MP dos Portos inquieta trabalhadores e empresários do setor

A Medida Provisória 595/2012, também chamada de MP dos Portos, e que atualmente está em tramitação no Congresso Nacional, tem como meta reestruturar o setor impondo novas normas para a exploração dos terminais e para as atividades desempenhadas pelos operadores. No entanto, a iniciativa gerou manifestações por parte de trabalhadores e empresários e, para muitos agentes envolvidos com o segmento, o foco no momento precisa ser a busca de sintonia entre as partes que atuam no processo.

O tópico que levou a inúmeras contestações no começo desse ano foi a questão trabalhista. As organizações de várias categorias profissionais que atuam nos portos sustentam que a MP prejudicará as relações de trabalho. Uma reclamação é que a medida desobriga os terminais privados de contratarem pelo sistema Órgãos Gestores de Mão de Obra (Ogmos), usado atualmente para cadastro de trabalhadores avulsos. Em princípio, essa sugestão é justificada como uma forma de redução de custos.

O presidente do Sindicato dos Estivadores de Rio Grande, Paulo Roberto Issaurriga Cabral, reitera que, para os trabalhadores, são ruins as mudanças propostas pelo governo federal. “Querem privatizar alguns setores no cais público e com a possibilidade de contratar profissionais de fora do sistema”, lamenta o dirigente. Ele teme que a medida provisória gere desemprego, além da perda de força na ocasião das negociações com a classe patronal.
Cabral acredita que as manifestações dos trabalhadores (paralisações, operações tartaruga etc) sensibilizarão o governo. “A MP ia ser votada sem as emendas, sem ouvir o trabalhador, e tenho certeza que as federações dos trabalhadores terão acesso ao governo federal, foi simplesmente um alerta”, diz o dirigente. Contudo, o líder dos estivadores admite que dificilmente será possível conciliar os interesses dos colaboradores e dos empresários quanto a esse tema.

O superintendente da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), Pedro Obelar, afirma que as reclamações dos trabalhadores, contrários à MP, não o surpreenderam. Ele recorda que, quando foi elaborada a lei de modernização dos portos (8.630), também ocorreu essa espécie de mobilização. “Toda modificação agrada a uns e desagrada a outros, isso leva à discussão e ao aprimoramento”, considera Obelar. O dirigente argumenta que o porto da capital gaúcha, administrado pela SPH, é uma estrutura com uma movimentação de cerca de 1 milhão de toneladas ao ano, ou seja, inferior a de complexos marítimos. Por isso, os reflexos das manifestações são menores.

Outro temor dos trabalhadores é de que, devido à MP, os terminais privados poderão movimentar cargas que não sejam próprias, o que pode fazer com que esses complexos absorvam mais demanda e que os portos públicos fiquem ociosos. Obelar admite que essa preocupação realmente existe. “Vai haver uma disputa de mercado, e a obrigação de utilizar determinada mão de obra ocorre no porto público, o privado não tem essa imposição”, detalha o superintendente. Porém, ele argumenta que o espírito da medida provisória é justamente reduzir o custo logístico e aumentar a competitividade do País. “Os dois lados vão ter que encontrar um meio termo, porque a intenção não é a de gerar desemprego”, diz Obelar.

O superintendente da Superintendência do Porto do Rio Grande (Suprg), Dirceu Lopes, também vê com naturalidade a manifestação dos trabalhadores. Segundo ele, os profissionais estão preocupados em manter seus postos de trabalho. Mas, para Lopes, a MP não deve implicar desemprego. “A presidente Dilma Rousseff, ao fazer o lançamento da iniciativa, no meio da apresentação técnica, ela olha para os trabalhadores e diz o seguinte: nenhum direito conquistado pelos trabalhadores será alterado”, recorda o superintendente.

Conforme Lopes, as diversas manifestações não deverão representar impactos mais intensos quanto à movimentação de cargas em Rio Grande. Entretanto, o superintendente ressalta que esse cenário somente deverá se confirmar caso os protestos não sejam prolongados.

Administradores questionam lista de áreas a serem licitadas de novo – Dentro da ideia de reorganizar o sistema portuário, o governo federal divulgou uma lista de 159 terminais passíveis de serem licitados. Desse montante, 42 seriam novos empreendimentos, e os outros abrangeriam áreas cujos arrendamentos já venceram ou acabarão até 2017. No entanto, apesar das indicações feitas pela Secretaria de Portos da Presidência da República (SEP), muitos dos espaços apontados já estão sendo aproveitados, e não é do interesse da autarquia que administra regionalmente o porto licitá-las novamente, como é o caso em Rio Grande.

No complexo gaúcho, foram selecionadas seis áreas para serem licitadas. As empresas que estão utilizando esses espaços atualmente são Quip, GM, Petrobras, Braskem, Termasa e operadores do Porto Novo. “Na realidade, houve uma precipitação, porque muitas áreas estão em plena operação”, explica o superintendente da Suprg, Dirceu Lopes. Ele reforça que essa é uma constatação generalizada nos portos do País, inclusive em Rio Grande.

Nesse sentido, a Suprg fez um levantamento sobre o caso de cada terreno indicado pela SEP em Rio Grande, abrangendo características como dimensão e operação. O estudo deverá ser levado a Brasília na segunda quinzena do mês. “Não temos preferência por empresa A ou B, o que interessa, do ponto de vista de gestão, é que o porto tenha eficiência, baixo custo, operação segura e sustentável ambientalmente”, salienta Lopes. Ele acrescenta que, se a companhia que está ocupando o terreno cumprir com esses requisitos, não é vantajoso iniciar uma licitação para que o espaço seja disputado outra vez.

O presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, concorda com Lopes sobre a necessidade de manter a atividade das empresas que dão retorno ao porto. Ele é a favor da licitação das áreas ociosas. “Agora, o governo colocou todo mundo na mesma panela, e alguns terminais que estão operando têm direitos de exercer suas funções”, defende Manteli.

Para a ABTP, a medida traz segurança jurídica – Um dos elogios feitos pelo presidente da ABTP, Wilen Manteli, à MP-595 é o respaldo jurídico proporcionado pela iniciativa. Conforme o dirigente, até agora o setor era regido por autorizações precárias. Além disso, ele destaca a clareza das normas, a definição do que é porto privado e instalação portuária arrendada e o fim das diferenças de cargas próprias e de terceiros. “Estamos apoiando a medida provisória, apesar de fazermos algumas observações”, diz.

Manteli ressalta que, se o governo quer aumentar a competitividade, é preciso descentralizar o processo de planejamento e decisório do sistema portuário. Uma forma de fazer isso, opina o dirigente, é a realização de parcerias público-privadas (PPPs). Manteli revela que uma preocupação da ABTP é quanto à regulamentação da medida. O receio é que a aceitação de muitas emendas possa distorcer a proposta original.

Também chamou a atenção do dirigente o fato de que, quando a presidente Dilma Rousseff lançou o pacote de ações envolvendo os portos, ela afirmou que não seriam alterados direitos dos trabalhadores. “E ela cumpriu isso”, considera Manteli.

Para ele, a medida provisória segue a linha da Lei 8.630/93, de modernização dos portos. Por isso, ele não aprova os argumentos dos sindicatos dos trabalhadores que indicam dificuldades para os portos públicos com as alterações propostas. “Em 1993, falava-se que os terminais privativos iam quebrar os públicos, e isso não ocorreu, pelo contrário, esses complexos tiveram um enorme crescimento”, relata Manteli. Ele classifica as manifestações como “uma jogada política”.

O professor de economia da Trevisan Escola de Negócios Alcides Leite é outro que considera como positiva a MP dos portos. “O setor está precisando de investimentos”, ressalta Leite. Ele acrescenta que quando saírem os editais de licitação, detalhando todas as áreas que receberão terminais, apresentando condições satisfatórias, deve haver um grande interesse por parte da iniciativa privada.

O professor também já esperava as manifestações feitas pelos trabalhadores do setor. Ele lembra que isso já ocorreu em mudanças anteriores. “É um segmento que tem um comportamento corporativo muito forte”, justifica Leite.

O professor admite que as mobilizações têm certa influência no Congresso, mas não acredita que terão peso suficiente para alterar a essência da proposta do governo. “Podem provocar algumas mudanças mais pontuais, sem desfigurar o texto da medida provisória”, argumenta Leite. De acordo com o professor, a MP dos Portos deve trazer aporte de capital, expansão e modernização ao setor, e as questões particulares devem ser analisadas caso a caso.

SPH entende que a medida permite um avanço no espaço da iniciativa privada – Para o superintendente da SPH, Pedro Obelar, o objetivo da União com as modificações sugeridas é dar mais dinamismo às atividades nos portos (importação, exportação etc). “O que dá para perceber é que haverá um avanço de espaço para a iniciativa privada e uma retração da atividade pública nessa área, isso fica bastante claro”, aponta o dirigente. Ele classifica a MP-595 como uma iniciativa interessante, porque mesmo com a Lei 8.630 (modernização dos portos), não se conseguiu a resposta que se esperava em termos de agilidade, principalmente, nos grandes complexos, como o de Santos.

Sobre a preocupação manifestada pela ABTP quanto à centralização das decisões pelos instrumentos governamentais, Obelar acredita que o planejamento dos portos nacionais é uma questão estratégica e é necessário que órgãos como a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a SEP exerçam suas autoridades para poder regular o setor. “Por exemplo, imagine um terminal privativo, com demanda de uma carga que não lhe interessa movimentar, mas interessa à economia da comunidade, na qual o porto está instalado, então é preciso regularizar essa situação”, defende o superintendente. Obelar prevê que dificilmente o governo irá admitir mudanças expressivas na MP, pois é a base do que a União pretende realizar dentro do sistema portuário nacional.

O superintendente do Porto do Rio Grande, Dirceu Lopes, considera o escopo da lei bastante positivo. Para o dirigente, o modelo visa à eficácia da operação portuária, trabalhando com a lógica de que os portos são imprescindíveis dentro do processo de desenvolvimento do Brasil e para que o País possa crescer a taxas maiores. Ele também acha natural que o processo gere dúvidas, tanto por parte dos trabalhadores quanto dos empresários da área.

“O método poderia ter sido discutido de uma melhor maneira, com todo mundo, e isso daria uma tranquilidade maior, para que não se tivesse essa desconfiança do que pode ocorrer”, admite o dirigente. Mas, em síntese, para Lopes, a MP preconiza a busca de eficiência e custos compatíveis ao sistema portuário, o que é uma preocupação de todos os agentes do segmento. “A intenção do governo é colocar os portos como importantes vetores dentro do processo produtivo”, conclui o superintendente.