Após recorde de vendas, faltam carros nas concessionárias

Dos estoques nas alturas – nos níveis mais críticos desde a crise financeira de 2008 – a listas de espera que facilmente ultrapassam 20 dias. Na esteira das marcas históricas nas vendas de carros, a realidade da indústria automobilística mudou radicalmente em apenas três meses.
 
Mas, se antes os volumes de veículos parados nos pátios de revendas e montadoras representavam um peso sobre os custos financeiros, agora a falta de carros nas lojas começa a travar o desempenho de algumas fabricantes – no momento em que o consumo chega ao ponto mais alto de todos os tempos.
 
Essa situação começou a ficar mais evidente em agosto, quando marcas como Ford, Nissan e Toyota não conseguiram acompanhar a corrida dos consumidores para aproveitar o que poderia ser o último mês de estímulos para as vendas de carros.
 
Apesar do recorde da indústria – com o mercado evoluindo a um ritmo de 15,4% -, as vendas da Ford tiveram crescimento abaixo da média, subindo apenas 4,8% na passagem de julho para agosto. Na mesma base de comparação, a Toyota ficou quase estável, com leve alta de 1%, enquanto a Nissan, na contramão, viu uma queda de 16,4% nos emplacamentos.
 
Basta ir às revendas para constatar que falta carro para atender tanta demanda. Em lojas da Ford, vendedores pedem um prazo de 20 a 30 dias para a entrega das versões básicas dos compactos Fiesta e Ka.
 
A Nissan, por sua vez, suspendeu as vendas de seu carro mais popular no país, o March. A rede de concessionárias da marca já não conta mais com o modelo em estoque e, em virtude da greve dos auditores fiscais da Receita Federal, um grande volume de carros está parado no porto.
 
As revendas não estão mais recebendo pedidos dos consumidores pela versão 1.0 do March. Para a versão do carro com motor 1.6, chegam a pedir quatro meses para a entrega. Os clientes também precisam ter paciência para comprar o Tiida, já que a fila de espera pode superar 40 dias. "Agosto foi o melhor mês da história, mas a Nissan não teve carro para vender", diz um vendedor da marca.
 
Lançado há um ano, o March rapidamente se tornou um dos cinco carros mais vendidos no segmento de hatch pequeno e catapultou a participação da Nissan no mercado brasileiro para 3,3%. Antes do carro, a montadora japonesa respondia por apenas 1,6% das vendas de automóveis e comerciais leves no país.
 
A marca também está esbarrando na cota de importações fixada na revisão do acordo automotivo com o México, de onde a Nissan traz mais de 70% dos carros que vende no Brasil – incluindo o March e o Tiida. As compras da montadora sem alíquota de importação de 35% estão limitadas a US$ 329 milhões por ano. Procurada pelo Valor, a Nissan não retornou aos pedidos de esclarecimentos.
 
Já a Toyota – ao comentar o desempenho no mês passado – disse que as vendas só não foram maiores por conta das férias coletivas de duas semanas na fábrica de Indaiatuba (SP), onde se produz o Corolla. Segundo a empresa, essas férias são regulares e acontecem anualmente para manutenção da linha de montagem.
 
A Ford, por sua vez, explicou que seu resultado foi influenciado pela transição de novos modelos, como o Novo EcoSport e a Nova Ranger. A montadora diz que o crescimento das novas linhas será gradual. Também ressalta que o impacto foi exacerbado pelo recorde da indústria. A participação de mercado da Ford caiu para 7,7% em agosto, abaixo de sua média no ano, de 9%.
 
"O movimento é pontual e considerado em nosso planejamento", afirma a montadora de origem americana, por meio de sua assessoria de imprensa.
 
Colocando na conta caminhões e ônibus, foram emplacados 420,1 mil veículos no país durante o mês passado, marca que surpreendeu muitos analistas e confirmou o recorde de vendas na história da indústria automobilística – superando as 381,6 mil unidades licenciadas em dezembro de 2010.
 
Fiat, Volkswagen, General Motors, Renault e Honda nunca venderam tantos carros no Brasil como no mês passado. A Fiat também teve recorde de produção na fábrica de Betim, em Minas Gerais, de onde saíram 82 mil carros.
 
Ao divulgar os números na terça-feira, Flávio Meneghetti, presidente da Fenabrave – a entidade que representa as concessionárias de veículos – reconheceu que diversos modelos não estão mais disponíveis para pronta entrega nas revendas. Segundo ele, os estoques de carros na rede de distribuição – tirando as montadoras – caíram para um volume equivalente a 15 dias de venda.
 
A capacidade de abastecimento da indústria pode ser um obstáculo para projeções que apontam para um crescimento de até 12% do mercado neste ano.
 
Mas Meneghetti diz que a tendência de desaceleração das vendas indica uma recomposição dos estoques ao longo de setembro – para um giro superior a 20 dias nas lojas. Para o executivo, os volumes diários devem voltar para cerca de 16 mil carros. Em agosto, por influência da antecipação de compras, a média diária somou 17,6 mil unidades.
 
Com a decisão do governo de prorrogar por mais dois meses os incentivos às montadoras, analistas acreditam que a demanda seguirá aquecida, mas poucos apostam na manutenção dos números registrados no mês passado.