Novas rotas para destravar o nó logístico

Os três Estados do Sul, que hoje respondem por 17% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, projetam anos de pujança para suas economias. Em 2020, a agropecuária local prevê produzir 204 milhões de toneladas de alimentos, 27% mais do que em 2010. A produção mineral e florestal crescerá 81%, para 155 milhões de toneladas, e a indústria, que em 2010 gerou 160,5 milhões de toneladas em mercadorias, espera chegar a quase 250 milhões de toneladas no final da década.
 
Escoar essa produção coloca em xeque a estrutura logística da região. A j á saturada rodovia federal BR-116 pode se tomar intransitável. Em seu trecho mais movimentado, entre Curitiba e São Paulo, deverão trafegar, em 2020, quase 260 mil toneladas diárias de produtos, volume que supera em 472% a capacidade ideal de uso das atuais pistas. Entre Caxias do Sul, importante polo metalmecânico, e Porto Alegre, a BR-116 será exigida em 209% acima de sua capacidade. Outra artéria entupida será a BR-101. Um ceramista de Criciúma enfrentará uma estrada com trânsito 411% superior ao ideal para fazer entregas na capital catarinense, Florianópolis.
 
As condições de uso de portos, aeroportos e ferrovias não serão melhores. A malha ferroviária ligando Curitiba e Paranaguá precisará transportar 67 mil toneladas diárias, quase o dobro da carga atual. No final do trajeto, a mercadoria ainda encontrará o porto de Paranaguá operando em situação crítica. Os portos de São Francisco do Sul e de Itajaí, em Santa Catarina, não serão opção alternativa para o comércio exterior, pois também estarão saturados.
 
Se nada for feito para melhor a infraestrutura, em 2020 os gastos das empresas com o transporte de suas mercadorias, levando-se em conta apenas frete, pedágios, transbordo e tarifas portuárias, deverão somar R$ 47,8 bilhões.
 
A conta hoje é de R$ 30,6 bilhões e já consome 5,7% do PIB da região. Quando se somam outras despesas logísticas, como armazenagem e operação de centros de distribuição, as empresas da região gastam acima de 16% de suas receitas com o transporte de sua produção, relatam dirigentes das três federações de indústrias do Sul.
 
Na média nacional, conforme estudo da Fundação Dom Cabral, as empresas brasileiras comprometem 13,1% de suas receitas com custos logísticos, que alcançam 12% do PIB. Nos Estados Unidos, esta participação é de 8%. "Em pesquisas junto a nossos associados, a questão logística é, de forma disparada, a que mais gera apreensão", diz Glauco José Corte, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc).
 
Para Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), destravar os nós que amarram a logística do país é uma prioridade "para ontem". Segundo o empresário, os custos de transportes no Brasil, em média superiores aos verificados em outros países, diminuem seu poder de competição no mercado internacional. Ele cita como exemplo a soja, que no campo tem excelente preço, graças aos investimentos dos produtores em tecnologia e em máquinas e implementos agrícolas, mas que, por conta das dificuldades e custos do transporte, chega à Europa e à China mais cara do que a produzida nos Estados Unidos. "Somos muito bons da porteira da fazenda para dentro, mas essa vantagem competitiva é enormemente prejudicada da porteira para fora."
 
Para auxiliar o poder público a enfrentar os gargalos logísticos esperados em 2020, a CNI e as federações de indústrias dos Estados do Paraná (Fiep), Rio Grande do Sul (Fiergs) e Santa Catarina (Fiesc) encomendaram à consultoria Macro- logística um estudo sobre a evolução da produção regional e a movimentação de carga resultante, mais a carga que passa pela região para outros destinos, como os grãos do Centro-Oeste que usam os portos do Sul e a produção industrial paulista com destino aos países do Mercosul. Com esses dados em mãos, foram delineados os investimentos necessários para adequar a estrutura de transportes à demanda. Um levantamento aos moldes do Norte Competitivo, estudo que resultou ; em um programa de 73 obras avaliadas em R$ 13,8 bilhões. As necessidades do Nordeste, do Centro- Oeste e do Sudeste também estão sendo analisadas pela consultoria.
 
Na região Sul, a Macrologística analisou 79 eixos logísticos, entre corredores existentes, mas que precisam de melhorias, e novos. Chegou a um total de 177 iniciativas necessárias, sendo 117 com abrangência nacional e outras 60 que promovem a integração com os vizinhos Paraguai, Uruguai, Argentina e Chile. Um catálogo de obras, reunidas no projeto Sul Competitivo, orçado em R$ 70,3 bilhões.
 
Como constatam os consultores Olivier Girard e Renato Pavan, responsáveis pelo estudo, angariar um montante de recursos dessa ordem não é tarefa sim- pies. Por isso, eles depuraram o projeto para identificar as obras essenciais. Eliminaram propostas que geram alguma redundância e aquelas que, apesar de serem importantes em suas microrregiões, podem ficar para uma segunda etapa de execução. Os consultores também avaliaram o impacto socioambiental de cada obra e o retorno econômico de cada investimento. Chegaram a um conjunto de oito eixos de integração prioritários, que exigirão 51 obras para melhorar a infraestrutura ou implementar novos corredores.
 
