Empreiteiras já devolvem concessões

A nova realidade econômica do Brasil, com queda do Produto Interno Bruto (PIB) e ajuste fiscal, tem elevado o número de processos de rescisões e renegociações contratuais entre empresas e o poder público. Os problemas atingem tanto negócios privados, envolvendo compra e produção de mercadorias como obras de infraestrutura dos governos federal, estadual e municipal. Algumas brigas têm ido para câmaras de arbitragem e devem demorar meses para serem resolvidas.

Na área de infraestrutura, as discussões em torno dos contratos estão baseadas em uma série de reclamações. Uma delas é o atraso no pagamento de obras executadas, que tem se tornado uma rotina nos últimos meses, especialmente no governo federal por causa do ajuste fiscal em andamento. Além disso, as construtoras se queixam de mudanças nos projetos, que elevam o custo do empreendimento. No passado, esses aumentos eram facilmente repassados para os contratos por meio de aditivos. Mas, com a Operação Lava Jato, esse instrumento se tornou mais difícil de ser aprovado pelo governo.

O caso mais visível de rescisão até o momento foi o da espanhola Isolux Corsán. Nas últimas semanas, a empresa teve contratos rompidos com o governo de São Paulo (Linha 4 do Metrô) e com o governo federal (obras na BR-381) por causa de atraso em pagamentos, expansão de cronogramas e desequilíbrio dos contratos assinados.

Agora, outro consórcio pode seguir o mesmo caminho nas obras do Monotrilho da Linha 17 Ouro (SP). Segundo fontes do mercado, o grupo – formado por Andrade Gutierrez e CR Almeida – tem feito reuniões constantes com o governo paulista para tentar dar equilíbrio econômico-financeiro ao contrato assinado – ou seja, rever os valores da obra.

Dos 17,7 quilômetros de extensão do projeto, apenas 8,3 quilômetros estão prontos. O prazo de conclusão, que era de 24 meses, já passa de 50 meses. A dilatação do prazo, segundo fontes, tornou o contrato insustentável. Até a semana passada, apenas 47% das frentes de trabalho haviam sido liberadas para as obras por causa de dificuldade na desapropriação das áreas e para obter o licenciamento ambiental.
 
A Secretaria dos Transportes Metropolitanos afirmou que a prioridade, neste momento, é concluir os trechos em obras antes de avançar para novas frentes de trabalho. A medida, no entanto, não resolve o problema do contrato. Fontes afirmam que um processo de rescisão contratual já está em andamento. Procurada, a Andrade Gutierrez disse que não comentaria o assunto por questões contratuais com o cliente.
 
"A redução de ritmo de uma obra impacta instantaneamente os custos indiretos da empresa, que estão com falta de caixa, menos crédito e, portanto, sem capital de giro. Chega em um ponto que não há como não renegociar o contrato", afirma o advogado Leonardo Moreira de Souza, da Azevedo Sette Advogados. Hoje, ele trabalha em três processos de arbitragem e um na esfera administrativa. As discussões envolvem a revisão ou reequilíbrio dos contratos por causa de defasagem de preços, aumento do escopo do projeto e inadimplência do poder público.
 
É o que tem ocorrido com as obras de Angra 3, cujos pagamentos estão em atraso. Cinco construtoras do consórcio Angramon (Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Techint) já haviam pedido para deixar o grupo por causa da inadimplência da estatal – que superava 130 dias. Mas oficialmente as construtoras continuam no consórcio, aguardando um posicionamento da Eletronuclear, empresa responsável pela usina Angra 3.
 
Desde o dia 7 de agosto, as obras estão praticamente paradas, apenas com o efetivo mínimo para não caracterizar abandono do projeto. Segundo fontes, a rescisão é a alternativa mais provável. A Angramon, no entanto, afirmou que não pediu a rescisão. Mas, se confirmada a saída das cinco construtoras, o consórcio ficaria apenas com Empresa Brasileira de Engenharia e UTC, também com problemas por causa da Lava Jato.
 
"O volume de contencioso aumentou muito nos últimos meses", observa o advogado Robertson Emerenciano, sócio do escritório Emerenciano, Baggio e Associados. Ele conta que há cerca de nove casos de rescisão ou renegociação de contratos em andamento no escritório em várias áreas. Muitas empresas o procuram para saber como sair de uma relação com altos valores envolvidos, mas que está com algum desequilíbrio.
 
