Renovação de caminhões esbarra nas dificuldades dos autônomos

Depois de 6.000 quilômetros -numa viagem longa e cansativa a Belém do Pará-, o caminhoneiro Gilberto Simplício, 65, chega com seu Scania 1977 ao porto de Santos. 

Há 44 anos, Simplício corta o país montado num "jacaré", apelido dos caminhões remendados que elevam a mais de 20 anos a média de idade da frota nacional. Simplício tem sido o alvo ainda inalcançável do Pró-Caminhoneiro, dedicado a renovar os veículos dos autônomos, que são hoje metade dos caminhoneiros do país.
 
E é nessa parcela que o projeto do governo Lula, lançado em 2007, tem falhado em promover a troca de caminhões antigos e improdutivos por novos e eficientes.
 
Simplício nunca pilotou um zero-quilômetro. "Nunca tive medo de estrada, mas morro de medo de financiamento." Preferiu pagar 32 parcelas mensais de R$ 2.233,00 pelo Scania velho a tomar um empréstimo mais caro para um novo caminhão. 
 
Como o dele, a estimativa é que mais de 300 mil caminhões obsoletos ainda rodem pelo país.
 
O próprio BNDES, responsável pelos recursos do Pró-Caminhoneiro, admite o impasse. "Talvez a meta de reduzir de 20 para 10 anos a idade média tenha de ser revista. O plano era fazer isso em 10 anos, mas talvez só seja possível em 15 anos", diz Paulo Sodré, chefe do Departamento de Máquinas e Equipamentos do banco.
 
Segundo Sodré, em 2012 o banco liberou R$ 503 milhões para autônomos trocarem seus caminhões. Em 2011, a cifra havia sido de R$ 1,3 bilhão. Em 2010, auge do programa, a categoria usou R$ 5,7 bilhões.
 
Mas, apesar do plano original, essas trocas não significaram aposentadoria dos "jacarés". Não há estatísticas, mas é certo que boa parte dos caminhões trocados voltam às estradas. O Scania de Simplício é exemplo.
 
Sodré afirma que o BNDES ainda estuda uma maneira de destruir os caminhões velhos. Mas esse é apenas um dos problemas.
 
Das vendas da Volkswagen, líder no país, 90% dependem do Pró-Caminhoneiro, destinado aos autônomos, e do Finame, para grandes transportadoras.
 
Em 2012, as empresas de transportes tomaram do Finame R$ 18,6 bilhões, menos do que os R$ 23,5 bilhões de 2011, mas o suficiente para renovar veículos dos frotistas.
 
"Nas empresas transportadoras, a idade média é de 2 a 3 anos. O problema está entre os autônomos, que não têm condições de oferecer garantias reais aos bancos", diz Roberto Cortes, presidente da Volks América Latina.
 
Juros de 3,5% ao ano e prazos superiores a 40 meses são condições muito especiais, mas Cortes acredita que os autônomos estão presos num ciclo vicioso: com velhos e improdutivos caminhões, eles ganham apenas para a subsistência e não conseguem construir patrimônio que seja uma "garantia real".
Enquanto o programa não decola, Marcelo de Carvalho segue cuidando do Mercedes-Benz 1964, achado num canto de uma oficina.
 
Ele transporta contêineres vazios entre os terminais de Santos, a R$ 170 por viagem. Ganharia mais de R$ 300 se o "jacaré" aguentasse contêineres cheios.
 
Para quebrar o ciclo, a Desenvolve SP, agência de fomento paulista, montou um programa na Baixada Santista. O objetivo é trocar mil caminhões, e o acordo prevê a destruição do antigo. Até agora, há 58 pedidos e 10 negócios "quase" fechados.
 
Mas nem com o subsídio do juro de 3,5% garantidos pelo programa Carvalho tomou coragem. O principal receio ainda é a dívida. 
31/3/2013