Falta de acordo leva Justiça a prorrogar convenção coletiva

A Justiça do Trabalho passou a prorrogar automaticamente as convenções coletivas de trabalho já vencidas quando não há novo acordo entre sindicatos de trabalhadores e de empresas. Nos chamados dissídios coletivos – ações movidas quando não há consenso entre as partes -, os juízes têm aplicado a nova redação da Súmula nº 277, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), publicada em setembro de 2012.
 
Com a mudança, o acordo anterior é automaticamente renovado, e só pode ser revogado se houver nova negociação. Antes, cabia ao magistrado definir quais benefícios seriam mantidos e em quais condições. A Súmula 277, editada em 1988, determinava que as vantagens fixadas entre empresas e trabalhadores valeriam enquanto vigorasse a convenção coletiva – por um prazo de um ou dois anos.
 
Para o Tribunal Superior do Trabalho (TST), porém, o novo texto só se aplica a convenções coletivas vigentes a partir de 25 de setembro de 2012. Com esse entendimento, trabalhadores que propuserem ações individuais também podem conseguir benefícios previstos em negociações antigas. (leia mais ao lado)
 
Entre os casos analisados está o dissídio de greve apresentado pela Federação dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo no Estado de São Paulo (Fepetrol) e Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo de São Paulo (Sipetrol-SP). As entidades conseguiram, no Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, manter a convenção coletiva de 2011 e 2012, pois não houve acordo com o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Gás Liquefeito de Petróleo (Sindigás).
 
A 4ª Turma do TRT julgou legal a greve e entendeu que as cláusulas de convenção coletiva estão incorporadas aos contratos de trabalho com a aplicação da nova redação da Súmula 277, deixando "intocada" a convenção coletiva de trabalho, com validade entre 2011 e 2012.
 
Dentre as cláusulas incorporadas estão as que estabelecem reajuste salarial de 6% para os trabalhadores e de 7,39% para o piso salarial, "sendo os índices dessas cláusulas naturalmente modificados pela correspondência de data ao tempo de sua edição", segundo a decisão. Os mesmos percentuais de reajuste foram aplicados ao vale-refeição, cesta básica, cesta extra e auxílio creche.
 
Conforme o voto da relatora, desembargadora Ivani Contini Bramante, com a nova redação da Súmula 277, o tribunal "em sede de ação de dissídio coletivo, não está autorizado a tocar nas cláusulas preexistentes negociadas entre as partes". As mesmas regras devem ser aplicadas aos novos empregados, segundo o entendimento.
 
De acordo com o advogado do Sipetrol-SP, Aparecido Inácio Ferreira de Medeiros, do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, a súmula deu mais "equilíbrio às partes", pois quando se ia à Justiça o magistrado muitas vezes suprimia benefícios que a empresa não queria renovar. Para ele, a aplicação da orientação tem sido "extremamente benéfica" aos trabalhadores. "Agora temos um equilíbrio entre o capital e o trabalho. Não negociamos mais com a faca no pescoço", diz. Procurado pelo Valor, o advogado do Sindigás, Mário Sérgio de Mello Ferreira, não retornou até o fechamento da edição.
 
O TRT paulista também manteve a convenção coletiva de 2010 e 2011 para 2012 e este ano firmada pelo Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de São José dos Campos e Região com o Sindicato dos Hospitais, Clínicas, Casas de Saúde, Laboratórios de Pesquisas e Análises Clínicas e demais estabelecimentos de serviços de saúde do Estado de SP (Sindhosp).
 
Segundo a superintendente jurídica do Sindhosp, Eriete Ramos Dias, as cláusulas sociais foram mantidas, mas não houve reajuste salarial para a categoria no ano passado. Neste ano, como explica, já houve revisão das cláusulas econômicas e um acordo sobre o reajuste antes que o novo dissídio fosse levado a julgamento.
 
Para Eriete, a aplicação da súmula desestimula as negociações. "Fica difícil conceder benefícios, diante das dificuldades atuais, se depois não conseguimos mais tirar", afirma. Segundo ela, os sindicatos dos trabalhadores estão em situação cômoda, pois todos os benefícios ficam assegurados. Procurado pelo Valor, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de São José dos Campos e Região não retornou à reportagem.
 
