Modal dutoviário carece de investimentos para se tornar mais utilizado no país

A vazão média de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) em um bombeio recebido nos dutos da Liquigás – companhia de distribuição presente em 23 estados e que abastece 35 milhões de consumidores residenciais – é de 150 toneladas por hora ou 3.600 toneladas por dia. Para transportar a mesma quantidade pelas rodovias, a empresa estima que aproximadamente 144 caminhões a mais estariam em circulação. Resultado: mais chances de congestionamentos e maior risco de acidentes.

O exemplo acima comprova a eficiência e a importância de um modal de transporte pouco conhecido e utilizado no país, o dutoviário. Dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) apontam que ele representa apenas 4% da matriz de transportes de cargas no Brasil, à frente apenas do segmento aeroviário. Na ponta, os líderes são o rodoviário (61,1%), ferroviário (20,7%) e aquaviário (13,6%).

“Esses números são resultado de um problema cultural no Brasil quando, na década de 50, o progresso era sinônimo de construir estradas. Por isso, temos uma extensão mínima de dutos em comparação a outros países. É um volume muito pequeno diante da extensão territorial do Brasil”, explica à Agência CNT de Notícias o diretor de Petróleo e Gás da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi), Guilherme Pires de Melo.

Vantagens para reverter esse quadro, dizem especialistas, não faltam. “Há grandes benefícios na utilização dos dutos: custos de manutenção mais baixos que os de outros modais, maior nível de segurança e confiabilidade. Eles permitem o transporte de grandes quantidades de um produto em pouco tempo. Entregam o material com pontualidade e uma assertividade muito grande. São altamente eficazes, é a melhor relação custo-benefício”, explica o gerente geral de Logística e Suprimentos da Liquigás, Luís Alberto Soares Martins.

Outros pontos positivos são a dispensa de armazenamento, baixo consumo de energia, operações de carga e descarga simplificadas, menor suscetibilidade a perdas e roubos e possibilidade de operar ininterruptamente – 24 horas por dia, sete dias por semana.  Na outra ponta, pesam como desvantagens a capacidade limitada de transporte (apenas gases, líquidos ou misturas semifluidas), resistência à entrada de novos agentes no mercado e riscos de acidentes ambientais se as tubulações se romperem.

Assim como as hidrovias e ferrovias, o sistema de dutos exige altos investimentos para ser construído, o chamado custo fixo – grandes áreas precisam ser desapropriadas para dar espaço às instalações, por exemplo. O Grupo de Pesquisa e Extensão em Logística Industrial da Universidade de São Paulo (USP) estima que a construção de um quilômetro de dutos é oito vezes mais cara que a mesma distância em rodovias. No entanto, analistas garantem que o modal ainda é o mais apropriado a longas distâncias, uma vez que os gastos se diluem à medida que aumenta o percurso.

Para Guilherme de Melo, da Abemi, o problema pode ser resolvido se houver mais planejamento e continuidade nos projetos. “A construção de um sistema de dutos exige muita mão de obra, equipamentos pesados precisam ser mobilizados. Quando se retoma a construção de um duto, é preciso repetir todos esses investimentos, isso cria custos adicionais, desnecessários. Por isso, as ações não podem ser pontuais, devem ter continuidade”, explica.

Segundo ele, a situação é uma das justificativas para a falta de interesse por mais investimentos no modal dutoviário brasileiro, um contraste diante das vantagens oferecidas às áreas logística e industrial. Os números comprovam o atraso: na 16ª posição no ranking mundial, o país tem apenas 22 mil km de dutovias em operação. Fica atrás da União Européia (800 mil) e de outros países com menor extensão territorial como México (40 mil), Argentina (38 mil) e Austrália (32 mil).

A maioria dos mais de 400 dutos existentes no Brasil são utilizados para transporte de petróleo e derivados. O primeiro sistema foi instalado na Bahia, no início da década de 40, e ligava a Refinaria Experimental de Aratu até o Porto de Santa Luzia. Diferente de todos os outros modais, são os produtos que se deslocam, por pressão nos tubos ou por arraste, e o meio de transporte continua fixo.
 
