Carga tributária deve avançar em 2013

O índice "termômetro tributário" levantado indica que a carga tributária brasileira inverteu a tendência no último trimestre e, ao contrário do que se imaginava, deve ser maior que a de 2012.

Influenciada por receitas extraordinárias de Estados e da União, a carga tributária de 2013 deve avançar em relação ao ano anterior e bater um novo recorde. É a conclusão de um estudo do especialista em contas públicas José Roberto Afonso. O índice "termômetro tributário" levantado indica que a carga tributária brasileira inverteu a tendência no último trimestre e, ao contrário do que se imaginava, deve ser maior que a de 2012.

O estudo indica que as receitas tributárias extraordinárias originadas de Refis e de parcelamentos compensaram o efeito negativo da desoneração da folha sobre a carga de tributos. O termômetro tributário acompanha a evolução da arrecadação de tributos que respondem a uma média de 85% da arrecadação global do país. Estão incluídos a arrecadação administrada pela Receita Federal, a contribuição previdenciária e o ICMS e IPVA dos Estados.

Levando em conta esse universo de tributos, o termômetro bateu 30,5% do PIB. Em 2012 tinha sido de 29,89%. Essa alta, diz Afonso, indica que a carga tributária bruta global deve avançar. Nos cálculos da Receita, a carga tributária atingiu 35,85% do PIB em 2012, quando já houve recorde. Procurada, a Receita informou que não comenta estudos de carga tributária de terceiros e se manifesta sobre o assunto apenas na ocasião da divulgação dos cálculos do órgão.

Realizado em conjunto com os pesquisadores Kleber Pacheco de Castro e Márcia Monteiro Matos, o estudo mostra que, dentro da variação de 0,61 ponto percentual no termômetro tributário de 2012 para 2013, a Previdência contribuiu negativamente, com participação negativa de 20,1%, em razão da desoneração de folha. Puxada pelo Refis, a arrecadação administrada pela Receita, porém, contribuiu com 81,27%. No resultado líquido, portanto, a arrecadação do governo federal contribuiu com 60,16%. Os Estados contribuíram com o restante: 38,84%.
Em novembro, a arrecadação federal com o Refis foi de R$ 20,4 bilhões, o equivalente a 18,4% do recolhimento administrado pela Receita no mês. O estudo estima que em dezembro tenham sido arrecadados outros R$ 2 bilhões no mesmo parcelamento, o que levaria a arrecadação de Refis a um equivalente a 0,47% do PIB de 2013. Foi o grande fator de alta de carga no último trimestre do ano passado.

Afonso diz que a inversão da tendência o surpreendeu. Em parte, diz ele, há o lado negativo de elevação da carga tributária quando o peso dos tributos já é alto. "Mas é bom saber que as receitas tributárias não se comportaram tão mal como se imaginava, apesar de parte disso não ser permanente", analisa. "Mesmo assim, há o dado negativo de que o governo federal não conseguiu entregar um superávit primário firme nem com receitas extras, o que mostra que não será fácil promover o ajuste fiscal tão esperado pelo mercado."

Castro diz que a recuperação da carga tributária pode ser observada a partir de outubro. Ou seja, um pouco antes de novembro, quando a Receita Federal contabilizou a receita extraordinária do Refis. "Não se trata de uma grande alta, mas desperta mais a atenção por ser uma reversão do que vinha acontecendo no decorrer do ano", diz. Uma parte dessa mudança a partir de outubro, diz Castro, talvez possa ser creditada a uma recuperação da economia no último trimestre do ano. Mas, assim, como a recuperação, destaca, o efeito na arrecadação também é modesto.
No decorrer do ano, porém, os Estados já vinham dando sua contribuição positiva para o avanço da carga tributária global. Castro diz que isso aconteceu por conta da arrecadação sobre importações e também dos parcelamentos de tributos, principalmente ICMS. Ele exemplifica com São Paulo, com parcelamento que fez grande diferença na arrecadação do Estado.