O advogado afirma que a Operação Lava Jato tem provocado um efeito em cascata no setor. Empresas que foram subcontratadas não receberam dos estaleiros, que estão em discussão com a Petrobrás. Sem receber, essas companhias também deixam de pagar seus fornecedores. "Há uma ruptura grave. A empresa não recebe do estaleiro e não paga o resto da cadeia. A solução, muitas vezes, vai parar na Justiça." Outras vezes, a briga termina numa câmara de arbitragem, onde os processos demoram meses ou anos para serem resolvidos.
 
Um exemplo é o caso da concessionária Saneamento básico do Município de Mirassol, que tem como acionistas a CAB Ambiental – da Galvão Engenharia – e Enops Engenharia. A empresa está em um processo de arbitragem para decidir o percentual necessário para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Segundo a empresa, essa revisão se tornou necessária especialmente por causa dos elevados aumentos da conta de energia e de investimentos na rede que não estavam previstos no contrato.
 
 
Atraso de pagamentos para as empresas gera contenciosos

 
O advogado Fernando Marcondes, sócio do escritório L.O. Baptista-Svmfa, afirma que tem havido muita arbitragem para resolver divergências entre empresas privadas. Um dos motivos também é a questão da falta de pagamentos, a exemplo das divergências entre governos e construtoras. "O que ocorre é que têm muitas concessionárias que dependem do poder público para honrar seus compromissos. Se o governo atrasa, elas também vão atrasar", afirma.
 
Segundo dados da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem do Ciesp/Fiesp, em 2014, foram 41 processos de arbitragem. Neste ano, até julho, esse número já chegava a 27 processos. Além das discussões envolvendo a construção civil e concessões, muitos processos envolvem contratos de fornecimento de bens. "Há uma redução nos negócios, que afeta os dois lados. Hoje, quem contratou uma determinada quantidade de produto não tem mais a mesma demanda e quer renegociar o contrato", afirma Emerenciano.
 
Ele explica que o comprador quer que o fornecedor reduza o preço e a quantidade. Algumas vezes, a negociação termina de forma amigável, mas há várias outras ocasiões em que a ruptura é o único caminho. Na lista de empresas que têm enfrentado problemas estão os setores de autopeças, montadoras e alimentos. "Estamos vivendo um ciclo de renegociações. Um lado quer subir, e outro que reduzir, porque não tem demanda."
 
 
Governo alivia tempo de obra em rodovia, mas pedágio pode ir a R$ 15,00
O governo encaminhou ao TCU (Tribunal de Contas da União), na semana passada, os estudos da primeira rodovia que vai ser concedida na nova rodada de leilões do programa de concessões anunciado para este ano, as BR-476/153/282/480/PR-SC, a chamada Rodovia do Frango.
 
O trecho de 460 quilômetros vai ligar a Região Metropolitana de Curitiba (PR) ao interior de Santa Catarina. A proposta prevê praças de pedágio em cinco cidades: Lapa, Paulo de Frontin, General Carneiro (PR) e Vargem Bonita e Xanxerê (SC). A previsão é que sejam realizados R$ 4,1 bilhões em investimentos na pista, sendo R$ 2,2 bilhões nos primeiros seis anos.
 
O TCU precisa referendar os estudos para permitir que o governo publique o edital de concessão, marcando assim o leilão. O governo pretendia licitar outras três rodovias neste ano, mas os estudos delas ainda não estão aptos a serem enviados ao órgão de controle.
 
Se não houver divergências graves entre o TCU e o governo, o mais provável é que o leilão ocorra daqui a cerca de 90 dias. O edital traz mudanças em relação ao modelo que marcou os leilões de rodovias entre 2012 e 2013. O governo aumentou de cinco para seis anos o tempo que a concessionária terá para fazer os 376 quilômetros necessários para duplicação de toda a via.
 
A cobrança de pedágio poderá ser feita após a duplicação de 30 quilômetros, o que é em percentual um pouco menor que a exigência dos leilões anteriores, que foi de 10% do trecho. Teoricamente, o alívio no tempo de obra deveria garantir um preço-teto de pedágio mais baixo para o consumidor, mas não foi o que ocorreu.
 
