Um dia de caminhoneiro na SP restrita

 O motorista Fábio Alves, de 32 anos, que dirige carretas em São Paulo há 6, pode ter tomado a primeira multa de sua carreira ao ignorar o horário-limite de tráfego de caminhões em áreas restritas para trânsito de cargas na capital. Na sexta-feira, Alves saiu às 10h08 da garagem da transportadora Braspress, na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo, para buscar uma carga de 4.600 quilos, no valor de R$ 350 mil, em São Bernardo do Campo. Gastou 1h20 para chegar ao destino. Mas, na volta, estourou o tempo.
 
Ao passar pelo Túnel Maria Maluf, na zona leste, às 17h53, já tinha invadido o horário proibido para os caminhões – das 5h às 9h e das 17h às 22h, durante a semana, e das 10h às 14h aos sábados. E chegou à Marginal do Tietê, território igualmente vetado, às 18h38.
 
"A carga tem de chegar", disse Alves ainda no pátio da Valeo, empresa fabricante de componentes para carros, em São Bernardo, onde carregou durante a tarde, na Rua Rio de Janeiro. A Valeo contrata a transportadora, onde Alves é funcionário, para a distribuição dos produtos automotivos, que são levados para o centro de entregas da Braspress na Vila Guilherme. Lá, a carga é "fracionada" e segue para o comércio de peças no interior paulista e restante do País.
 
Foi uma operação logística que consumiu cinco horas, entre a saída do caminhão da região do Shopping Center Norte e o carregamento da carreta no ABC. A carreta, com capacidade para até 27 toneladas, entrou de volta no pátio da transportadora às 18h45, quase duas horas após o fim do horário permitido.
 
De acordo com o diretor da Braspress, Luiz Carlos Lopes, a restrição imposta aos caminhões pela Prefeitura de São Paulo impede que parte da frota da empresa faça a coleta nas indústrias em horário hábil para recarga. "Você tem de calcular ainda o tempo que o caminhão gasta para rodar na Marginal. Na verdade, isso obriga as empresas a recolher os carros a partir das 16h", reclamou Lopes. "A restrição provoca perdas, como quebra de contrato, na medida em que, se passar da hora e o caminhão for esperar a noite, haverá um atraso com prejuízo para o cliente. Perde-se o dia."
 
A carreta que carregou na sexta-feira à tarde na Valeo tinha de retornar ao pátio para descarga, processamento dos produtos e recarregamento ainda na noite daquele dia. De acordo com o diretor da transportadora, a empresa registra 200 viagens por dia, entre entradas e saídas. "São 6 mil serviços na cidade", disse Lopes, argumentando que nessa outra operação, feita com carros menores, também há restrições da Prefeitura: são duas. A do rodízio e uma outra, que é a da necessidade de alternar o uso de carros, de acordo com o final par ou ímpar das placas. Além da limitação das carretas, protesta o executivo, há limitação dupla nas entregas urbana de menor porte.
 
Na Valeo, empresa que mantém um centro de distribuição de produtos no ABC e movimenta mensalmente mais de R$ 100 milhões, o diretor de Logística para a América do Sul, Ronaldo Carvalhaes, engrossa o coro contra as restrições. Segundo ele, a Valeo não tem o serviço de transporte e contrata seus distribuidores. Ele explicou que a parceria com a Braspress garante o tráfego de mais de 60% da produção de componentes da Valeo.
 
"Nossa operação é de 500 mil peças por mês", afirmou Carvalhaes. O diretor acrescentou que o setor produtivo sofre com as regras brasileiras. "Temos aí burocracia da nota fiscal, que já é um entrave. E cada vez mais restrições locais, como o limite do tráfego urbano", afirmou. "Quando se fala de logística no Panamá, por exemplo, o cálculo é feito em horas. Aqui, conta-se em dias. Tudo isso é custo."

11/3/2012