Para o IPEA, o modelo de transporte público é inadequado

Estopim das manifestações de rua que agitaram o País no mês passado, o preço da tarifa de ônibus no Brasil reflete um modelo de financiamento que está esgotado, na medida em que tem como principal fonte as passagens pagas pelos usuários. O diagnóstico faz parte de uma nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que classifica o modelo brasileiro como inadequado e propõe alternativas de financiamento, que vão do uso de dinheiro público até a criação de impostos, além da cobrança de pedágio e taxas de quem tem carro.

Sob o título Tarifação e financiamento do transporte público urbano, a nota aponta que o valor das tarifas de ônibus no País subiu, em média, 67% acima da inflação no período de 2000 a 2012. “Não é à toa que as coisas chegaram a esse ponto em termos de insatisfação popular”, disse o pesquisador Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, um dos nove autores do estudo.

De um lado, segundo o pesquisador, a tarifa subiu mais do que a inflação devido ao corte gradativo de subsídios ao óleo diesel e à incorporação de avanços tecnológicos, como a menor emissão de gases poluentes. De outro, houve uma diminuição de cerca de 20% do número de passageiros, isto é, de quem paga a conta.

Carvalho afirmou que a cidade de São Paulo é uma exceção, pois usa recursos orçamentários para bancar 20% dos custos do sistema de transporte público. No restante do País, segundo ele, a regra é que os usuários arquem com todas as despesas. Nas cidades europeias, a conta é dividida, com a tarifa bancando 50% dos custos e outras fontes, o restante. Para Carvalho, o modelo brasileiro inviabiliza a melhoria e expansão do transporte público. Ele defende a diversificação de fontes de financiamento, com peso maior nos donos de carros. “Uma boa rede de transporte beneficia toda a sociedade.”
Carvalho argumentou que o crescimento do número de carros circulando gera congestionamentos que, por sua vez, encarecem as tarifas de ônibus. Ele afirmou que os engarrafamentos podem responder por cerca de 25% do custo da tarifa, na medida em que obrigam as empresas a pôr mais ônibus em circulação no mesmo horário. “Você tem que transferir renda de usuários do transporte privado para o transporte público. Por quê? Porque esses usuários causam impacto sobre o custo do transporte público.”

Entre as alternativas de financiamento sugeridas pelo estudo do Ipea, estão a criação de taxa sobre combustível para veículos individuais, aumento do IPVA e cobrança de estacionamento e de pedágio em vias públicas. Para garantir que o dinheiro seja aplicado no sistema de transporte, ele enfatizou que é preciso haver regulação do setor.

Carvalho chamou a atenção para o fato de que, em muitas cidades brasileiras, os usuários de ônibus acabam pagando pelo passe livre dos estudantes e de outros segmentos, como idosos, o que seria indevido, pois coloca sobre os ombros de uma parcela mais pobre da população a responsabilidade de arcar com políticas sociais.

Militante do Movimento Passe Livre, o antropólogo Paíque Duques destacou que milhões de pessoas não utilizam transporte coletivo por falta de dinheiro, o que prejudica especialmente quem está desempregado. Ele falou ainda que é preciso analisar também o lucro das empresas. Segundo o Ipea, dentre os 10% dos brasileiros mais pobres, quase um terço (30%) não anda de ônibus.

O movimento defende tarifa zero para toda a população bancada por recursos públicos. “Ninguém questiona a saúde ou a educação serem custeadas pelo conjunto da população. Como nós estamos percebendo agora que, sem transporte, a sociedade não existe, a cidade não funciona, ele é um serviço público, um direito essencial. Por isso, tem que ser custeado pelo conjunto da população”, afirmou Paíque.