O preço máximo que o governo sugeriu ao TCU ficou em R$ 14,6 por 100 quilômetros, com valores que serão corrigidos desde março de 2015. Com a atual inflação, na data do leilão, é provável que esse valor esteja perto de R$ 15,00.
 
O valor é pouco mais que o dobro da média dos pedágios-teto de leilão de três anos atrás, quando ficaram por volta dos R$ 7,00. Mas, nas disputas de 2013, os descontos dados pelas empresas para sagrarem-se vencedoras foram elevados, por volta de 50%, e o valor médio dos pedágios ficou em torno de R$ 3,50 por 100 quilômetros (antes da correção da inflação).
 
O baixo volume de tráfego da via e o aumento do taxa de retorno prevista para remunerar o vencedor da concessão ajudam a explicar os custo mais altos de pedágio teto em relação à rodada anterior. O Tribunal de Contas ainda pode modificar os valores finais, mas apenas se encontrar divergências nos custos das obras.
 
O custo alto de pedágio é apontado pelas empresas do setor como risco potencial para o negócio, já que, em geral, os valores elevados criam atritos com as comunidades locais e fuga de veículos para outras estradas. Mas, até hoje, todos os leilões de rodovia desde a década de 1990 no Brasil tiveram várias empresas disputando a concessão.
 
 
Ações do PAC somam R$ 3 bilhões investidos no primeiro semestre
 
O governo federal destinou R$ 3 bilhões para rodovias, ferrovias, portos, aeroportos e hidrovias no primeiro semestre, no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), segundo balanço divulgado na semana passada e disponível no site do Ministério do Planejamento. O documento cita obras realizadas em rodovias como a conclusão da ponte Anita Garibaldi, em Santa Catarina, do túnel do Morro do Formigão e na BR-101/SC, além de investimentos de R$ 1,7 bilhão em manutenção, sinalização e operação da malha rodoviária.
 
Já em ferrovias, o governo menciona a conclusão do trecho de 163 quilômetros da ferrovia Transnordestina, em Pernambuco. O documento também destaca seis empreendimentos em portos brasileiros, incluindo a dragagem de aprofundamento em Itaguaí/RJ e a construção do Terminal Marítimo de Passageiros do porto de Fortaleza, que já operava parcialmente desde junho do ano passado.
 
Em aeroportos, foram três obras feitas, entre elas o Terminal de Passageiros do aeroporto de Manaus e a recuperação do trecho central da pista do Aeroporto de Recife.
 
Ainda no considerado eixo de infraestrutura logística, no segmento de rodovias, o governo informou que estão contratados 7.735 quilômetros para realização de obras de adequação, duplicação, construção e pavimentação de estradas. Para duplicação e adequação são 3.063 quilômetros contratados, sendo 2.309 quilômetros em obras. Para construção e pavimentação, 4.672 quilômetros estão com obras contratadas, sendo 4.389 quilômetros já em andamento.
 
Em ferrovias, 2.486 quilômetros estão em obras: a Extensão Sul da Ferrovia Norte-Sul (FNS), com 682 quilômetros (83% da execução); a Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol), com 1.022 quilômetros (66% de conclusão no primeiro trecho e 10% no segundo); e a Ferrovia Transnordestina, com 1.753 quilômetros (execução de 51%). O valor executado nessas três ferrovias soma mais de R$ 1 bilhão em 2015. Além disso, há 28 quilômetros com modernização de corredores existentes em duas ferrovias. Em portos, são 29 ações de construção, ampliação e modernização, com quatro acessos terrestres, 18 empreendimentos de berços, cais e outros (12 em andamento), dois terminais de passageiros, com a conclusão do Terminal Marítimo de Passageiros do Porto de Fortaleza, e mais outros cinco projetos e 15 ações de inteligência logística.
 
No setor aeroportuário, são 46 ações em 32 aeroportos brasileiros (18 localizados em capitais e 14 regionais). Do total, são 25 obras de terminais de passageiros (uma concluída e 24 em andamento), dois estudos e projetos em execução; 14 obras em pistas e pátios de aeronaves (uma concluída e nove em andamento) e duas obras de terminais de carga (uma em andamento); uma obra de torre de controle. O governo disse que, "mesmo com o Orçamento Geral da União (OGU) adequado às condições atuais, o volume de recursos para esses investimentos continua expressivo, e hoje a prioridade é a execução de obras que já estão em andamento".