TST declara abusiva a greve dos petroleiros de 2018 e multa os sindicatos

A Seção Especializada em Dissídios Coletivos ( SDC) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por maioria de votos, julgou procedente o dissídio coletivo instaurado pela União Federal e Petrobras em face dos sindicatos dos petroleiros dos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Pará, Amazonas, Maranhão, Amapá, Paraná, Bahia e São José dos Campos/SP, para declarar abusiva a greve deflagrada em 2018, por ocasião da greve dos caminhoneiros e impor multa de R$ 250.000,00, a cada entidade sindical suscitadas, em favor da Petrobras, autorizando a retenção de mensalidades associativas até se atingir o montante global das multas, podendo-se igualmente promover a execução das mesmas.

Em 28/05/2018 a Petrobras e a União Federal ajuizaram dissídio coletivo de greve em face da Federação Única dos Petroleiros e outros, visando a imediata declaração de abusividade da greve prevista para os dias 30 e 31 de maio e 1º de junho de 2018, mesma época da greve dos caminhoneiros, e determinação para que a mesma não fosse deflagrada, sob pena de multa de dez milhões de reais e manutenção de 100% dos trabalhadores que prestam serviços na Petrobrás, alegando que a greve tinha caráter político e não se tratava de reivindicação dos trabalhadores.

A alegação dos autores é de que o movimento de greve teria caráter político, pois as reivindicações não teriam interesses trabalhistas, mas sim políticos, pois objetivava a redução dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha, manutenção e empregos e retomada da produção interna de combustível, fim das importações da gasolina, protestos contra privatizações e demissão do presidente da Petrobras.

Em 29/05/2018, através de despacho da Ministra Maria de Assis Calsing, foi acolhida a pretensão dos autores e determinado que os sindicatos se abstivessem de paralisar suas atividades no âmbito da Petrobrás e de duas subsidiárias, nos dias 30 e 31/05/2018 e 01/06/2018, sob pena de multa diária de 500 mil reais. Entretanto, a greve foi deflagrada e, em 30/05/2018, nova ordem judicial foi proferida reconhecendo o descumprimento da decisão anterior.

No bem fundamentado voto da lavra do Ministro Ives Gandra Martins Filho ficou assentado que o ordenamento jurídico brasileiro não admite a greve política, pois o direito de greve previsto na Constituição Federal está à disposição dos trabalhadores a ser exercido frente aos empregadores quando frustrada a negociação coletiva, a arbitragem e o dissídio coletivo.

Em se tratando de greve motivada por interesses políticos, como foi o caso, entendeu o acórdão que reivindicações dirigidas aos poderes públicos, na busca de soluções legislativas ou atos do poder executivo refogem ao poder do empregador público e privado, não se tratando de direito coletivo dos trabalhadores, mas sim de disputa político-partidária e não de conflito coletivo de trabalho, concluindo pela abusividade da greve invocando outros precedentes da SDC do TST no mesmo sentido.

Quanto à fixação da multa em R$ 250.000,00 para cada entidade o acórdão aplicou o critério da dosimetria da sanção, reconhecendo que houve paralisação de apenas 1,5 dia, razão pela qual reduziu a multa então fixada.

Trata-se de decisão de relevância, pois delineia os exatos contornos do exercício do direito de greve que, além de contar com previsão constitucional, também se encontra regulamentada pela Lei 7.783, de 28/06/1989.

O acórdão publicado em 17/02/2021 possui a bem fundamentada e esclarecedora ementa: 

“DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE DOS PETROLEIROS DE 2018 – CARÁTER POLÍTICO DO MOVIMENTO EM FACE DA MOTIVAÇÃO APRESENTADA – PARALISAÇÃO NO CONTEXTO DA GREVE DOS CAMINHONEIROS – RECONHECIMENTO DA ABUSIVIDADE IN RE IPSA DE GREVE POLÍTICA – DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL INIBITÓRIA DA GREVE – APLICAÇÃO DE MULTA – PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.

1. A greve, como fenômeno social, constitui o último recurso dos trabalhadores em um conflito coletivo com seus empregadores, para fazer valer suas reivindicações de melhores condições de trabalho e remuneração. A greve está para a negociação coletiva como a guerra está para a diplomacia, na linha da conhecida e sucinta definição do general prussiano Carl Von Clausewitz: “a guerra é a continuação da política por outros meios” (“Da Guerra”, Berlim, 1832).

2. Naquilo que se convencionou chamar de “Escalada Nuclear” durante o período da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, os conflitos localizados em países satélites ou das respectivas zonas de influência eram resolvidos, quando surgidas guerras pontuais, pelo recurso aos armamentos convencionais, desde aqueles mais leves (armas brancas, rifles e metralhadoras), passando para os mais pesados (tanques, aviões e navios), de modo a se evitar o uso de armas atômicas, pelo potencial destrutivo e efeitos radioativos permanentes que deixavam, como se viu em Hiroshima e Nagasaki no final da 2ª Guerra Mundial.

