“O setor mais crítico é portuário”

"O produto nacional já perde competitividade frente ao concorrente estrangeiro", alerta o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade. "Um exemplo é a soja, que no campo tem excelente preço, mas que, por conta dos fretes, chega à Europa e à China mais cara do que a produzida nos Estados Unidos." Em entrevista ao Estado, ele defende medidas urgentes para resolver os problemas da infraestrutura.
 
Na sua avaliação, quais hoje são os reais nós da infraestrutura no Brasil?
 
O Brasil tem problemas em todas as áreas de logística, desde ferrovias, que por muito tempo ficaram abandonadas, até portos e aeroportos, passando pelas rodovias. Num país de dimensões continentais, com polos produtores nas cinco regiões geográficas, movimentação interna de produtos para abastecer o mercado consumidor e exportações crescentes, uma logística que funcione e seja barata é fundamental para garantir o abastecimento e criar competitividade frente aos concorrentes estrangeiros. O setor mais crítico talvez seja o portuário. O decreto 6.620, de 2008, é um freio ao investimento privado nesse setor. Isso tem de ser mudado, porque o investimento privado é fundamental para recuperar os portos. Outro problema desse setor é a administração pública, que é ruim. É preciso passar a administração dos portos para empresas privadas, que têm mais capacidade gerencial. Outro gargalo desse setor importante de mencionar é o acesso terrestre, que é deficiente na maioria dos portos. Na questão ferroviária, nossa malha é pequena se comparada a países desenvolvidos e outros em desenvolvimento. São quatro quilômetros de trilhos por mil quilômetros quadrados de território, frente a 21 nos Estados Unidos e na Índia, por exemplo. Os aeroportos não receberam investimentos proporcionais ao aumento da demanda, tanto de passageiros quanto de transporte de cargas. As rodovias que não foram concedidas à iniciativa privada têm qualidade péssima ou ruim.
 
De que forma resolver esses entraves na velocidade necessária?
 
Precisaríamos ter a questão logística resolvida para ontem, porque o produto nacional já perde competitividade hoje frente ao concorrente estrangeiro. Um exemplo é a soja, que no campo tem excelente preço, graças aos investimentos dos produtores em tecnologia e em máquinas e implementos agrícolas, mas que, por conta dos fretes, chega à Europa e à China mais cara do que a produzida nos Estados Unidos. Aqui, o transporte chega a representar 28% do custo total da tonelada da soja, ante 15% nos Estados Unidos. Precisamos de estratégia, de pesados investimentos e de maior participação da iniciativa privada. O Estado não tem condições de investir sozinho o tanto que o setor precisa, que seria em torno de 5% do PIB ao ano. Por isso, aumentar o número de concessões às empresas, em todos os setores, é fundamental para garantir capacidade de investimento e também concorrência na operação, o que reduz preços. No setor portuário, por exemplo, esperamos que haja a reformulação do decreto 6.620 e o início da concessão das administrações dos portos.
 
Qual a sua avaliação do PAC 2? Quais foram os avanços e o que ainda não foi contemplado?
 
O PAC 2 é, sem dúvida, muito importante e continua avançando, mas é preciso ressaltar que a velocidade dele não é suficiente para resolver os problemas logísticos. A burocracia e a gestão pública deficiente travam os avanços do programa. O PAC 2 tem 400 obras, então não adianta falar do que não foi contemplado, mas sim realizar aquilo que foi planejado. Precisa ser dada prioridade para os portos e usar estratégia, para investir primeiro nos projetos que darão maior retorno.
 
Qual é a situação dos portos e o que achou da proposta de uma agência para o setor?
 
Um dos problemas do setor dos transportes é a segmentação: são muitos órgãos de governo para um só setor. Por isso, não acreditamos que uma agência própria para os portos seja o melhor caminho, até porque a Antaq tem condições de regulá-los. Acho importante pensar o transporte do ponto de origem até o final, pensando na cadeia logística. Quanto mais segmentado, menos se pensa de forma integrada.
 
No setor elétrico, há risco de apagão se a economia voltar a crescer?
 
No momento, acredito que não. Os reservatórios das hidrelétricas estão em níveis até certo ponto confortáveis e as térmicas a óleo e a gás estão prontas para serem usadas. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) tem um planejamento eficiente e a execução no setor é boa, existem prazos para entrar energia nova. Quando há descumprimento de prazos, providências são tomadas. Além disso, temos um sistema de linhas de transmissão reforçado, fruto de investimentos corretos e de leilões bem feitos. Na verdade, o problema do setor elétrico não é de abastecimento, é de preço. E esse problema está sendo resolvido com o novo pacote.
 