Esses 51 projetos, que possuem o mérito de abranger todas as principais mesorregiões produtoras do Sul e todos os portos, exigem investimentos de R$ 15,2 bilhões e, uma vez realizados, são capazes de gerar uma economia anual de R$ 3,4 bilhões, reduzindo em 7%, ou seja, para R$ 44,8 bilhões, a conta de transporte de mercadorias em 2020. "Além de aumentar nossa competitividade internacional e reduzir preços ao consumidor brasileiro, os recursos economizados com esses investimentos ficariam na região, dinamizando a economia local", diz Heitor José Muller, presidente da Fiergs.
 
Cinco dos oito eixos de integração prioritários já existem, mas demandam intervenções capazes de ampliar de forma significativa a capacidade de fluxo. Entre os projetos que podem gerar maior impacto está o eixo de integração da BR-116, entre São Paulo e Porto Alegre. Quatro obras, orçadas em R$ 1,5 bilhão, têm o potencial de gerar uma economia anual de R$ 1,71 bilhão em 2020. São elas: a duplicação do trecho da serra do Cafezal, entre Miracatu e Juquitiba, ainda em São Paulo, um trajeto com alto índice de acidentes que atravancam o trânsito e ainda cobram um alto preço em vidas humanas; a duplicação do Contorno Norte de Curitiba e a duplicação da pista até Mandirituba (PR), além da adequação da rodovia entre Dois Irmãos (RS) e Porto Alegre.
 
"A ligação do Sul com o resto do país hoje depende da BR-116. É urgente a eliminação deste gargalo na serra do Cafezal, um problema que se arrasta há anos", diz Edson Luiz Campagnolo, presidente da Fiep. A duplicação de Cafezal, sob responsabilidade da concessionária OHL, é orçada em R$ 330 milhões, mas ainda depende de licença ambiental. A previsão é que seja concluída até 2014.
 
Quando pronta, a obra ajudará a destravar outros dois eixos prioritários. A ligação pela BR-101 entre São Paulo e Caxias do Sul (RS), que depende ainda de outras cinco intervenções, tem potencial de economia de R$ 1,56 bilhão por ano para um investimento de R$ 817,2 milhões. O outro eixo é a integração internacional entre São Paulo e Buenos Aires, via São Borja (RS), que depende, além da obra na serra do Cafezal, de adequações na BR- 153, entre General Carneiro (PR) e Paulo Frontin (PR), e na BR-476, entre Lapa (PR) e São Mateus do Sul (PR). As melhorias podem gerar em 2020 uma redução de custo anual de R$ 1,64 bilhão.
 
Entre os eixos já existentes, dois outros também precisam passar por melhorias. A ligação pela BR-285 entre Passo Fundo (RS) e o porto de Imbituba (SC), onde investimentos de R$ 219,5 milhões podem gerar uma economia de R$ 291,7 milhões por ano. E a integração rodoviária do oeste catarinense com o litoral, de São Miguel do Oeste até o porto de São Francisco do Sul, que ajudaria a escoar a produção de importantes regiões produtoras de carne suína e de frango, como Chapecó.
 
O projeto Sul Competitivo prevê a criação de três eixos novos. Dois deles, ao apostarem no desenvolvimento ferroviário, atendem a uma antiga reivindicação de industriais e governantes da região: diversificar a matriz de transportes. "Hoje, 90% da carga gaúcha é transportada por rodovias, precisamos equilibrar a oferta", diz Beto Albuquerque, secretário de Infraestrutura e Logística do Rio Grande do Sul. O Estado se programa para impulsionar o desenvolvimento das hidrovias e ainda prevê a construção de terminais no porto de Rio Grande para recepcionar mercadorias transportadas pela navegação interna.
 
A obra ferroviária de maior impacto na região é a construção do trecho de 1.620 quilômetros da Ferrovia Norte-Sul entre Panorama (SP) e o porto de Rio Grande. O investimento é estimado em R$ 7,9 bilhões e pode gerar uma economia anual de R$ 755 milhões em 2020.
 
A ferrovia é uma unanimidade na região. Como define José Richa Filho, secretário de Infraestrutura e Logística do Paraná, "é a oportunidade de integrar as cadeias produtivas que estão no oeste dos três Estados com o Centro-Oeste do país, fornecedor de insumos, e com o Sudeste, grande mercado consumidor, além de proporcionar conexões que ligam aos portos da região". As granjas catarinenses produtoras de suínos e frangos dependem do milho trazido de caminhão de Goiás e Mato Grosso. É um modelo que encarece a produção. Muitos frigoríficos do Sul estudam migrar para o Centro-Oeste para reduzir esse custo", diz Glauco Corte, da Fiesc.
Apesar da importância para a região, a Norte-Sul havia sido alijada do PAC Concessões, anunciado em agosto. A proposta do governo federal era priorizar a revitalização de uma estrada de ferro construída no século XIX entre São Paulo e Porto Alegre, próxima ao litoral. A ideia gerou descontentamento de lideranças políticas e empresariais e o governo voltou atrás. Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), informa que as duas ferrovias, a Norte-Sul e a São Paulo-Porto Alegre, serão levadas adiante e que a Valec, estatal responsável pela expansão ferroviária do país, já está autorizada a contratar os estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental das duas obras, etapa que deve ser concluída em 2013.
 
