Apenas 17% das companhias teriam dividendos tributados

Levantamento feito pelo Valor com base nos balanços de 89 empresas de capital aberto que integram os índices Ibovespa ou IBr-X mostra que, no máximo, 17% delas, ou 15 companhias, poderiam de alguma forma ser afetadas retroativamente pela tributação sobre dividendos pagos em excesso ao lucro fiscal entre 2008 e 2013, ou em decorrência de outros dispositivos previstos no texto original da Medida Provisória (MP) 627, como o limite de distribuição de juros sobre capital próprio.

Mesmo antes da mudança da MP no Congresso Nacional, 14 empresas informaram em notas explicativas de seus balanços anuais de 2013 o plano de abandonar o Regime Tributário de Transição (RTT) já neste ano, para evitar qualquer consequência.

A maior parte das empresas, ou 75% da amostra, informou que não esperava ajustes relevantes em sua posição patrimonial no fim de 2013, como decorrência da MP. Isso não significa, contudo, que elas não teriam esses problemas se viessem a distribuir, no futuro, reservas de lucros acumuladas entre 2008 e 2013.

Em tese, toda essa discussão tende a perder o interesse se a MP for aprovada com o texto aprovado na noite de terça-feira na Câmara dos Deputados – antes dos destaques que seriam votados na noite de ontem. Com as mudanças negociadas entre a Fazenda e o deputado relator, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ficou assegurada a isenção sobre os lucros apurados entre 2008 e 2013 – independentemente da data de distribuição dos dividendos aos acionistas – e também a partir de 2015, quando passa a vigorar o novo regime para todas as empresas.

Mas os especialistas dizem que não ficou claro o que ocorre com o lucro de 2014 para as empresas que não anteciparem para este ano o abandono do RTT, já que a migração de regime é obrigatória apenas a partir de 2015.

"Pelo texto atual, quem não optar fica na insegurança", diz Rafael Malheiro, sócio do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch. Para ele, contudo, embora o artigo 68 do novo texto da MP 627 só mencione o intervalo de 2008 a 2013, não existe nenhum outro dispositivo criando a hipótese de tributação dos dividendos deste ano. "Não achamos que será tributado. Mas seria bom que isso estivesse esclarecido expressamente na lei", afirma Malheiros.

Segundo Mary Elbe Queiroz, do Queiroz Advogados, essa insegurança pode gerar demandas judiciais futuras, se as empresas forem autuadas por terem distribuído dividendos em excesso ao lucro fiscal obtido neste ano – ainda dentro do RTT.

Das 15 empresas que revelaram decisão ou intenção de antecipar o novo regime para 2014, nove deixaram transparecer que seriam afetadas pelo texto original da MP 627. São elas: BM&FBovespa, Cetip, Cyrela, Gol, Iochpe-Maxion, M. Dias Branco, PDG, Qualicorp e Rossi Residencial. Outras quatro – BR Properties, Even, Odontoprev e Telefônica Brasil – não citam efeitos negativos, mas tampouco garantiram que não seriam afetadas. Apenas Braskem e Equatorial informaram tendência de antecipar, mas asseguraram que, se não o fizessem, não haveria efeitos relevantes.

A Taesa foi a única a informar que seria afetada – tanto por distribuição de dividendos como potencialmente por receita de construção -, mas que ainda assim estudaria o caso antes de decidir pelo abandono antecipado do RTT.

Embora toda a questão pudesse ser resolvida com a opção de abandonar o RTT já neste ano, isso pode não ser tão simples para todas as empresas.

Os bancos e as seguradoras, por exemplo, devem ser atingidos pela mudança no conceito de receita bruta previsto na MP 627, que alarga a base de recolhimento de PIS e Cofins e, por isso, teriam interesse em adiar a mudança no regime para 2015.

Além disso, a migração demandará ajustes nos sistemas das empresas. De acordo com Edison Fernandes, sócio do Fernandes, Figueiredo Advogados, muitas empresas aguardam a regulamentação da lei para saber como terão que fazer o controle das diferenças entre o balanço societário e a legislação fiscal nas subcontas contábeis.

3/4/2014