O marketing como caminho para fidelizar clientes

O especialista Celso Sartori ensina como montar uma estratégia vencedora em tempos de clientes superexigentes

Como diretor de marketing, Celso Henrique Sartori brilhou à frente de grandes marcas, como a Coca-Cola e a Nike. Atualmente, é consultor-chefe da C&S Consulting, atuando com clientes como a Raízen, O Boticário e a Renault. Essa experiência prática é transposta para as aulas e palestras que ministra, nas quais ele ajuda a entender um importante fenômeno que vem confundindo o mundo dos negócios: a centralidade do cliente.

“Antigamente, você criava um serviço e o oferecia ao cliente. Ganhava-se dinheiro assim. Esse é o passado”, resume o professor, um dos discípulos brasileiros do austríaco Peter Drucker, o pai da administração moderna. “Agora, monta-se uma solução integrada, que vai depender de toda a cadeia de valor da empresa para acontecer. O objetivo final passa a ser o lucro por meio da satisfação do cliente”, ensina.

Sartori não poupa palavras para afirmar o quão importante é essa mudança de polos. Com o cliente no centro da estratégia, as empresas precisam humanizar seus processos e sopesar custos e benefícios. Os programas de encantamento são um grande diferencial; e o consumidor fiel se tornou, praticamente, um advogado da marca – e um cúmplice dos valores da empresa. Bem-vindos a um novo mundo!

Por que o marketing é importante?
Marketing é uma estratégia de negócios. Tudo o que o marketing faz é um jeito de ir ao mercado e encantar o cliente. Isso você nunca vai fazer apenas com um departamento; vai precisar da empresa inteira, do porteiro ao presidente. Todo mundo que tem contato com o cliente tem de fazer parte dessa jornada e dessa experiência, com o objetivo de encantar o cliente.

A centralidade do cliente reconfigurou o mundo corporativo nos últimos anos. Como chegamos aqui?
A resposta vem do século passado. O pai da administração moderna, Peter Drucker, que não está mais entre nós e de quem eu tive a honra de ser aluno, perguntava o seguinte: “Por que as empresas focam no cliente?”. E a resposta dele era muito simples e direta: “Porque, sem clientes, as empresas não existem”.

Quais são as consequências disso? Em que essa centralidade se difere da velha máxima que diz: “O cliente sempre tem razão”?
Primeiramente, vamos combinar que o cliente nem sempre tem razão, mas você tem de saber lidar com ele. O conceito de empresa mudou no século 21. Antigamente, você criava um serviço e oferecia ao cliente. Ganhava-se dinheiro assim. Esse é o passado. Hoje em dia, você precisa se perguntar em primeiro lugar: qual é o mercado que eu quero atender? É preciso conhecer toda a dinâmica desse mercado, saber quem são os concorrentes, quais são os fatores externos que podem interferir no negócio. Você precisa fazer a análise “Pestal”, ou seja, olhar para os ambientes político, econômico, social, tecnológico, ambiental e legal. Em seguida, você precisa entender a necessidade do seu cliente. A partir daí, você monta uma solução integrada, que vai depender de toda a cadeia de valor da empresa para acontecer. Desse modo, o objetivo final é o lucro por meio da satisfação do cliente.

Por que é importante “fidelizar” os clientes?
Cliente fiel é aquele que sai mais barato para a empresa, ou seja, você ganha muito mais com ele por causa de vários fatores. Ele gera receita, compra com frequência e gosta de você. Esse é o conceito de LTV (lifetime value), ou seja, receita recorrente ao longo do tempo. Esse cliente poderá comprar mais do mesmo serviço ou comprar outros serviços que você oferecer. Por conta desse encantamento, ele está menos suscetível a preços. Esse cliente gosta de você por outras razões – não é o preço que define a relação. Estamos falando do “valor percebido” na equação de valor.