A desembargadora do TRT de São Paulo, Ivani Contini, que atua nas ações de dissídio coletivo, afirma que o objetivo da Súmula 277 não é desestimular a negociação. "A súmula pretende criar uma cultura negocial entre empresas e trabalhadores, que hoje praticamente não existe", diz. A magistrada acredita que a medida tornará evidente os sindicatos menos combativos, já que, como cláusulas antigas continuam em vigência mesmo após a perda de validade, será preciso lutar por novas conquistas.
 
O presidente do Conselho de Assuntos Sindicais da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP), Ivo Dall'Acqua, critica a atuação do TST, que entende "estar invadindo a seara do Legislativo". Para ele, antes mesmo da aprovação da súmula as empresas já vinham procurando negociar apenas direitos básicos nas convenções coletivas. Segundo Dall'Acqua, para não correrem o risco de ficar "reféns" de benefícios de campanhas salariais anteriores, as companhias têm negociado cláusulas novas no caso a caso.
 
Diante desse novo quadro, advogados trabalhistas fazem algumas recomendações. Mayra Palópoli, do Palópoli & Albrecht Advogados tem orientado as companhias a evitar o vencimento do prazo das convenções, "hipótese em que permaneceriam válidos os direitos previstos". Para ela, os sindicatos mais atuantes, que fazem acordo todos os anos, não sentirão o efeito da súmula.
 
Pedro Gomes Miranda e Moreira, do Celso Cordeiro de Almeida e Silva Advogados, tem sugerido, por precaução, que todo novo acordo ou convenção coletiva firmado revogue expressamente as cláusulas vigentes anteriormente para que não continuem a ser aplicadas.
 
TST nega aplicação retroativa de súmula
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem negado pedidos de trabalhadores para a aplicação retroativa da nova redação da Súmula nº 277. O novo texto diz que as cláusulas em convenções coletivas integram o contrato individual de trabalho. Ou seja, que o empregado tem direito a benefícios previstos em convenções coletivas que não foram revogadas.
 
Para os ministros de pelo menos três turmas (1ª, 3ª e 4ª) da Corte, o texto atual só começou a valer em 25 de setembro de 2012, quando entrou em vigor. Na prática, o trabalhador não poderá pedir benefícios previstos em convenções coletivas que já não vigoravam naquela data. O entendimento deve conter a temida avalanche de ações que poderiam pedir a aplicação retroativa da norma.
 
Em uma das decisões, os ministros da 1ª Turma do TST foram unânimes ao afastar a aplicação retroativa. No caso, o empregado de uma concessionária pedia os adicionais de horas extras (que podiam variar de 65% a 100% a depender do número de horas) e de 30% de adicional noturno, que estavam previstos na Convenção Coletiva de 2003 e 2004, e seriam mais benéficos.
 
Porém, segundo a decisão do relator, ministro Walmir Oliveira da Costa, a súmula nº 277 "não tem aplicação retroativa em relação aos instrumentos coletivos já extintos pelo decurso de prazo de vigência, em harmonia com o princípio da segurança jurídica, que objetiva conferir estabilidade às relações sociais, quanto à certeza das regras jurídicas a serem observadas no tempo". Assim, citou diversos julgados no mesmo sentido no TST e reformou decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Paraná, que tinha sido favorável ao trabalhador.
 
Segundo o juiz do Trabalho Rogério Neiva Pinheiro, essas decisões são importantes para evitar uma avalanche de demandas na primeira instância. Isso porque delimitam que essa súmula só valeria após a sua edição. O que até então podia dar margem para que trabalhadores pudessem pedir benefícios em convenções coletivas antigas e já vencidas, que não foram expressamente revogadas.
 
Além disso, segundo Pinheiro, as decisões proporcionam segurança jurídica às relações coletivas e individuais de trabalho. "Pois quando houver negociação, já ficará claro para todas as partes que haverá ultratividade, de modo que ninguém será surpreendido com uma obrigação que nasceu de uma tese jurisprudencial até então desconhecida."
15/10/2013