Leilão de rodovias: empresa nacional na liderança de consórcios não será obrigatória

Como forma de estimular a participação de estrangeiros nos leilões de rodovias da segunda etapa do Programa de Investimentos em Logística (PIL 2), o governo federal vai retirar dos editais a exigência de que os grupos concorrentes sejam liderados por empresas nacionais. Na primeira fase do programa, o edital previa que, no caso de consórcio integrado por empresa estrangeira, a líder seria, obrigatoriamente, uma empresa nacional. Também deverá ser eliminada dos editais a vantagem a grupos brasileiros em caso de empate nos lances.
 
Já havia na primeira etapa do PIL a previsão de atuação de pessoa jurídica estrangeira nos leilões. O proponente estrangeiro deveria cumprir exigências específicas, como ter um representante legal no Brasil e uma declaração de que aceitaria se submeter à legislação brasileira, abdicando de reclamação por via diplomática.
 
As mudanças nos editais foram antecipadas ao GLOBO pela secretária-executiva do Ministério dos Transportes, Natália Marcassa. Entre as 50 empresas habilitadas pelo governo a oferecer estudos para as rodovias que serão concedidas pelo PIL 2, ao menos nove têm participação estrangeira. Muitas delas, porém, são empresas de consultoria ou projeto, o que não assegura a atuação de empresas de fora nos leilões. Estão previstos leilões de trechos de rodovias como BR-101, BR-262 e BR-364, entre outras.
 
 
‘Guinada na posição do governo’
 
Para Claudio Frischtak, fundador da consultoria Inter.B, captar investimento estrangeiro para o setor de infraestrutura é uma das possíveis saídas para a crise que o país atravessa. Frischtak pondera que existe um cenário de dificuldade na engenharia pesada no Brasil e enfatiza que a decisão funciona como uma espécie de medida preventiva, de forma a garantir leilões concorridos num momento em que grandes companhias do setor enfrentam problemas:
 
—A medida vai trazer competição ao setor. O governo vai liberalizar as regras de entrada para não ter um leilão vazio. A abertura do setor é uma tendência em vários mercados no mundo. Ainda temos empresas brasileiras capazes de liderar o processo. Muitos dos grupos envolvidos na Lava-Jato têm grande expertise na área. Mas é preciso viabilizar negócios para retomar crescimento.
 
Para Paulo Fleury, presidente do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos), trata-se de um recado importante para os potenciais investidores estrangeiros:
 
— A decisão marca uma guinada na posição do governo federal, quebrando um tabu no mercado brasileiro. Sinaliza fortemente o interesse de viabilizar outras oportunidades de investimento de fora em setores com grande potencial.
 
Para Paulo Resende, especialista em infraestrutura da Fundação Dom Cabral, a decisão do governo deve-se ao fato de que há uma redução de players no mercado de privatizações de infraestrutura, basicamente por três razões: a crise econômica, que reduz a confiança do investidor; o envolvimento de empreiteiras na Operação Lava-Jato, e o comprometimento das empresas com concessões anteriores, o que reduz sua capacidade de investimento.
 
— É uma quebra de paradigma — disse.
 
O especialista diz que esta foi uma decisão acertada e alerta para a necessidade de se respeitar os contratos:
 
— A confiança do investidor estrangeiro está escorada na estabilidade de contratos de longo prazo.
 
Segundo Resende, países desenvolvidos como Estados Unidos, Alemanha, Austrália e Japão não impõem travas ao investidor estrangeiro. Entre as nações em desenvolvimento, Chile, Índia e África do Sul também permitem a presença majoritária de capital estrangeiro em projetos de infraestrutura.
 
 
Gatilho para duplicação de rodovia
 
Segundo a secretária-executiva do Ministério dos Transportes, a partir da análise de cada empreendimento, o governo vai rever condições que, na primeira fase do programa, eram consideradas pétreas. Outra hipótese em análise é retirar o prazo de cinco anos para a duplicação total das rodovias, substituindo-o por um “gatilho”, em que o concessionário deverá duplicá-las conforme o avanço do tráfego no trecho, sem definição específica de prazos.
 
— Isso (o gatilho) é uma saída para alguns projetos, estamos analisando — disse a secretária.
 
O governo estuda reduzir a exigência de duplicação de 10% do trecho privatizado, no primeiro ano de concessão, para o empreendedor dar início à cobrança de pedágios, conforme antecipou o GLOBO na edição de segunda-feira.
 
A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) do Ministério da Fazenda apresentou sugestões à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) na audiência pública da BR-476, conhecida como Rodovia do Frango em Santa Catarina e Paraná, no sentido de flexibilizar regras.
 
 
Regra definida de acordo com a rodovia
 
A Seae defende flexibilizar exigências dos editais para assegurar concorrência maior nos leilões, diante da crise econômica, que foi agravada no setor de infraestrutura pela Operação Lava-Jato. A BR-476 será a primeira rodovia — de uma série de quatro do PIL 2 — que deverá ser leiloada este ano. O seu edital será publicado até o fim do mês pela ANTT. Natália explicou que cada rodovia está sendo analisada de um jeito. O edital da BR-476 sairá com exigência de 100% de duplicação e percentual de 10% para cobrança de pedágio. Mas a ideia para a BR-163, de Mato Grosso e Pará, é flexibilizar as regras.
 
— O mais importante naquele projeto é terminar de implantar (o pavimento). Ali tem 150 quilômetros que não estão implantados. Vamos botar 100% de duplicação, sendo que a rodovia não está pronta? Então, está sendo feito esse refinamento — explicou Natália.
 
A BR-163 tem distância total de 976 quilômetros e volume de investimento estimado em R$ 6,6 bilhões, o maior entre as quatro rodovias previstas para serem leiloadas este ano. Desde o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 1, no governo Lula, existe a previsão de conclusão do pavimento da BR-163 pelo governo federal, o que ainda não ocorreu. Com o PIL, ficou decidido que a estrada iria ser concedida mesmo antes de ser concluída.
 
Com as discussões sobre a flexibilização das exigências dos leilões, a Empresa de Planejamento e Logística (EPL) suspendeu, no mês passado, o processo de contratação de estudos ambientais para a BR-476 e para a BR-364, de Minas Gerais a Goiás, que também irá a leilão este ano.
 
Indagada sobre a suspensão dos processos licitatórios, a EPL informou que “optou-se por dispor com maior riqueza de informações sobre o reajustamento de preços”. A estatal, ligada ao Ministério dos Transportes, informou, ainda, que, “após essa adequação, será conferida a continuidade do procedimento para contratação dos estudos ambientais das obras”.