Nos portos, melhorias passam por um choque de eficiência

Apontados como um dos principais vilões da competitividade brasileira, os portos aguardam um choque de eficiência que possa cortar a burocracia e reduzir drasticamente os custos das empresas. Um novo pacote do governo para o setor, aguardado para breve, pode chegar a R$ 45 bilhões. Entre os objetivos, a modernização das arcaicas estruturas portuárias, como as Companhias Docas, e a diminuição dos altos custos da mão de obra. Enquanto o novo marco regulatório não é aprovado, especialistas sugerem soluções mais simples, que poderiam ser implementadas de forma quase imediata.
 
Segundo estudo da Fundação Dom Cabral, o custo para se exportar um contêiner no Brasil chega a US$ 1.790, 300% a mais que em Cingapura (US$ 456), o dobro da Alemanha (US$ 872) e 70% acima dos Estados Unidos (US$ 1.050). Além do custo, há filas de navios nos terminais e falta de capacidade para receber grandes embarcações, principalmente agora que o Brasil desponta na rota de muitas companhias exportadoras, com a crise em Europa e Estados Unidos. A burocracia também deixa que embarcações fiquem dias paradas por falta de técnicos ou fiscais.
 
O modelo de concessão, iniciado em 1993, permitiu a administração privada de terminais nos 34 portos públicos do país e o funcionamento de 129 terminais privativos. Somente os terminais de contêineres, por exemplo, estimam investir mais de R$ 10 bilhões até 2020. Com esse modelo, tende a haver novos investimentos. Para muitos empresários, os problemas não estão na operação portuária em si, mas em questões administrativas e de infraestrutura.
 
Segundo armadores, por exemplo, a praticagem no Brasil – práticos são os profissionais encarregados de atracar o navio no porto – custa o dobro do registrado nos Estados Unidos. Aqui esses profissionais chegam a ganhar até R$ 300 mil por mês. Isso encarece o custo, já afetado por constante greves de funcionários públicos, falta de acessos terrestres e problemas de dragagem de canais, sem o alargamento necessário para receber navios maiores.
 
Funcionamento 24 horas traria ganho de 30%
 
Outro problema é a burocracia: a Receita Federal, por exemplo, não atua nos fins de semana, e os técnicos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) só trabalham das 9h às 18h. É comum navios esperarem até sete dias para ter sua carga desembaraçada.
 
– Poderíamos ter ganhos quase sem investimentos. Se pudéssemos operar na plenitude da capacidade de um porto, 24 horas por dia, aumentaríamos significativamente nossa eficiência. Se tivéssemos coisas simples, como os práticos e os fiscais da Receita e da Anvisa trabalhando imediatamente após a chegada de um navio, poderíamos ter ganhos de produtividade de 20% a 30%, sem a construção de novos terminais. Os terminais privados funcionam 24 horas por dia, sete dias da semana. Os portos, não – conta Marcelo Araújo, presidente do grupo Libra, com terminais em Santos e no Rio.
 
Ele diz que o governo pode errar se pensar em uma solução global para os portos e defende buscar soluções para cada tipo diferente de carga: geral e a granel (soja, minério e petróleo). Para Araújo, seria necessário investir forte em gestão descentralizada.
 
Os especialistas Dalmo dos Santos Marchetti e Tiago Toledo Ferreira, responsáveis pelo capítulo de logística do estudo "Perspectivas setoriais – BNDES 60 anos", defendem um novo marco regulatório para os portos. Este incluiria "o fortalecimento da administração dos portos públicos, com o aperfeiçoamento do modelo de governança", bem como maior autonomia de gestão.
 
Rogerio Caffaro, presidente da Triunfo Logística, que detém um terminal no Porto do Rio, acredita que o problema das Companhias Docas, que administram os portos, não é falta de competência, mas um modelo engessado que dificulta a solução de questões simples, devido à falta de autonomia – acredita-se que isso pode constar no novo pacote do governo. Segundo ele, mesmo com os investimentos iniciais, como a dragagem dos canais dos principais portos, há muito a ser feito. Caffaro ressalta que é preciso concluir as modernizações iniciadas em 1993:
 
– Ainda enfrentamos problemas de mão de obra, grande parte dos funcionários tem mais de 55 anos. Todos os terminais do Rio gastam cerca de R$ 30 milhões por ano com o OGMO (Órgão Gestor de Mão de Obra e Trabalho Portuário, sistema em que se tentou modernizar nos anos 1990, mas que continua obsoleto e caro). E esse custo, por exemplo, não existe para portos totalmente privados, se eles fossem liberados. Assim, o governo tem de tomar cuidado com o pacote de portos, para não criar uma concorrência desleal que pode inviabilizar as empresas dos terminais privados em portos públicos.
 
Investimentos se antecipam ao pacote
 
Fernando Martins, sócio da consultoria Bain & Company, acredita que, além da melhor gestão, são necessárias mudanças no marco regulatório. Segundo ele, o pior erro do governo num novo pacote de incentivo ao setor portuário seria tentar relicitar os mais de 90 terminais arrendados e concedidos em portos públicos de uma só vez ou em curto intervalo de tempo. Poderia até causar um apagão logístico, afirma Martins.
 
Meton Soares Jr., presidente da Federação Nacional de Navegação e vice-presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), acredita que, primeiro, o governo precisa saber que tipo de modelo portuário o país deseja:
 
– O governo precisa fazer um estudo, saber exatamente qual o modelo mais indicado para nossa realidade. Na área de contêineres, por exemplo, acredito que seria mais eficiente ter poucos terminais concentradores do que uma prática disseminada pela costa, que não gera ganhos de escala.
 
Já Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), além de defender a manutenção do atual marco, acredita que o governo não tem de se preocupar com os terminais privativos de carga, essencial para empresas de commodities .
 
– Estamos em um momento em que, infelizmente, o Brasil cresceu menos. Ainda assim, movimentamos 886 milhões de toneladas em nossos portos no ano passado. Com a retomada da economia, rapidamente ultrapassaremos um bilhão de toneladas. E hoje não estamos preparados para isso – argumenta Manteli.
 
Mas, mesmo antes do pacote do governo, já surgem investimentos. Um dos mais recentes é o projeto de R$ 322 milhões para a construção do Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram), no Porto de Itaqui, naquele estado. Ele pode multiplicar por seis a exportação de soja na região, com a capacidade de 15 milhões de toneladas de grãos em 2020.
 
– Sabemos que 68,2 milhões de toneladas de soja são produzidos em Mato Grosso, mas apenas 14,5 milhões de toneladas de grãos saem do país pelo Norte. O resto segue por caminhão até os portos de Sul e Sudeste, o que cria problemas nas estradas e gera mais emissões de gases. Esperamos criar uma oportunidade, que será viabilizada com a Ferrovia Norte-Sul – diz Luiz Carlos Fosseti, presidente da Emap, empresa portuária do Maranhão, que fará os investimentos em um consórcio com quatro grupos.
 
Outro projeto é o Superporto do Açu, que a LLX, do grupo EBX, de Eike Batista, constrói em São João da Barra, Norte Fluminense. Com um conceito mais próximo dos terminais asiáticos, os chamados portos-indústria, Açu quer ter capacidade total de movimentação de 350 milhões de toneladas. Previsto para começar a operar no fim de 2013, ele terá uma área de 90 quilômetros quadrados para diversos empreendimentos, incluindo petróleo, termelétricas e tecnologia da informação. Segundo a LLX, o investimento total do complexo pode atingir US$ 40 bilhões.