MP dos portos estimula setor privado, mas abre polêmica

O governo brasileiro aparentemente escolheu o caminho mais acidentado para pôr em dia a defasada infraestrutura do país. A tarefa não é fácil, é verdade, por causa dos anos de omissão, medidas casuísticas e dos interesses encastelados. Mas a recém-editada Medida Provisória dos Portos, a 595, tem potencial de causar tanta polêmica como a das elétricas e, pior, ameaçar os objetivos almejados.

A presidente Dilma Rousseff comparou o pacote, anunciado na semana passada, à abertura dos portos promovida por D. João VI em 1808, "não mais às nações amigas, porque não é o caso, mas às forças produtivas do país e à iniciativa privada também".

O pacote pode, de fato, causar uma grande revolução nos portos brasileiros, reconhecidamente acanhados e tão caros que colocaram o país no 130º lugar entre 144 de um ranking de eficiência e qualidade do Fórum Econômico Mundial. Filas e burocracia fazem a liberação de cargas levar até cinco dias aqui, em comparação com sete horas na Alemanha. Ainda assim passarão pelos portos brasileiros cerca de 900 milhões de toneladas neste ano e 95% do comércio exterior do país.

O novo pacote é um avanço em relação à legislação anterior, marcada pela Lei dos Portos, a 8.630, de 1993, um grande salto no setor, contido muitos anos depois pelo presidente Lula, que, em 2008, com o Decreto 6.620, inibiu os investimentos ao exigir que os terminais privados apenas manuseassem carga própria. A MP 595 corrige esse problema ao permitir que os terminais privados atendam também a terceiros. O governo vai indicar onde esses novos terminais são necessários e permitirá que várias empresas apresentem projetos. Vencerá a concessão a empresa que apresentar a maior capacidade de movimentação pelo menor preço, e não mais o melhor preço de outorga.

As instalações licitadas fora dos portos públicos terão até 25 anos de concessão, prorrogáveis por períodos sucessivos, e não reverterão à União. Já as licitadas dentro dos portos serão concessões de 25 anos, prorrogáveis por igual período, após o que voltarão para a União.

O governo espera que o pacote atraia nada menos do que R$ 54,2 bilhões em investimentos do setor privado. O governo vai investir mais R$ 6,4 bilhões, em obras de acesso e dragagem, totalizando R$ 60,6 bilhões.

Mas a parte polêmica da nova medida provisória foi a solução dada aos atuais 98 terminais públicos arrendados à iniciativa privada, cujas concessões já expiraram ou estão prestes a isso, especificamente os 55 arrendados antes da Lei dos Portos, ou seja, de 1993. Esses arrendatários contavam com a prorrogação da concessão e estavam dispostos a oferecer em troca até R$ 10 bilhões em investimentos. O governo chegou a cogitar essa alternativa, mas prevaleceu a visão de que não há base legal para a renovação, e a decisão foi relicitar esses terminais.

Consciente da muito provável reação negativa à medida, o ministro-chefe da Secretaria dos Portos, Leônidas Cristino, nem tocou no assunto na sua apresentação. A decisão só foi divulgada após o anúncio do pacote em cerimônia no Palácio do Planalto. Os empresários sentiram-se duplamente traídos e não descartam questionar a decisão na Justiça. Especialistas dizem que os dois lados contam com argumentos importantes e a Justiça terá a difícil tarefa de discutir questões que deveriam ter sido esclarecidas antes.

Os outros 45 terminais também com contratos expirados ou prestes a expirar poderão ter a concessão prorrogada porque foram arrendados pela primeira vez ao setor privado depois da Lei dos Portos, desde que novos investimentos sejam realizados.

Os operadores privados de terminais públicos privatizados na década de 1990, localizados dentro dos portos organizados, também prometem questionar as regras diferenciadas para as novas instalações privadas localizadas fora. Os que operam dentro dos portos públicos pagam arrendamento ao governo, devem seguir regras mais rígidas para a contratações de mão de obra – os funcionários têm estabilidade, por exemplo – e precisam devolver as instalações à União ao término dos contratos. Esses operadores já reclamam que terão menores condições de concorrer porque seus custos são mais elevados. Os trabalhadores portuários também prometem questionar as regras de contratação de pessoal pelos novos terminais privados.

Tudo indica que a MP 595 não vai passar tranquilamente pelo Congresso. Se o governo dedicasse mais tempo a aparar as arestas antes de lançar seus pacotes, seria mais bem-sucedido em evitar polêmicas que atrasam os investimentos tão necessários ao país.