Como assim?
Equação de valor é uma coisa que todos nós fazemos. É uma coisa simples, mas muito importante, que é a relação custo-benefício. O cliente satisfeito é aquele que vê os benefícios sendo muito maiores do que os custos. Você tem dois tipos de benefícios. Os tangíveis são aqueles que você consegue mensurar, como, por exemplo, conforto e pontualidade da entrega. Benefícios intangíveis são quando o cliente acha muito legal participar de algo. Esse sentimento tem a ver com todos os pontos de contato para que a experiência ocorra. É o lado emocional. Deve-se trabalhar o tangível e o intangível para que o cliente conclua que a experiência foi ótima.

O senhor falou sobre os benefícios. Como os clientes percebem os custos?
Todo mundo pensa no custo financeiro, mas existem também outros. Existe o custo de tempo – tempo é dinheiro para todo mundo. Então, se o cliente tem de esperar demais para embarcar, isso é custo para ele. Outro custo é o esforço. O quão fácil é adquirir um serviço? O cliente precisou reclamar de alguma coisa? Na equação de valor, a gente considera, ainda, o custo psicológico. É aquele custo de se comprar um “mico”, ou seja, algo que não satisfaz. Nesse caso, a experiência não foi boa. Portanto, na equação de valor, você precisará equilibrar dois tipos de benefícios e quatro tipos de custos. Aí os empresários me perguntam: “Ah, então eu tenho que aumentar muito os benefícios e diminuir os custos?”. E eu respondo: “Sim, é exatamente isso que tem de ser feito! Por exemplo, se eu diminuir o esforço, melhorarei o valor percebido pelo cliente na equação de valor”.

É como se o prestador de serviços tentasse oferecer aos clientes uma experiência livre de atritos?
Exato. Existem duas máximas quando se fala em centralidade no cliente. Uma delas é facilitar a vida dele. A outra é criar uma experiência memorável. Essas duas coisas andam juntas, né?! Por fim, é preciso dizer que a fidelidade do cliente vale a pena para as empresas. O cliente fiel é mais difícil de ser atraído pela concorrência. Além disso, ele pode ser uma fonte de ideias e informações. Ele vira uma espécie de discípulo, pois fala bem da marca, e acaba se tornando uma forma de medir o desempenho. Se você tiver uma base de clientes muito satisfeita, isso indicará que você está fazendo um ótimo trabalho.

O senhor poderia falar mais sobre a questão da receita recorrente?
Vou dar um exemplo da rede Starbucks. Eles mostraram a diferença de LTV (lifetime value) entre um cliente insatisfeito e um muito satisfeito. Para saber qual é a receita recorrente gerada, você precisará ver o número de visitas que o cliente fez ao longo do ano. Depois, você multiplicará isso pelo ticket médio dele no ano e encontrará a receita do ano. Em seguida, você verá o tempo médio de vida que ele vai ter com a sua empresa. O LTV é a multiplicação desse tempo pela receita. No caso da Starbucks, o LTV de um cliente insatisfeito é US$ 200,00, na média global. Já o LTV de um cliente muito satisfeito é US$ 3.170,00. É uma diferença considerável!

Em suas palestras, o senhor fala sobre a necessidade de se humanizar o atendimento ao cliente. Como é isso?
É muito importante. Algumas coisas precisam ser feitas para tornar o serviço humanizado. A primeira é saber ouvir o cliente. A segunda é conhecê-lo e ter informação sobre ele. Um grande diferencial, por incrível que pareça, é falar o nome da pessoa durante a conversa. Estatisticamente, você tem uma probabilidade maior de fechar uma venda ou de encantar o cliente se falar o nome da pessoa.

Toda empresa deveria ter um programa de encantamento?
Eu diria que esse é um grande diferencial. O cliente quer uma experiência memorável e não a quer apenas uma vez. Esse é o grande problema da prestação de serviços. A imagem que o cliente tem da marca não é formada a partir de uma única experiência boa. Agora, se você pisar na bola uma vez, pode ser que perca o cliente. A Disney tem uma frase que é assim: “Eu não criei o problema, mas o problema é meu”. Às vezes, o cliente não tem razão, mas eu tenho de resolver o problema para ele. Outro exemplo é o da Amazon, que leva tão a sério isso que, dos seis pilares deles, o primeiro é a “obsessão pelo cliente”. Por isso, a Amazon é o que é. Eles trabalham “de trás para a frente” (working backwards), começando pela necessidade do cliente antes de trazer para dentro de casa.