Os efeitos do parcelamento na carga tributária ficam claros na arrecadação paulista. A receita tributária total de São Paulo somou em 2013 R$ 139,14 bilhões, com alta real de 5% em relação a 2012. O valor inclui o parcelamento do ICMS. Descontando esse recurso extraordinário, a alta real foi de apenas 0,2%. Para este ano, o governo estadual deve oferecer parcelamento de IPVA, mas o impacto estimado para a arrecadação é menor.

São Paulo não ficou sozinha na iniciativa. Outros Estados também ofereceram o parcelamento de tributos estaduais no ano passado, como Bahia e Ceará. O levantamento estima que o ICMS contribuiu com 40,13% da alta da carga tributária de 2012 para 2013. A arrecadação do imposto, segundo o estudo, avançou em 0,24% do PIB de 2012 para o ano passado (de 7,39% para 7,64%).

Gabriel Leal de Barros, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), diz que a iniciativa dos parcelamentos, no caso dos Estados, veio como forma de compensar a perda de arrecadação de ICMS sobre energia elétrica, em razão da redução de tarifas desde o ano passado, e também o impacto da Resolução 13 que, com o objetivo de neutralizar a guerra fiscal, reduziu a alíquota interestadual do imposto sobre importados. Para Barros, o parcelamento em si não é um problema, já que é um instrumento para recuperar parte da dívida ativa. "Mas o caminho é tentar solucionar questões estruturais da tributação, como brechas de legislação e sonegação, que resultam em queda de recolhimento. Com isso, o governo central e os regionais aumentariam o fluxo de arrecadação de forma sustentada."

Felipe Salto, economista da Tendências, diz que o problema não é o aumento da carga tributária em si. "Essa elevação é natural dentro do modelo de desenvolvimento que o país adotou. A questão é como essa carga está sendo utilizada." Ele lembra que o aumento se dá em razão de receitas tributárias extraordinárias geradas num momento de baixo crescimento econômico, em que o PIB tem avanço fraco.

A preocupação é que a arrecadação seja mais fraca ainda em 2014, como reflexo do baixo crescimento atual. Salto destaca que, descontadas as receitas extras de novembro, a arrecadação federal dos onze primeiros meses cresceu 1,8% em termos reais, contra igual período de 2012. Esse avanço pequeno acompanhou a evolução do PIB, estimada em 2,1% para 2013. Somente com os ingressos extraordinários é que a arrecadação administrada pela Receita ganha mais força, com avanço real de 3,9%.

A evolução da arrecadação em 2013 mostra que ficou para trás o período de maior elasticidade, diz Salto, em que o crescimento econômico gerou altas proporcionalmente maiores na arrecadação de tributos e havia maior espaço para despesas. Para Salto, o governo federal precisa readequar a lei orçamentária e definir metas de resultado primário com maior transparência, tendo em vista o baixo crescimento econômico e, paralelamente, adotar medidas de controle de gastos correntes.

Margarida Gutierrez, professora do Coppead, núcleo de pós-graduação da UFRJ, tem análise semelhante. Para ela, a elevação de carga puxada por receitas extraordinárias deixa mais claro o desafio fiscal para 2014. As receitas de Refis, diz, não são permanentes e não devem se repetir neste ano. "Ao mesmo tempo, o governo federal já recompôs algumas tributações, como a do IPI, mas a desoneração de folha ainda poderá permanecer, o que manterá a pressão desse benefício na arrecadação."

Do lado das receitas, a arrecadação federal já não conta mais com a contribuição positiva que foi dada até 2012 pelo crescimento da massa salarial, que poderia compensar o efeito das desonerações. "Os níveis de desemprego ainda continuam baixos, mas isso acontece por conta do crescimento menor da população economicamente ativa", diz Margarida. O estudo de Afonso mostra que a tributação sobre folha da Previdência contribuiu de forma mais intensa para a elevação de carga tributária a partir de 2008. Daquele ano até 2012 a fatia dessa contribuição aumentou de 5,55% do PIB para 6,17% do PIB. No ano passado a participação caiu para 6,05%.