Governo prefere ferrovias e transporte fluvial fica estagnado

O desenvolvimento das hidrovias no Brasil está em uma encruzilhada. Empresários se interessam em investir no setor e planejam aumento expressivo de seu uso, o que poderia eliminar pelo menos 450 mil viagens de grandes caminhões nas congestionadas estradas brasileiras em 2016. Para empresários e especialistas em logística, os rios são ótimas alternativas para escoamento, sobretudo, da alta produção de grãos. Mas o governo afirma que o segmento não é prioritário e prefere focar na construção de ferrovias — algumas seguem o trajeto de rios que poderiam ser navegáveis com obras de eclusas e dragagens.

Se fizesse a opção pelos rios, dizem os especialistas, o País deixaria de desperdiçar, no mínimo, R$ 3,7 bilhões por ano, a logística seria mais eficiente, barata e ecologicamente correta. Mesmo com o Brasil atrasado décadas na comparação com outros países, autoridades do setor veem as hidrovias como auxiliares. “Hidrovia não é uma solução estrutural para o transporte brasileiro, não temos um rio como o Mississippi. No Brasil, as hidrovias são muito periféricas, não passam por grandes centros produtores ou consumidores. A prioridade é criar uma malha ferroviária mais robusta”, afirma Bernardo Figueiredo, presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), responsável pelo novo modelo de transportes do País.

Ainda que a hidrovia não seja o foco, o governo estuda uma inédita concessão à iniciativa privada para tornar o rio Tocantins navegável. Segundo Figueiredo, o projeto deve ser concluído até o fim do ano. A proposta é criar uma concessão administrativa. Ou seja, em vez de cobrar pedágio das barcaças, a empresa privada assume obras e faz a manutenção da hidrovia. Em contrapartida, recebe pagamento do governo pelo trabalho executado. Este projeto-piloto poderá incentivar soluções parecidas para as demais hidrovias, consideradas prioritárias pelo governo, nos rios Madeira/Amazonas (Norte), Tietê-Paraná (Sudeste/Paraná), Lagoa dos Patos (RS), São Francisco (Nordeste) e Tapajós, entre Miritituba e Santarém, no Pará.

Mas Figueiredo não dá muitas esperanças a quem imagina um programa mais ousado, como a ampliação da hidrovia do Tapajós até o Mato Grosso, o maior produtor nacional de grãos. “Temos que ver o custo-benefício. No caso, já planejamos uma ferrovia entre Cuiabá e Santarém”, afirma, lembrando que o governo tem dificuldades de incluir as obras das eclusas em hidrelétricas futuras. “O custo destas eclusas não pode entrar no total da hidrelétrica, que é a base da tarifa da energia. Estamos conversando com a EPE (Empresa de Planejamento Energético), mas ainda não temos uma solução.”

Renato Casali Pavan, presidente da consultoria Macrologística, lembra que a opção pelos rios geraria uma economia de R$ 3,7 bilhões por ano, considerando-se apenas o Tocantins (R$ 1,7 bilhão) e o Jurena-Tapajós (R$ 2 bilhões). Para isso, seriam necessários R$ 9 bilhões em investimentos, incluindo as eclusas das novas hidrelétricas para tornar estes rios navegáveis até o Mato Grosso. Mas fontes do setor e do governo alertam que a possível concorrência entre modais — benéfica para os usuários do transporte — é um dos pontos que sempre atravancam as hidrovias. No caso das hidrovias amazônicas, há quem tema perda de competitividade da ferrovia Norte-Sul e do prolongamento da estrada de ferro da ALL até Rondonópolis (MT).

Por isso, a eclusa de Tucuruí, em Tocantins, quase não foi usada, mesmo após ser concluída com 20 anos de obra e custo de R$ 1 bilhão. O rio não está navegável o ano todo pela necessidade de dragagem no Pedral do Lourenço, que custa R$ 600 milhões. “Os governos sempre optaram por um modal em vez de investir em vários, criar uma rede de transporte. Não haverá competição: as hidrovias serão fundamentais para produtos de baixo valor agregado e com prazo de transporte, como é o caso das commodities, as ferrovias serão para bens de médio valor agregado e as rodovias, para cargas regionais, urgentes e produtos refrigerados, por exemplo”, afirma Pavan. O especialista conta que foi procurado por grupos holandeses e noruegueses, além de brasileiros, interessados no setor.

Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), vê retrocesso. “Estamos andando para trás. Há 50 anos o Rio Grande do Sul tinha 1.200 quilômetros de hidrovias, hoje são apenas 800 quilômetros, porque uma dragagem de um trecho de míseros 1.500 metros está atravancada há 12 anos pelo governo estadual”. Manteli também afasta o risco de concorrência entre os modais. “O Mississippi, por exemplo, é gerido por agência mista e incentiva a criação de empresas e de cargas. Assim, não rouba a carga de outros meios, a carga é nova.”

O superintendente de Navegação Interior da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), Adalberto Tokarski, é otimista. Diz que a iniciativa privada faz sua parte e o transporte de soja vai crescer. “Em 2016, o Madeira pode levar 4,5 milhões de toneladas de soja, contra 3 milhões deste ano. O Tapajós, a partir de Miritituba, e o Tocantins poderão chegar a 3 milhões e 6 milhões de toneladas”. No Tietê, o avanço esperado é de 6 milhões de toneladas para 12 milhões. No total, a carga desses quatro rios passará dos nove milhões de toneladas para 25,5 milhões até 2016. Serão menos 450 mil caminhões com 37 toneladas de soja cada nas estradas.