O que se deve fazer para encantar o cliente?
Estive no Disney Institute por dez dias e, nos bastidores, eles falam que, para fazer um bom encantamento do cliente, você deve ter dois mindsets: um é a curiosidade; e o outro é a humildade para admitir que você não sabe tudo sobre o cliente. Além disso, existe um ciclo virtuoso, pensado pela consultoria McKinsey, que pode ser utilizado para encantar o cliente. São seis passos. O primeiro é ter a liderança focada no cliente. É um processo top-down, em que a liderança deve se comprometer. O segundo passo é entender a fundo quem é o cliente. O terceiro passo é desenhar a experiência do cliente. Esse é o momento para olhar todos os pontos de contato com ele. O quarto passo é empoderar as pessoas da linha de frente, ou seja, colaboradores que tenham contato com o cliente devem ter capacidade para resolver os problemas que surgirem. Aí vem o quinto passo, que é ter métricas relevantes. Hoje em dia, trabalha-se muito com NPS (Net Promoter Score), a partir da seguinte pergunta: “Você recomendaria esse serviço para uma pessoa que você conhece?”. O legal do NPS é que você pode se comparar a empresas de todo o mundo. Por fim, o sexto passo é obter feedback para o aperfeiçoamento contínuo.

O senhor poderia comentar algo sobre a equação de serviço?
Ela é a soma de duas coisas: da paisagem de serviço com o atendimento. Paisagem é a forma como você se apresenta; é o layout do ambiente onde o serviço está sendo prestado. Imagine, como pessoa física, ônibus confortáveis, limpos e bem sinalizados. Como pessoa jurídica, imagine uma frota de caminhões novos e bem-cuidados. Você “tangibiliza” a credibilidade com isso. Já o atendimento pode ser subdividido em três “Ps”. Primeiramente, você deve ter pessoas treinadas e preparadas. Elas representam a empresa perante o cliente. Essa é a hora da verdade: não é você sentado no seu escritório – é o motorista do seu veículo na frente do cliente ou alguém fechando uma venda para a empresa. O segundo “p” do atendimento é o processo. Você precisa ter processos que facilitem a vida das pessoas. Hoje, as pessoas são extremamente impacientes. O terceiro “p” é a produtividade. Você pode – e deve – ser gentil com o cliente, mas dentro de um tempo que gere produtividade para o negócio.

Como criar uma boa experiência?
Para proporcionar essa experiência, trabalho com seis pilares. Começo customizando as coisas para o cliente, o que gera uma conexão emocional. O segundo pilar é integridade, que significa ser verdadeiro e gerar confiança. O terceiro envolve a superação das expectativas do usuário. O quarto é a habilidade de saber reverter uma má experiência, ou seja, é resolver problemas. O quinto pilar, para uma boa experiência, reúne tempo e esforço – é preciso minimizar ambas as coisas em favor do cliente. Para isso, você precisa trabalhar com processos, pessoas e tecnologia. Por último, e que é importantíssimo, é o pilar da empatia, que é se colocar no lugar do cliente. É a parte mais humanizada da experiência.

Nesse cenário, qual é a importância dos valores da empresa?
São fundamentais! Tudo começa com a liderança, que, como vimos, precisa estar focada no cliente. Mas como você traduz isso top-down? Justamente, ocorre por meio dos valores e, também, das competências. Com isso, envia-se o seguinte recado: a gente valoriza tal coisa e vai colocar isso em prática.

Em que aspecto podemos relacionar os valores da empresa e a agenda ESG (ambiental, social e governança)?
Hoje em dia, está tudo interligado. Basta trocar a palavra “cliente” para stakeholder (parte interessada). Tem tudo a ver. Cada vez mais, o cliente está olhando para a responsabilidade social e para a proteção ambiental de modo que a agenda ESG faz parte da governança de toda empresa do século 21. A agenda ajuda a criar a imagem da empresa, pois há uma percepção de valor. O cliente pensa, por exemplo, nisto: “Que bom! Esses caras desenvolvem alguma ação social integrada com a comunidade!”.

Fonte: CNT