tenha buscado regulamentar o trabalho realizado fora do estabelecimento do empregador, através de meios eletrônicos, atualizando a CLT em relação à matéria, entendemos que foi muito precipitada a inserção do parágrafo único do artigo 6º, haja vista que a sua redação leva à conclusão de que os meios telemáticos e informatizados de comando são suficientes para configurar a existência da subordinação jurídica, pedra de toque da relação de emprego.
 
Segundo doutrina Mauricio Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho, 6ª, edição, Ltr, p.302), citando Amauri Mascaro Nascimento:
 
“a subordinação corresponde ao pólo antiético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços. Traduz-se, em suma, na “situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia de sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará.”
 
Na medida em que a CLT passa a dispor que os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais de exercício do poder diretivo do empregador, abre-se um preocupante fundamento jurídico para que se passe a reconhecer vínculo empregatício, como regra nessas situações, o que não ocorria antes da publicação da Lei 12.551/2011.
 
Não é o simples fato de as tarefas serem desenvolvidas através de meios informatizados, ainda que em tempo real, que se pode concluir pela existência da subordinação jurídica.
 
É necessário saber se o trabalho que está sendo realizado possui ingerência concreta do empregador, em decorrência exercício do poder de direção empresarial. Em outras palavras, mister se faz a comprovação de que o empregador estará efetivamente determinando o modo de realização da prestação de serviços.
 
Considerando que no teletrabalho é muito difícil a configuração da subordinação jurídica, entendemos que a nova redação dada ao artigo 6º da CLT, trará mais discussões judiciais do que solução para o problema, não tendo andado bem o legislador ao redigir o parágrafo único do referido dispositivo legal.
 
Vale destacar que em função da nova lei o Tribunal Superior do Trabalho já está pretendendo rever a sua jurisprudência relativa ao tema do sobreaviso, pois a Súmula 428 não reconhece o uso dos aparelhos de intercomunicação (telefone celular, BIP ou Pager) como suficientes para caracterizar o sobreaviso.
 
Nesse particular, ainda prevalece o entendimento no TST, convertido em súmula em maio de 2011, de que o simples uso desses aparelhos eletrônicos não obriga o empregado a esperar em casa por algum chamado do empregador, pois pode se deslocar normalmente até ser acionado.
 
Conforme já tem sido divulgado pela imprensa, com a nova lei, o TST pretende rever esse posicionamento jurisprudencial, haja vista que a nova redação do artigo 6º eliminou a distinção entre o trabalho presencial, realizado no estabelecimento do empregador, e o trabalho a distância, através de meios eletrônicos e telemáticos.
 
Outra questão que acarretará muita discussão são as eventuais horas extras que passarão a ser pleiteadas, em função do disposto no parágrafo único do artigo 6º, anteriormente transcrito.
 
As empresas terão que regulamentar essa questão do trabalho a distância em suas normas internas, definindo regras e condições para que o referido trabalho possa ou não ser executado, para que se evitem discussões judiciais em torno da aplicação da nova disposição legal.
 
Cremos que a revolução tecnológica está criando uma nova fase do direito do trabalho. Uma fase onde necessariamente a legislação deverá se adaptar as novas modalidades de contratação, buscando adequá-las à realidade sócio-econômica e, sobretudo, as necessidades dos atores sociais, o que em certa medida já ocorreu com a edição da Lei 12.551, de 15/12/2011, a despeito de entendermos que a redação dada ao parágrafo único do artigo 6º da CLT, será objeto de muita discussão judicial, pois parte de uma premissa equivocada, como afirmamos alhures.
 
Por fim, para reflexão, lembramos a lição de Rafael Caldera que, analisando o impacto nas novas tecnologias no Direito do Trabalho assim assevera: “O direito do trabalho não pode ser inimigo do progresso. Não pode ser inimigo da riqueza, porque sua aspiração é que ela alcance um número cada vez maior de pessoas.
Não pode ser hostil aos avanços tecnológicos, pois eles são efeito do trabalho. Sua grande responsabilidade atual é conciliar este veloz processo de invenções, que a cada instante nos apresenta novas maravilhas, com o destino próprio de seus resultados, que deve ser não o de enriquecer unicamente uma minoria de investidores, mas sim o de gerar empregos que possam atender aos demais e oferecer a todos a possibilidade de uma vida melhor.” (Ltr 56 – 03/274).
 
 
Narciso Figueirôa Junior é bacharel em Direito pela PUC/SP e pós-graduado em Direito do Trabalho pela PUC/COGEAE. 
Assessor jurídico da FETCESP.  
18/1/2012