3. Analogamente, no que concerne aos conflitos coletivos de trabalho, a Constituição Federal de 1988, com a Emenda Constitucional 45, de 2004, estabeleceu uma escalada de recursos para a sua composição (CF, art. 114, §§ 1º a 3º), que começa na negociação coletiva, passando pela arbitragem (e institutos similares da mediação e conciliação) e pelo dissídio coletivo (intervenção estatal), para culminar na greve em caso de frustração de todos os meios menos traumáticos.

4. Na greve, ao poder econômico do patrão sobre os salários se opõe o poder sindical sobre o trabalho, sendo o período conflituoso de paralisação de atividades considerado, como regra geral, em caso de não acordo em sentido contrário, como de suspensão do contrato de trabalho (Lei 7.783/89, art. 7º): não há prestação de serviços e não há pagamento de salários.

5. No caso de greve em serviços essenciais, mormente quando prestados em caráter monopolístico, o que se verifica é que, nesse embate de forças, a população acaba sendo refém dos grevistas, pois não tendo como obter tais serviços por fontes alternativas, pode se ver privada de energia, comunicações, transporte, alimentos, saúde e demais serviços básicos de infraestrutura, que dificultariam a sobrevivência da comunidade. Daí o rigor maior e as condições mais exigentes que a Lei 7.783/89 traçou ao regulamentar o direito constitucional de greve.

6. No caso de greve política, o recurso à “guerra” é imediato, sem nenhuma possibilidade de composição não traumática do conflito de interesses, na medida em que, estando o atendimento às reivindicações obreiras fora do alcance direto do empregador, não tem ele como negociar ou recorrer à arbitragem ou ao Poder Normativo da

Justiça do Trabalho, pois a competência para acolher as reivindicações veiculadas pelos grevistas é do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, editando atos normativos de suas esferas.

7. Assim, nosso ordenamento jurídico não admite a greve política, na medida em que o perfil constitucional do direito de greve (CF, arts. 9° e 114) é o de um direito coletivo dos trabalhadores a ser exercido frente aos empregadores, quando frustradas a negociação coletiva, a arbitragem e o dissídio coletivo. E a jurisprudência pacificada da SDC do TST se firmou nesse sentido.

8. Portanto, quando a motivação da greve desborda para o campo político, dirigida aos Poderes Públicos, na busca de decisões governamentais e ou de edição de leis e atos normativos que refogem ao poder estrito do empregador público ou privado, tem-se que tal greve não se insere no direito coletivo dos trabalhadores, pois a disputa é, na realidade, político-partidária, com os sindicatos operando como braço sindical dos partidos políticos na disputa pela assunção do Poder na sociedade politicamente organizada que é o Estado, ainda que sob a bandeira da luta política de melhora das condições dos trabalhadores.

9. No caso dos autos, de plano se detectou o caráter nitidamente político da greve, pela motivação declinada pelas Entidades Sindicais Suscitadas, resumidas no comunicado de que “suas bases estarão de greve, contra o preço abusivo do combustível e a deposição do Sr. Pedro Parente do cargo de Presidente da Petrobras, bem como os mandos e desmandos do governo Temer”. Daí a conclusão pelo seu caráter abusivo in re ipsa, por não se dirigir à solução de questão laboral no âmbito exclusivo da empresa, ser deflagrada na vigência de acordo coletivo de trabalho, sem nem sequer a alegação de seu descumprimento e qualquer recurso à negociação coletiva.

10. Deflagrada no contexto da greve dos caminhoneiros que paralisou o país no período de 21 a 30 de maio de 2018 e dando-lhe continuidade, houve a determinação judicial de abstenção da greve por parte da Relatora Originária, Min. Maria de Assis Calsing, que foi ostensivamente descumprida pelas Entidades Suscitadas, que alardearam em seus comunicados à população: “Petroleiros não se intimidam com decisão do TST e mantêm greve”.

11. Assim, tendo a greve durado apenas dia e meio dos três originariamente previstos, em face de nova ordem judicial elevando para R$ 2.000.000,00 a multa diária pelo movimento paredista, e caracterizada a abusividade do movimento paredista, é de se julgar procedente o presente dissídio coletivo de greve, dosando-se a sanção originalmente estabelecida, levando-se em conta a capacidade financeira dos sindicatos obreiros, para reduzi-la a R$ 250.000,00 em relação a cada Entidade Sindical Suscitada, autorizando-se as Empresas Suscitantes a proceder à retenção das mensalidades associativas, até o atingimento do montante global das multas, com possibilidade alternativa de execução das mesmas. Dissídio coletivo de greve que se julga procedente, para declaração da abusividade da greve, com aplicação de multas.”

(TST-DCG-1000376-17.2018.5.00.0000, SDC, publ.17/02/2021, Rel.Min.Ives Gandra Martins Filho)

Narciso Figueirôa Junior é assessor jurídico da FETCESP