Mais um ano difícil para as montadoras

Confirmado o aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a partir de janeiro, analistas e representantes da indústria automobilística começam a prever mais um ano de dificuldades em 2014, quando o mercado de automóveis poderá acentuar a tendência de queda registrada durante o segundo semestre deste ano.

Há consenso de que a pressão sobre os preços vinda da retirada, ainda que gradual, dos descontos no IPI, junto com a obrigatoriedade de mais itens de segurança em todos os carros novos, terá impacto negativo sobre a demanda. As primeiras previsões de analistas para 2014 indicam nova queda das vendas – a segunda seguida -, ou, na melhor das hipóteses, repetição dos volumes deste ano.

Depois de evoluir a um ritmo médio anual superior a 11% desde 2004, as vendas de veículos caminham para fechar 2013 com a primeira queda em dez anos. As apostas são de vendas ligeiramente abaixo dos 3,8 milhões de veículos licenciados em 2012, volume que deve permanecer como recorde desse mercado no país.

A Anfavea, que representa as montadoras instaladas no país, ainda não divulgou suas projeções para 2014, mas na terça-feira, após o governo confirmar as alíquotas do IPI que vão vigorar até junho, o presidente da associação, Luiz Moan, antecipou que a alta do tributo "certamente" terá impacto no volume de vendas.

A retirada dos descontos no IPI, que garantiram o recorde de emplacamentos de veículos em 2012, já havia sido sinalizada pelo governo, mas a recomposição anunciada, ainda que segure o imposto abaixo das alíquotas normais, superou as expectativas, disse a Anfavea. A entidade calcula que, a cada ponto percentual de alta no imposto, o impacto no preço do carro popular é de 1,1 ponto percentual.

Foi decidido na terça-feira que o IPI dos automóveis com motor flex 1.0, o segmento de entrada do mercado, passa de 2% para 3%. Já os carros acima dessa motorização, até 2.0 – hoje a faixa com o maior volume de vendas -, subirão de 7% para 9%. Considerando-se apenas a cobrança do tributo nas vendas de carros, essa recomposição do IPI, válida para o primeiro semestre de 2014, representa ganho de arrecadação estimado pelo governo em R$ 950 milhões no primeiro semestre.

A Anfavea evitou fazer "prognósticos detalhados" do impacto disso no mercado. Diante de várias indefinições que rondavam o mercado nas últimas semanas – que ainda incluíam incertezas sobre os juros dos financiamentos de caminhões e, até mesmo, se as fábricas realmente seriam obrigadas a introduzir airbags e freios ABS em 100% dos automóveis -, a entidade preferiu aguardar mais um mês para divulgar suas estimativas de vendas, produção e exportação, tradicionalmente anunciadas em dezembro. Poucos analistas também se arriscam a "cravar" como serão as vendas de 2014. A maioria deles, porém, trabalha com viés de queda em suas análises.

Há fatores positivos ponderados nessas expectativas, como os lançamentos de modelos que devem agitar o mercado de carros compactos, caso do Up!, da Volkswagen, e a nova geração do Ka, da Ford. Da mesma forma, a continuidade do crescimento, ainda que nada espetacular, da economia e o avanço do consumo pelo interior do país devem ajudar nos resultados.

Contudo, o cenário, de forma geral, segue contracionista, dizem os analistas. As restrições de crédito, mais a menor propensão ao gasto por um consumidor menos confiante e mais endividado – combinação que derrubou a demanda em 2013 – devem continuar no ano que vem.

Quando se soma isso à retirada parcial dos descontos do IPI, mais a instalação obrigatória de airbags e freios ABS em todos os carros, o quadro se torna ainda mais complicado. Analistas e executivos de montadoras concordam que preços mais altos vão restringir ainda mais a chegada de novos consumidores a esse mercado. Outra razão é que os custos do financiamento tendem a ficar mais caros com a escalada da taxa básica de juros.

Se esses novos custos da indústria não forem repassados totalmente ao preço final do produto – como chegou a cogitar o secretário-executivo interino do ministério da Fazenda, Dyogo Oliveira -, as montadoras podem até defender os volumes atuais, mas ao preço de uma indesejada perda nas margens de rentabilidade. Portanto, a situação, no mínimo, reduz a capacidade de o setor ser agressivo em campanhas promocionais para turbinar suas vendas.

