Sem ferrovia, caminhão leva produção até porto de Santos

O efeito que a ferrovia teria sobre a competitividade da produção agrícola do oeste baiano seria enorme

São campos de algodão a perder de vista. Vive-se a plena safra da pluma no oeste da Bahia. O Cerrado está coberto pela fibra branca. Da porteira para dentro, dizem os fazendeiros, não há do que reclamar. O oeste baiano é hoje o segundo maior produtor de algodão do país, só atrás do Mato Grosso. Da porteira para fora, as coisas se complicam. Durante a noite, os produtores baianos sonham com a data em que a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) vai partir de Ilhéus, varar o sertão e chegar até a porta das suas propriedades. Durante o dia, sofrem com a precariedade da logística nacional.

Hoje, nada menos que 90% do todo algodão produzido na Bahia tem como destino os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR). Diariamente, milhares de caminhoneiros pegam a estrada e seguem rumo ao Sul e Sudeste do país pela BR-020, em viagens superiores a 2 mil quilômetros. Seguir por estrada até Salvador não é uma alternativa, por conta da concentração de soja nesse porto.

"Como lidar com isso? É uma situação inaceitável, não tem o menor sentido, diz o prefeito de Luís Eduardo Magalhães, Humberto Santa Cruz (PP). "O nosso produto é imbatível, tem um preço extremamente competitivo, mas o problema é que também somos os líderes quando se trata de ter o preço de transporte mais caro."

No trecho de 500 km da Fiol que liga a região de Caetité a Ilhéus, a vocação da ferrovia é mineral. Os três blocos principais de ferro já mapeados na região têm reservas de quase 4 bilhões de toneladas. Projetos de empresas como Bahia Mineração e Bahmex foram forjados sobre o plano de construção da ferrovia. A capacidade de produção mineral estimada para a região de Caetité é de 40 milhões de toneladas por ano. Do lado oeste, porém, nos 500 km que ligam Caetité e Barreiras, a razão de ser da Fiol é o agronegócio.

O governo promete entregar esse trecho da ferrovia até dezembro de 2015. As complicações para cumprir essa promessa, no entanto, são muitas. Dos quatro lotes de obra que compõe essa etapa da Fiol, apenas dois – lote 5 e a ponte sobre o rio São Francisco (5A) – têm licença de instalação concedida pelo Ibama. Os lotes 6 e 7, onde há grande incidência de cavernas, ainda dependem do aval do órgão ambiental para serem liberados para obra. Paralelamente, todo traçado de 500 km ainda está paralisado por medida cautelar do Tribunal de Contas da União (TCU), que impediu o início das obras por conta de falhas dos projetos.

O efeito que a ferrovia teria sobre a competitividade da produção agrícola do oeste baiano seria enorme. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima que a conclusão da Fiol entre Barreiras e Ilhéus pode gerar uma economia anual de R$ 1,19 bilhão com transporte em 2020. O empreendimento é um dos nove eixos logísticos que, segundo a CNI, precisam ser priorizados na região Nordeste.

A comparação entre os custos de frete praticados hoje na região dá uma ideia precisa da relevância da ferrovia. Hoje, o preço médio do frete rodoviário praticado entre Luís Eduardo Magalhães e Ilhéus é de R$ 126 para cada tonelada transportada, enquanto a tarifa prevista para o transporte de minério da Bamin sobre os trilhos da Fiol é de R$ 26,88 por tonelada. O preço é ainda inferior à média praticada, por exemplo, na malha ferroviária da empresa América Latina Logística (ALL), onde o custo por tonelada transportada oscila entre R$ 67 e R$ 78 na malha Sul, entre os Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

"Não há nenhuma dúvida sobre a importância que essa ferrovia tem para o Nordeste e para o país. É lamentável que uma obra dessa relevância esteja vivendo uma execução tão penosa", diz José de Freitas Mascarenhas, presidente do Conselho Temático de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A demora em ver os trilhos da Fiol despejou uma boa dose de ceticismo sobre o agricultor baiano. "Nós sentimos que o governo do Estado demonstra algum interesse em ver a ferrovia chegar até aqui, mas a verdade é que esse trecho não é prioridade, então fica muito difícil para o produtor contar com isso", comenta Ivanir Maia, diretor de relações institucionais da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba).

Na safra 2012/2013, a região oeste da Bahia produziu 473 mil toneladas de pluma. Dessa produção, 74% foi enviado para o exterior. Só a China comprou 37% do algodão, com movimentação de US$ 712 milhões.

Os grãos também têm relevância. A soja, que é a principal cultura da região, ocupa uma área de 1,285 milhão de hectares, com negócios avaliados em R$ 2,1 bilhões. No caso do milho, o volume total estimado é de 1,9 milhão de tonelada, gerando negócios de R$ 820 milhões. Mesmo sob o efeito da pior seca dos últimos 50 anos e a proliferação de uma lagarta que ajudou a prejudicar a produção, o resultado da safra 2012/2013 chegou a 5,3 milhões de toneladas e gerou receita total de R$ 5,3 bilhões.

"Nossa região tem toda a possibilidade de dobrar o volume de produção em uma década, em função da área que ainda temos para expandir e de novas tecnologias, mas para que isso aconteça, dependemos de logística. Se não tem como escoar, não tem por que expandir", diz Ivanir, da Aiba. "Nosso medo é ver a Fiol se transformar em uma Ferrovia Norte-Sul, que está em construção há mais de 25 anos e até hoje não foi concluída."

Apesar da desconfiança do produtor em relação à chegada da Fiol, o governo baiano garante que o projeto vai sair. Do lado federal, o ministro dos Transportes, César Borges, também diz esperar uma resposta imediata do TCU, liberando o início das obras no trecho oeste da ferrovia. As empreiteiras responsáveis pela construção da estrada de ferro estão contratadas há três anos, mas até hoje não houve nenhuma execução de obra física nesses 500 km do traçado. O governo diz ter atendido todas determinações feitas pelo TCU e espera que ao menos dois lotes entre Barreiras e Caetité sejam liberados nos próximos dias.

"A Bahia é um Estado enorme, do tamanho da França. Não é possível desenvolver um território dessas proporções sem projetos que integrem o agronegócio, a indústria e a produção mineral", diz Rui Costa, secretário da Casa Civil do governo baiano. "Nós sempre carecemos de uma infraestrutura logística que permitisse desenvolver o nosso interior. Hoje cerca de 30% da população vive no litoral e 70% no interior. A Fiol é a obra que viabiliza essa integração."