Avanço em portos ainda deve demorar

A nova Lei dos Portos é avaliada como um avanço por associações vinculadas ao agronegócio, consultores e economistas, mas há ressalvas quanto à sua efetividade para enfrentar o apagão portuário. Uma das principais críticas é quanto à insegurança jurídica, que pode levar os investidores a agir com mais cautela e adiar negócios milionários em infraestrutura e logística. Entre as principais demandas das agroindústrias estão a melhoria no acesso rodoferroviário aos portos e o investimento nas rotas para escoar grãos pelo Norte do país, o que desafogaria os terminais das regiões Sudeste e Sul. A burocracia administrativa e o descompasso com o ritmo produtivo das empresas também são apontados como problemas que retiram competitividade das exportações brasileiras.
 
“A Lei 12.815 significa ruptura da inércia e determinação do governo em transformar o setor, mas ela precisa de ajustes, e as entidades que representam os usuários têm sugestões para aperfeiçoá-la”, diz o consultor da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Luiz Antonio Fayet. Para a lei ser viabilizada, seriam necessárias ao menos 20 medidas complementares, opina. Um entrave visto como preocupante é o viés centralista: “A legislação desestruturou os poderes das Autoridades Portuárias, conselhos que representavam os interesses dos trabalhadores, governo, operadores e usuários, então a probabilidade de erros nas decisões aumentou de forma brutal”.
 
Até 2020, o Brasil deve ultrapassar os Estados Unidos na posição de maior supridor mundial de produtos do agronegócio, beneficiado pela expansão da área plantada. Estados Unidos, Argentina e Brasil dominam o mercado de soja e milho, mas o custo para levar a produção brasileira da lavoura ao porto, US$ 85 por tonelada, é quatro vezes superior aos dos outros dois países, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec).
 
Na safra de 2011, 45,5 milhões de toneladas de grãos do Centro-Oeste tiveram de ser escoados por caminhão pelo Sudeste e Sul, sobrecarregando os portos. “Essa riqueza desperdiçada poderia ficar nas nossas comunidades do interior”, diz Fayet. Ele ressalta que um forte corredor de exportações pelo “Arco Norte” terá importância estratégica para o país. A duplicação do Canal do Panamá, prevista para terminar em 2014, reduzirá em 20% os fretes para a Ásia, principal mercado consumidor.
 
“O impacto da lei é positivo, pois vemos que há determinação do governo em buscar uma solução para os gargalos portuários, mas esperamos medidas adicionais”, opina o presidente do Sindicato das Indústrias de Carne e Derivados (Sindicarne/SC), Cléver Pirola Ávila. Santa Catarina lidera o ranking nacional das exportações de frangos e suínos. Segundo estimativa do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, até 2020 a produção nacional de carnes deverá suprir 44,5% da demanda mundial. “Exportamos principalmente pelos portos de Rio Grande, Navegantes, Itajaí, Paranaguá e Santos, mas todos eles têm problemas, tanto de acessibilidade multimodal quanto de infraestrutura retroportuária de armazenagem e integração de sistemas”.
 
A opinião é compartilhada por Mário Lanznaster, vice-presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) e presidente da Coopercentral Aurora Alimentos, um conglomerado de processamento de carnes com sede em Chapecó (SC), que emprega 20 mil pessoas de 12 cooperativas.
 
Em 2012, a Aurora obteve uma receita operacional bruta de R$ 4,6 bilhões, com 15,8% das vendas para o mercado externo. “O porto mais ágil ajuda muito, mas é preciso que seja também mais acessível e mais barato”, pondera. Ele considera fundamental que a estrutura portuária opere 24 horas por dia, a exemplo do que ocorre em outros países. “As indústrias brasileiras de carne são competitivas porque trabalham muito: temos no mínimo dois turnos de abate de frangos e suínos e os portos precisam acompanhar o nosso ritmo.”
 
Lanznaster cita um exemplo das perdas com transporte. A Aurora compra um saco de milho de 60 quilos por R$ 10 no município de Sorriso, em Mato Grosso. Depois de viajar 2.200 km em caminhão, o milho chega ao porto custando R$ 24 – o frete sai mais caro que o produto. “Precisamos de ferrovias para o escoamento dos grãos e para reduzir as mortes nas estradas, que parecem um cenário de guerra civil”, enfatiza.
 
Outro aspecto da logística portuária que, na avaliação do empresário, precisa avançar é o da cabotagem. A Aurora utiliza o transporte marítimo costeiro para reduzir os custos de produção ao levar mensalmente 80 contêineres de insumos do Porto de Itajaí (SC) às suas unidades na Bahia, em Pernambuco e no Amazonas. Em um ano, a expectativa é aumentar o volume mensal para 160 contêineres.
 
Para o pesquisador do Núcleo de Economia Agrícola da Unicamp, Antônio Márcio Buainain, a nova Lei dos Portos representa um passo adiante por introduzir agilidade ao sistema e melhorar o marco regulatório, mas os avanços virão somente no médio prazo. “A lei foi aprovada em um contexto extremamente conflitivo, com o governo flexibilizando a interpretação sobre concessões de rodovias e tarifas de energia elétrica”, comenta. “Isso gera incerteza jurídica e atrasa as decisões de investimentos no setor, que têm prazos longos e são complexos, porque vêm casados com outros, como os de acesso aos portos”. Outra dificuldade a superar, na opinião do economista, é o “cipoal de regras e interpretações às vezes difíceis de compreender”.