Modal esquecido?
Dois sistemas de dutos são os mais conhecidos no Brasil. Primeiro, o controlado pela Transpetro, subsidiária da Petrobras que opera mais de 14 mil km de oleodutos e gasodutos no país. A companhia transporta gás, petróleo e derivados aos quatro cantos do Brasil, principalmente às regiões Sudeste, Nordeste e Sul. Além da Petrobras, sua principal cliente, a Transpetro presta serviço a diversas distribuidoras e à indústria petroquímica.

Iniciado em 1996, o Gasoduto Bolívia-Brasil saiu do papel a partir da iniciativa do governo brasileiro em oferecer uma nova opção de matriz energética – atualmente, transporta metade do gás natural (GN) consumido no país. Operado pela Transportadora Brasileira Gasoduto Bolívia-Brasil (TBG), o sistema tem um extensão total de 3.150 km – quase 2.600 estão em território nacional e atravessam os estados de Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Apesar desses importantes sistemas, organizados e mantidos sob rígido controle de qualidade, o modal dutoviário é pouco lembrado quando o assunto são investimentos. Um exemplo: no Plano de Negócios 2012 – 2016 da Petrobras, apresentado no final de junho, poucas são as menções relacionadas aos dutos. No plano orçado em R$ 416,5 bilhões e com meta de aumento de 5% a 6% na produção de petróleo e líquido de gás natural (LGN) nos próximos quatro anos, existe a previsão de instalação de novos dutos em algumas plataformas.

O Projeto Roncador Módulo III, sediado na bacia de Campos, no Rio de Janeiro, com início das operações previsto para setembro de 2013, conta com a instalação de dois oleodutos e um gasoduto submarinos. O Roncador Módulo IV, no mesmo projeto, terá um oleoduto e um gasoduto, ambos submarinos. A área Nordeste do campo de Lula, na bacia de Santos, será contemplada com a construção de um gasoduto de 20 km até uma unidade de tratamento de gás em Caraguatatuba (SP).

Questionada pela reportagem da Agência CNT de Notícias, a Transpetro garantiu que “a Petrobras estuda modelos de negócios que fomentem o crescimento da expansão dutoviária, com projetos de aumento da capacidade de bombeamento dos dutos que se encontram no limite da capacidade operacional”. Ainda de acordo com companhia, “o modal dutoviário tem potencial para crescer na interiorização de derivados a partir do litoral para regiões de grande concentração de demanda”.

Mais uma ação de incentivo ao modal é a construção do Corredor de Exportação de Etanol, cujo primeiro trecho dutoviário entre os municípios de Ribeirão Preto e Paulínia tem o início das operações previsto para o primeiro semestre de 2013. Esse trecho integra o Sistema Logístico de Etanol que vai ligar as principais regiões produtoras do combustível, em 45 municípios. O empreendimento será integrado ao sistema de transporte hidroviário existente na bacia Tietê-Paraná.

Outro documento que faz poucas citações ao modal dutoviário é o Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT). De acordo com o último relatório, a expectativa do Ministério dos Transportes é fazer com que o modal cresça de 3,6% para 5% em 2025 – a comparação é feita a partir de 2005. “É um crescimento muito tímido. Nós deveríamos ocupar, no mínimo, de 15% a 20%. Mas não temos uma política direcionada nesse sentido”, avalia o diretor da Abemi, Guilherme de Melo. Para ele, essa falta de visão “quita a competitividade do país a nível de exportação porque todos os outros modais são mais caros, a longo prazo”.
 
Potencial
Melo destaca que o país tem um potencial muito maior para explorar o modal. “Temos uma agroindústria forte, grande produção de petróleo e gás e mineração. Os dutos são o melhor meio para esse tipo de transporte. O Brasil merece mais investimentos. É preciso haver uma política de estado nesse sentido”, afirma o diretor de Petróleo e Gás.

Luís Alberto Soares, da Liquigás, diz que é positivo o fato de o modal ser considerado ‘silencioso’. “O segredo do sucesso dos dutos é que eles existem, transportam o desenvolvimento do país, mas não são percebidos. No caso de uma alta produção de GLP em Paulínia, por exemplo, a distribuição do gás é feita sem que a população sequer tome conhecimento. Se fosse feita por estradas, poderia causar transtornos. O sistema entrega o produto de maneira quase invisível”, explica.