Artigo: ANTT adia vigência da Resolução nº 4.799/15

O recadastramento no RNTRC chama a atenção pelas inovações que traz, mas é bom ficar de olho em outros aspectos daquela Resolução, como o Manifesto Eletrônico (MDF-e), que, além de documento fiscal, passou a ser também documento obrigatório de transporte. E deve ser a chave para a atuação fiscalizadora da ANTT.

Através de ato publicado no Diário Oficial da União de 11 de setembro último, a Agência Nacional de Transportes Terrestres alterou dois artigos da Resolução nº 4.799, de 27/07/15, que dispõe sobre procedimentos para inscrição e manutenção no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTRC, e dá outras providências.

O primeiro dispositivo alterado foi o art. 41, que determinava que os transportadores rodoviários remunerados de carga (empresas de transporte – ETCs; transportadores autônomos – TACs e cooperativas de transporte de cargas – CTCs) deveriam se apresentar, a partir de 28 de setembro próximo, perante as entidades conveniadas com a ANTT para se adequarem aos termos daquela Resolução. A nova redação determina que essa apresentação, para fins de cadastramento ou recadastramento no RNTRC, se dê “conforme cronograma a ser divulgado pela ANTT”.

Tudo indica que haverá um escalonamento para inclusão de frota, que levará em conta o final da placa dos veículos, como forma de evitar atropelos ao processo e, também, para propiciar um fluxo de caixa mais confortável para os transportadores que possuam muitos veículos, já que todos deverão adquirir um par de etiquetas adesivas para identificação visual de cada equipamento (automotor ou tracionado), além de um dispositivo de identificação eletrônica (tag) para cada veículo automotor. O que a Agência ainda não definiu é como será esse cronograma, o que deverá ser resolvido e divulgado nos próximos dias.

A outra alteração foi a do art. 43. O prazo de vigência da Resolução, que era de 45 dias, passou a ser de 90. Portanto, as suas disposições que já deveriam estar vigendo desde ontem (2ª feira, 14/09), agora somente entrarão em vigor no próximo dia 28 de outubro. Isso se aplica aos demais dispositivos daquela Resolução, uma vez que os referentes ao recadastramento serão objeto do escalonamento acima referido.

Entre essas outras disposições, que passam a vigorar a partir de 28/10/15, chama especial atenção – pelo salto tecnológico que representa e pelas mudanças que poderá produzir no ambiente do TRC – o Manifesto Eletrônico de Documentos Fiscais (MDF-e) que, de documento fiscal regulado pelo Ajuste SINIEF nº 21/2010, foi erigido à condição de documento obrigatório à realização do transporte (art. 22 da Resolução nº 4.799/15), podendo atender também ao previsto no art. 744 do Código Civil Brasileiro. O Documento Auxiliar do MDF-e (DAMDFE), impresso em papel sulfite comum, deverá acompanhar fisicamente a carga durante toda a viagem (porte obrigatório).

Nos casos em que a legislação fiscal vede a emissão de MDF-e (que tendem a ser cada vez mais restritos), será, ainda assim, obrigatória a emissão de outro documento que caracterize a operação de transporte (conhecimento ou contrato de transporte). Quando isso acontecer, o Documento Auxiliar do conhecimento ou o instrumento de contrato será também de porte obrigatório.  Vale destacar que o emitente do documento fiscal eletrônico (MDF-e ou CT-e) deverá autorizar a ANTT a ter acesso ao conteúdo digital do documento, mediante preenchimento do CNPJ da Agência em campo próprio. Essas novas obrigações estão enunciadas nos parágrafos 1º a 4º do referido art. 22.

Embora o MDF-e, como documento fiscal já seja obrigatório em todo o país e não represente mais nenhuma novidade para as empresas de transporte minimamente organizadas, tenho sérias dúvidas de que todas as ETCs e também os transportadores de carga própria – TCPs (sujeitos igualmente à emissão do MDF-e) estejam realmente preparados para o cumprimento dessa nova exigência. Os que não estiverem, devem se preparar nos próximos 45 dias, já que é muito pouco provável que a ANTT promova outro adiamento. É bom lembrar que a multa por não portar documento obrigatório ou portar documento em desacordo com o regulamentado é de R$ 550,00 por ocorrência. E há várias outras hipóteses de penalidades pecuniárias bem mais pesadas.

Está muito claro que será principalmente através do MDF-e (ou do CT-e, quando substituir aquele) que a ANTT irá fiscalizar o cumprimento de diversos aspectos da legislação do TRC que atualmente vêm sendo solenemente ignorados pela maior parte do mercado. Uma fiscalização forte e eficaz é fundamental para eliminar a concorrência desleal que se estabelece entre os que cumprem e os que não cumprem as exigências legais. De fato, no art. 23 da Resolução estão elencadas as informações que deverão constar do documento que caracteriza a operação de transporte. Entre muitas outras, lá estão o valor do Vale Pedágio obrigatório (inciso IX), a identificação da seguradora, o número da apólice e das averbações (inciso X) e o CIOT (inciso XIII).

Há ainda o compromisso de fazer cumprir os prazos máximos de retenção dos veículos para carga e descarga (arts. 31, §§ 3º a 7º), inclusive com a inversão do ônus da prova, obrigando o “embarcador e o destinatário da carga a fornecer ao transportador documento hábil a comprovar os horários de chegada e saída do veículo automotor de carga nas dependências dos respectivos estabelecimentos”. (art. 32 e parágrafos).

Se juntarmos a isso, a possibilidade de uma fiscalização eletrônica, impessoal e expedita, com a utilização dos tags a serem implantadas nos veículos e das antenas de leitura que serão instaladas pela Agência, em pontos chaves da malha rodoviária brasileira, a vida realmente vai ficar muito difícil para quem não quiser andar direito.

É possível que, em pouco tempo, se tudo caminhar conforme o previsto, e se a ANTT realmente se estruturar para cumprir o seu papel regulador e fiscalizador, o TRC deixe de ser o reino da informalidade e passe a ser uma das atividades mais controladas do nosso país; com tudo que isso possa ter de positivo – afinal, o setor sempre reivindicou mais regramento e controle – e de negativo, porque a perspectiva de uma fiscalização implacável também é preocupante e só será suportável se for conduzida com equilíbrio, impessoalidade, objetividade e elevado senso ético, que é o que se espera daquela Agência.

Mas ao fim e ao cabo, se este novo tempo produzir um setor mais organizado, com mais segurança jurídica e menos informalidade, todos teremos muito a ganhar – os operadores de transporte, os clientes e a sociedade em geral –, mesmo que, para chegar lá, tenhamos de enfrentar algumas turbulências. Esta sempre foi a aposta das várias gerações de dirigentes que tem conduzido as entidades de classe do setor, notadamente nesses últimos 52 anos de existência da NTC. Está chegando a hora de conferir os resultados…
 
  
Geraldo Vianna é advogado, consultor em Transportes, ex-presidente da NTC&Logística e diretor da CNT.