Rio Grande do Sul encara o desafio de destravar as hidrovias

A construção de um novo polo naval gaúcho, às margens do Jacuí, não representará apenas a interiorização da indústria oceânica, mas a possibilidade de renascimento de uma riqueza pouco explorada no Estado: os rios como via de transporte.
 
Será pelas hidrovias que peças gigantes para plataformas de petróleo fabricadas em Charqueadas farão parte da viagem até os estaleiros onde será feita a montagem final.
 
— O potencial hidroviário do Rio Grande do Sul tem sido até agora uma promessa e uma utopia. Com a instalação do polo naval do Jacuí, essa hidrovia passa a ser uma estrutura efetiva que só tende a se desenvolver — prometeu o governador Tarso Genro durante lançamento do polo, ontem, no Palácio Piratini.
 
Mesmo quem luta há anos para ver esse plano zarpar — ou por isso mesmo — encara a hipótese com certo ceticismo. Atualmente, as vias fluviais movimentam apenas 3% do transporte no Estado. Um dos problemas está na distância entre a indústria e o rio.
 
— A natureza ajudou, mas o homem atrapalhou. Há empresas que desejam se instalar à beira de rios, mas desistem ao descobrir a dificuldade em conseguir licença ambiental. Existe temor que a atividade degrade o rio, mas é justamente o contrário, porque há manutenção. Pior é deixar o rio abandonado — diz Fernando Becker, presidente do conselho de administração da Trevisa, controladora da Navegação Aliança.
 
Para a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), o polo do Jacuí poderá representar bem mais do que a criação de ligação entre Charqueadas e Rio Grande. O superintendente Pedro Obelar aposta na reativação do transporte de passageiros. Os rios e lagoas ajudariam a desafogar as rodovias gaúchas, já saturadas de caminhões.
 
Transporte fluvial faz a diferença, afirma Graça
Para possibilitar o uso dos rios como transporte de cargas dos polos do Jacuí e petroquímico até o porto de Rio Grande, serão investidos R$ 40 milhões na dragagem e sinalização noturna das hidrovias. Somente o Jacuí absorverá R$ 4 milhões em recursos a curto prazo. O secretário de Infraestrutura e Logística, Beto Albuquerque, garante que há mais de mil quilômetros de hidrovias que poderiam ser aproveitados, dependendo de uma série de melhorias, como alargamento das margens, dragagem e sinalização. No entanto, apenas 283 quilômetros estão em condições de uso, argumenta Paulo Renato Menzel, coordenador do fórum de infraestrutura e logística da Agenda 2020.
 
— O Rio Grande do Sul e o Amazonas são os dois Estados com as melhores condições para a navegação, mas estamos aproveitando muito pouco. As hidrovias precisam de um polo de carga em cada ponta, e várias empresas que demandem esse serviço ao longo do trecho para dar escala, e isso não temos — observa Menzel.
 
Na cerimônia do lançamento do polo do Jacuí, a presidente da Petrobras, Maria das Graças Fortes, elogiou a iniciativa do governo em descentralizar a produção da indústria naval utilizando hidrovias:
 
— Quando se investe em outra região, que tem capacidade de escoamento fluvial faz toda a diferença.
 
A travessia que conquistou
A quantidade de passageiros que utilizam a travessia por barco entre Guaíba e Porto Alegre — 5 mil só no último fim de semana —, atraídos pela agilidade, na comparação com a rodovia, é combustível para uma expansão que se avizinha.
 
Ontem, a EPTC apresentou à Capitania dos Portos os projetos da linha da Ilha da Pintada e da escala na zona sul da Capital, entre o cais do porto e Guaíba. Como no trajeto desde Guaíba, esses novos traçados deverão ser operados pela Catsul em formato de teste, com duração de um ano. Se também derem certo, deve ser aberta licitação. A proposta mais recente é construir um terminal no Estádio Beira-Rio, onde ocorrerão os jogos da Copa do Mundo.
 
Rios grandes do Sul
Transportar cargas e pessoas pela água faz parte da história do Rio Grande do Sul. Basta dizer que, dos quatro primeiros municípios do Estado, pelo menos três — Rio Grande, Rio Pardo e Porto Alegre — cresceram, em grande medida, a partir de seus portos. Rio Grande até hoje se destaca, com um dos portos mais movimentados do Brasil e do Mercosul.
 
Especialmente entre as décadas de 1940 e 1950, rios como o Jacuí e o Taquari, além da própria Lagoa dos Patos, eram rota movimentada para escoar produtos e pessoas. Na Capital, por exemplo, muita gente ia comprar frutas trazidas pelos barcos que atracavam no cais. Isso sem falar na tradição das procissões fluviais de Navegantes em diferentes regiões do Estado, especialmente o Litoral.
 
Polo naval do Jacuí
Recém-nascido, o polo naval do Jacuí começa a se desenvolver com seis empreendimentos de fabricação de módulos e equipamentos para plataformas de exploração de petróleo.
 
Além da Iesa Óleo & Gás, que foi atraída pela indústria naval, gaúchas como Intecnial de Metasa vão investir em unidades industriais em Charqueadas e Taquari.
 
Com sede em Erechim, a Intecnial irá investir R$ 30 milhões no já existente estaleiro de Taquari para fabricação de módulos elétricos — uma espécie de central nervosa da plataforma marítima.
 
— Seremos fornecedores para construtores de plataformas. São módulos de quase mil toneladas, com mais de 25 metros de comprimento, que serão transportados por hidrovias — explica o diretor superintendente da Intecnial, Fernando Augusto Becker, acrescentando que a instalação deve ser concluída no próximo ano.
 
Fabricante de estrutura metálicas com sede em Marau, a Metasa deve investir R$ 120 milhões em nova unidade em Charqueadas. A previsão é de que a planta entre em operação no primeiro semestre de 2013, com a geração de 600 vagas.
 
O estaleiro da Iesa no polo do Jacuí, investimento de R$ 100 milhões da Iesa, tem cais implantado e deve iniciar as operações no primeiro trimestre de 2013. Com contrato assinado com a Petrobras, no valor de US$ 720 milhões, a empresa fabricará de 24 a 32 módulos destinados a seis ou oito plataformas — o número ainda é indefinido — de exploração marítima de petróleo que serão acopladas no Rio de Janeiro e no Espírito Santo.
 
— Os módulos sairão de balsa de Charqueadas e serão levados até o Sudeste, onde serão integrados — explicou o presidente da Iesa Óleo & Gás, Valdir Carreiro, acrescentando que mão de obra gaúcha terá preferência no preenchimento de 1,2 mil vagas.
 
Outras três empresas, UTC Engenharia, Engecampo e Tomé Engenharia, confirmaram investimentos no polo do Jacuí.
 
— Foi uma grande sacada do governo gaúcho não deixar todas as empresas empacotadas no mesmo lugar, o que acabaria criando alguma ineficiência — observou a presidente da Petrobras, Maria das Graças Fortes.