Nas rodovias, o que falta fazer e qual o modelo ideal de pedágios: pela menor tarifa, como está fazendo o governo Dilma, ou pelo investimento, como na gestão FHC e no modelo paulista?
 
As rodovias precisam de projetos bem feitos para tocar o pacote que foi lançado. O pacote é muito grande, basta citar que vai se conceder à iniciativa privada 56% a mais do que já foi concedido até hoje. Qualquer que seja a modelagem adotada pelo governo, que vai ser estudada caso a caso, tem de ser cumprida pelas empresas que ganharem os contratos. E, nas rodovias que continuarem sob administração pública, será preciso melhorar a qualidade dos projetos e a gestão.
 
Quais PPPs em infraestrutura têm mais chance de sucesso?
 
As PPPs se aplicam aos setores que o governo quer transferir para a iniciativa privada, mas que não têm viabilidade econômica total para isso. A recente medida provisória do projeto de PPPs dá mais fôlego para que Estados e municípios façam as parcerias, porque, entre outras coisas, aumenta de 3% para 5% o limite de comprometimento do orçamento com PPPs. A elaboração de projetos e a modelagem de contratos de PPPs são muito mais complexas do que as concessões, porque exige a contrapartida do Estado. O Brasil ainda está aprendendo a fazer PPPs. A própria administração portuária pode ser pela criação de uma empresa de propósito específico sob um contrato de PPP, assim como investimentos em saneamento básico também têm boa possibilidade de atuar sob PPPs.
 
Estudam-se várias formas de financiamento para as PPPs, como por exemplo  a captação de recursos via debêntures ou papéis similares. Qual é a sua avaliação destes mecanismos?
 
É um mecanismo muito importante. O Brasil tem um mercado de debêntures incipiente ainda, mas já tem uma nova regulamentação, que deve impulsionar o setor. É uma forma eficiente de captação de recursos para investimentos em infraestrutura.
 
A criação da EPL é um avanço?
 
Com certeza, é um avanço. Aliás, é algo que foi demandado pela CNI e que o governo atendeu. A nossa expectativa é que, uma vez em funcionamento, a EPL tenha condições de priorizar a aplicação dos recursos disponíveis por meio do melhor planejamento estratégico, do estudo de qual investimento trará maiores ganhos e em menor tempo. Não basta construir uma rodovia do nada a lugar algum, tem de construir onde vai ajudar mais no escoamento da produção. Às vezes, R$ 10 milhões num trevo de acesso pode significar uma melhora maior do que R$ 100 milhões numa estrada nova. Para isso é que serve o planejamento, para racionalizar e priorizar o uso dos recursos disponíveis.
 
O Brasil tem hoje mão de obra especializada (engenheiros, por exemplo) e empreiteiras capazes de viabilizar os projetos em tempo hábil?
 
Temos empresas nacionais habilitadas, que fazem obras complexas no mundo todo. A engenharia brasileira é de nível internacional e assim é reconhecida mundialmente. Mas não podemos negar que temos um déficit de mão de obra no setor, resultado de muitos anos de um nível baixíssimo de investimentos. Retomar isso de uma hora para outra não é trivial. O Senai cumpre um papel fundamental nisso, formando profissionais de nível técnico altamente capacitados. Mas formar o número de trabalhadores de que o mercado necessita leva tempo. Essa questão será tema do terceiro fórum de debates que a Agência Estado e o Estadão estão promovendo com o apoio da CNI.
 
Qual é a sua avaliação dos custos das obras que estão por vir em relação às rodovias e ferrovias, especificamente?
 
Esses custos seguem uma lógica de mercado e obedecem o que for estabelecido nas licitações que o governo fizer.
 
Em relação aos aeroportos, o modelo previsto para Confins, Tom Jobim e Guarulhos pode ser repensado para aeroportos menores?
 
Estamos esperando, com o pacote de portos, o de aeroportos. A questão central é passar a administração dos aeroportos à iniciativa privada, profissionalizar a gestão. Aeroportos menores podem atuar sob o modelo de PPPs ou até continuar sob a administração do governo. Não há viabilidade econômica para os explorar comercialmente. É preciso rever os projetos e a gestão que o governo faz desses aeroportos.