Outro eixo ferroviário proposto no Sul Competitivo é a ligação de Mato Grosso do Sul e o interior do Paraná com os postos de Paranaguá e de São Francisco do Sul. A ferrovia partiria de Maracaju (MS), passaria por Guaíra, no Paraná, seguiria até Cascavel, onde se ligaria à malha já existente da Ferroeste até Guarapava, trecho ferroviário que será cortado pela Norte-Sul. Uma outra extensão levaria os trilhos até Engenheiro Bley, de onde partiriam duas novas ligações, uma em direção ao porto de Paranaguá e outra em direção ao porto de São Francisco do Sul. Os dois portos ainda seriam interligados por trilhos, formando um anel ferroviário. "Esta é uma obra que traria grande benefício ao oeste do Estado, onde estão importantes cooperativas do agronegócio",diz Campagnolo, da Fiep.
 
O Paraná também é o beneficiário do novo eixo rodoviário da Boiadeira, ligando, por meio da expansão e adequação da BR-487, Porto Camargo, no extremo oeste, ao porto de Paranaguá, no qual o governo paranaense planeja estimular investimentos públicos e privados de R$ 5 bilhões até 2020 para sua expansão, com a construção de novos berços de atracação, novos armazéns e melhorias de acesso.
 
Entre as 51 obras propostas no programa Sul Competitivo, 12 já estão em andamento, sete foram projetadas, 22 planejadas e dez apenas idealizadas. Mais da metade delas, 55%, já possui fontes de financiamentos claros; 19 estão previstas no PAC; duas são da iniciativa privada; e outra é resultado de Parceria Público-Privada (PPP). Por fim, outra obra já conta com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento.
 
Na avaliação de Heitor Muller, da Fiergs, angariar recursos para os investimentos que ainda não contam com financiamento não será um problema. "São projetos que já nascem com uma demanda constatada. Não há investidores no Brasil ou no exterior que não se interessem por um negócio com essa característica", diz. Segundo avaliação da Macrologística, o prazo médio de retorno do investimento nas obras do programa é de 4,5 anos.
 
O desafio é eliminar barreiras burocráticas e colocar as obras na agenda de prioridades dos gestores públicos. A CNI e as federações das indústrias do Sul se apresentam como articuladores do processo. Robson Andrade define as ações como uma força-tarefa para alavancar a infraestrutura brasileira. O projeto Sul Competitivo foi entregue pelo dirigente da CNI à presidente Dilma Rousseff.
 
Segundo Francisco Luiz Baptista da Costa, diretor de planejamento do Ministério dos Transportes, o projeto Sul Competitivo vai ao encontro das diretrizes estabelecidas pelo Plano Nacional de Logística e Transportes (PNLT) ao buscar racionalizar a oferta de transporte de acordo com o modal mais adequado para a região e o tipo de carga. No PNLT, os três Estados do Sul seriam contemplados no período de 2012 a 2015 com investimentos de R$ 32 bilhões e outros R$ 21 bilhões já estavam previstos para após esse período. O problema, porém, tem sido a capacidade do Ministério dos Transportes em executar as propostas.
 
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o governo federal iniciou 2012 com a promessa de investir R$ 17,2 bilhões em rodovias, ferrovias e hidrovias, mas até meados de outubro os investimentos não chegavam a R$ 8 bilhões. "Passamos por uma reestruturação no ministério, que impactou a execução orçamentária, mas já superamos o problema. Estamos prontos para investir na casa de R$ 20 bilhões por ano em 2013 e 2014", diz Costa.
 
Bernardo Figueiredo, da EPL, diz que a empresa trabalha com dois cenários. No curto prazo, a meta é impulsionar as ações em andamento. No Sul, por exemplo, as ferrovias Norte-Sul, São Paulo – Porto Alegre e a ligação entre Cascavel e Paranaguá estão entre as prioridades. O segundo momento é o de planejar o longo prazo. "Para isso, vamos reunir a proposta da CNI com a formulada pela Confederação Nacional do Transporte, os prestadores de serviços e o PNLT. O objetivo é consolidar os planos e as ações já em curso." Nessa tarefa, que deverá levar dois anos, a EPL já solicitou o auxílio do Ipea. "No final do processo, teremos um estoque de projetos â disposição, para o governo realizar de acordo com as possibilidades", diz. O problema é que o tempo não para e a crescente produção do Sul transita por uma infraestrutura logística cada vez mais encrencada.