Adicionalmente, especialistas acreditam que os bancos ainda não terminaram de "limpar" das carteiras os calotes originados pelo financiamento de veículos e, por isso, devem seguir criteriosos na liberação de crédito. "Há pouca flexibilidade no mercado de crédito. Os bancos comerciais perderam muito dinheiro com a inadimplência em 2012. Não vejo eles assumindo mais riscos", diz Stephan Keese, sócio da Roland Berger.

A Copa do Mundo é vista com otimismo pela Anfavea, mas, para analistas, seus efeitos são neutros. Por um lado, o evento terá reflexos positivos nas vendas às frotas de carros e de ônibus que farão o transporte dos turistas, assim como deve estimular as vendas de caminhões para a circulação de mercadorias como bebidas e eletrônicos. Porém, o fluxo de consumidores nas concessionárias provavelmente cairá drasticamente nos dias de jogos, ao mesmo tempo em que o consumo de televisores restringe a renda disponível.

"Teremos aí três meses fraquíssimos – junho, julho e agosto -, onde a pressão de custo vai ditar as regras", prevê Raphael Galante, analista da Oikonomia, apostando numa queda de quase 4% nos licenciamentos de carros em 2014.

Na cola dos bons resultados da safra, espera-se que as vendas de caminhões continuem em recuperação, mas sem manter o ritmo de crescimento superior a 10% deste ano. Já no mercado de ônibus, as encomendas vindas com a renovação de frotas em cidades-sede da Copa e do programa de transporte escolar do governo federal serão contrabalanceadas pela paralisia dos negócios no segmento rodoviário durante o primeiro semestre, dada a insegurança das operadoras de transporte quanto à continuidade de suas concessões nas licitações de linhas interestaduais.

Para os analistas, a produção de veículos, que se descolou do desempenho negativo das vendas neste ano, voltará a convergir aos volumes do mercado. Essa tendência será agravada se as montadoras entrarem 2014 com estoques elevados, como vinha acontecendo nos últimos meses. Em novembro, o nível de veículos parados nos pátios era equivalente a 41 dias de venda, quando o ideal seria algo mais próximo a 30 dias. Nas duas últimas semanas deste mês, contudo, as férias coletivas pararam a maior parte das fábricas, o que pode contribuir para adequar os estoques.

Para Chico Pessoa, consultor da LCA, a produção das montadoras pode ceder 4% num cenário de estoques elevados e desaceleração das exportações. "É difícil imaginar que a produção não vai cair".

Expectativas similares também se sustentam no esgotamento de dois grandes propulsores da produção neste ano: a troca de carros importados por nacionais, em virtude das restrições a importações do novo regime automotivo, e o crescimento das exportações baseado em desequilíbrios da economia argentina. "Esses fatores não vão se repetir com a mesma intensidade em 2014", disse Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford, em encontro com jornalistas há duas semanas, pouco antes de o governo argentino informar que pretende cortar em até 27,5% as importações de veículos – medida que, se confirmada, terá impacto nas exportações de seu principal fornecedor, o Brasil.

O ano de 2014 chega, portanto, trazendo mais dúvidas do que certezas. O que analistas e representantes da industria têm dito, sem grande receio de errar, é que o ciclo de altas taxas de crescimento desse setor chegou ao fim. Como apontam as primeiras expectativas de especialistas, os números do próximo ano não serão muito diferentes dos registrados em 2013.

Isso pode indicar o esgotamento do modelo baseado em ascensão da renda, disponibilidade de crédito e políticas que privilegiaram o consumo nos últimos anos, mas também reflete a maturidade de um mercado que está entre os quatro maiores centros de consumo de veículos do mundo, cujos volumes são hoje mais do que o dobro do que eram há dez anos.

"As taxas de crescimento do passado chegaram ao fim. Não dá mais para insistir na indústria automobilística como tábua de salvação da economia", diz Chico Pessoa, da LCA.