Demanda de cargas pode demorar até uma década

O fato de a estatal Valec comprar do concessionário toda a capacidade de movimentação nas futuras ferrovias acende um alerta para os especialistas do setor, para quem governo vai assumir ônus demais. Em alguns casos, a demanda necessária para superar os custos nos trechos concedidos pode demorar até uma década após a sua construção.
 
Os trechos vistos com mais receio pelos especialistas são os paralelos e próximos à costa, onde o modal rodoviário é considerado mais rápido e barato. A ferrovia entre Recife (PE) e Salvador (BA) é considerado como um dos que menos atrairão interesse de possíveis transportadores. Outro visto como de fraca demanda é a linha entre São Paulo (SP) e Rio Grande (RS). Já o primeiro trecho a ser leiloado, entre Açailândia (MA) e Belém (PA), deve ter demanda forte. Assim como o Ferroanel, no Estado de São Paulo.
 
Paulo Fleury, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e diretor do Instituto de Logística e Supply Chain (Ilos, consultoria especializada no assunto), diz que a demora no surgimento de uma demanda robusta é considerada mesmo com programas de incentivo governamental à cadeia de clientes – por exemplo agricultores. O prazo de dez anos, diz, consta nos estudos do próprio governo.
 
Dentro desse tempo, a Valec continuará comprando toda a capacidade de movimentação da ferrovia mesmo que não haja transporte de cargas, utilizando recursos do Tesouro. "Esse benefício de o concessionário não ter risco de volume é um erro fundamental", defende Fleury. Como, sem subsídio, as ferrovias provavelmente não sairiam do papel, Fleury defende um compartilhamento de riscos, para forçar a iniciativa privada – que visa lucros – a procurar mais clientes para a malha.
 
Conforme noticiou o Valor, o governo prevê a necessidade de entrar com um subsídio em torno de 40% de todo o investimento planejado. Tomando como base o investimento anunciado de R$ 91 bilhões, isso significa que cerca de R$ 36 bilhões sairão do Tesouro ao longo dos 35 anos de duração dos contratos.
 
Segundo Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral, há ainda um desafio para a Valec incorporar um comportamento "de mercado". Como, no fim das contas, vai ser responsável por pagar a infraestrutura da ferrovia, seria importante ela buscar mais clientes para estradas de ferro e potencializar receitas – algo visto como de difícil execução. "Administrar a demanda é difícil até para a iniciativa privada. A Valec deveria passar por uma reestruturação e um aparelhamento técnico", defende.
 
Relatório do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), adiantado pelo Valor em dezembro, sustenta a preocupação de Fleury e Resende. A análise conclui que a capacidade comprada pela Valec tende a ser bem maior que a demanda por trens, ao menos no período inicial de concessão. "Isto pode levar a um desbalanceamento excessivo entre custo (fixo) e receita (incerta, apesar de crescente)", diz o texto assinado por Fabiano Pompermayer, Carlos Campos Neto e Rodrigo Sousa.
 
Em maior ou menor tempo, a demanda deve ser liderada pelas commodities, acreditam as fontes ligadas ao setor, diz Luis Henrique Teixeira Baldez, presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (Anut, que representa empresas como CSN, Gerdau, Usiminas, Klabin e Bunge). "Tenho conversado com muita gente e todos estão aguardando as regras", resume.
 
Rodrigo Vilaça, presidente da Associação Nacional de Transportadores Ferroviários (ANTF), acredita que haja pelo menos seis empresas potencialmente interessadas em comprar da Valec cotas de movimentação e transportar cargas – como JSL, Brado Logística, Rumo (da Cosan) e Estação da Luz Participações (EDLP).
 
Principal operadora de logística ferroviária, a América Latina Logística (ALL) cogita participar como transportadora de cargas, mas também não descarta ser concessionária de novos trechos segundo informação recente de um executivo da empresa. A MRS não demonstra forte interesse, mas ainda não descarta completamente a participação.
 
Grande interessada em transportar cargas nas novas ferrovias é a mineradora Vale, que está elaborando os estudos de demanda sobre os trechos. A empresa, no entanto, já descarta ser concessionária de novos trechos. A Rumo Logística, do grupo Cosan, é outra interessada.